A manutenção dos superávits na balança comercial do setor sucroalcooleiro sobretudo de produtos como açúcar e álcool, está transformando a realidade das usinas de moagem de cana-de-açúcar no interior paulista. Responsável por mais de 80% da produção nacional os produtores da região Centro Sul do país, já falam, inclusive, em ampliar sua produção para entrar em novos mercados.
No balanço realizado pela UNICA, União da Agroindústria Canavieira de São Paulo, entidade que representa mais de 100 unidades produtoras, dá para se ter uma mostra do potencial gigantesco de comércio para esses produtos, tanto no consumo doméstico como mundial. Em 2003-04, a quantidade de cana-de-açúcar processada nas usinas, durante o período de safra foi de 327,14 milhões de toneladas, o que gerou uma produção de açúcar equivalente a 22,5 milhões t. e 13, 54 bilhões de litros de álcool. Para conhecer melhor esse universo que compreende a produção de açúcar, álcool e subprodutos da cana-de-açúcar, a reportagem da Revista Rural foi até a cidade de Araras, no interior paulista, para conhecer a linha de moagem da USJ Açúcar e Álcool (Usina São João). A empresa, fundada no ano de 1944, é hoje um dos grandes expoentes do setor sucroalcooleiro no Brasil. Utilizando tecnologia de ponta em seus processos, a usina mantêm uma autonomia de processamento superior a 3 milhões de toneladas de cana-de-açúcar por ano. Seu parque industrial com capacidade para 25 mil toneladas/dia, garante uma produção de açúcar e álcool que na última safra superou as 4,6 milhões de sacas de 50 Kg. e 108 milhões de litros de álcool, respectivamente.
A partir de 2004, a usina São João iniciou as atividades de uma refinaria com capacidade para produzir mais 1,2 milhões de sacas de 50 Kg. de açúcar refinado granulado, com o objetivo de abastecer o mercado externo. Hoje a usina opera com um MIX de produção de 65% voltado para produção de açúcar industrial, número este que deve aumentar para 75% no médio prazo, observa Carlos Alberto Orzari, gerente de divisão administrativo financeiro da USJ Açúcar e Álcool. Segundo ele, estão sendo traçados planos para diversificar a produção industrial, possibilitando que a empresa possua variedades de produtos para atender a maior parte das necessidades do mercado.
As unidades que formam o complexo da usina São João, empregam, durante o período de safra, mais de 2,3 mil funcionários, que se revezam em turnos e são responsáveis por uma produção diária de 2 mil toneladas de açúcar do tipo cristal. Segundo Orzari, essa produção vem quase toda dos 40 mil hectares de área utilizada com lavouras de cana-de-açúcar. Desse total cerca de 85% é mantida em terras próprias ou arrendadas pela USJ Açúcar e Álcool, fincado a cargo de fornecedores apenas 15% do volume processado. Isso faz toda a diferença, explica ele. “Dessa forma, é possível garantir um controle mais próximo da produção e isso se reverte em vantagens na hora de comercializar os produtos”, observa.
Todo esse rigor é freqüentemente recompensado com premiações importantes de órgãos que controlam a qualidade dos processos no setor empresarial. A mais recente foi oferecida pela BVQI, Bureau Veritas Quality International, em outubro de 2004, com o ISO 9001-2000, para processo de extração, manuseio, armazenagem, comercialização e exposição de açúcar dos tipos Cristal, Refinado Granulado, Granulometria controlada; açúcar líquido incluindo os laboratórios físico, químico, microbiológico de açúcares e cana-de-açúcar. É muito importante para uma empresa da área de alimentos conquistar essas premiações, pois abre portas em mercado específicos, explica Marcos Fernando Carlotti, gerente Gestão de Qualidade da USJ Açúcar e Álcool. ” O planta industrial da usina passou por um processo de adequação de procedimentos e investimentos em infra-estrutura para obter qualificação que permiti-se a obtenção de tais certificados”, conclui.
Cana-de-açúcar totalmente aproveitável
A cana-de-açúcar é uma gramínea da mesma família do capim e bambu que destaca-se, principalmente, por proporcionar um aproveitamento total no seu processamento industrial. Os produtos e subprodutos que advem da sua moagem geram resíduos de origem orgânica que são utilizados com bastante sucesso na fertilização de lavouras, por exemplo, servindo como opção para substituir a adubação química. Mas, as potencialidades dessa cultura não param por aí. Além da produção de adubos, açúcares e álcool etílico, seus derivados mais conhecidos, a cana-de-açúcar é, também, bastante utilizada como fonte geradora de energia elétrica, abastecendo o consumo das próprias usinas e gerando excedentes comercializados para comércio. Gerada pelo vapor que sai das caldeiras no processo de queima do bagaço, essa energia é canalizada de forma a produzir carga suficiente para mover as moendas, por onde passam a cana-de-açúcar, para formar o caldo que serve de base na produção de inúmeros produtos de consumo humano e animal.
Na Usina São João, a quantidade de vapor que sai das caldeiras é superior 500 t/ hora equivalente a 12 MW/h, volume este que serve para abastecer todo o maquinário do parque industrial, mais a vila de moradores com mais de 100 casas, que, juntos, apresentam um consumo médio de 9,5 MW/hora. No entanto, isso só é possível durante o período de safra, que vai de meados de maio até final de outubro, fase onde a disponibilidade de bagaço é suficientemente grande, explica o gerente gestão de qualidade da Usina São João. Segundo Carlotti, durante a entressafra, a usina guarda um volume de bagaço que serve de reserva estratégica para ser utilizada no início das operações do ano seguinte. “Esse bagaço é fundamental para garantir a sustentabilidade no abastecimento de energia elétrica na ocasião da retomada dos trabalhos”, explica.
Outros produtos que surgem após o processamento químico do bagaço de cana-de-açúcar, é o plástico biodegradável, uma alternativa na redução de embalagens de defensivos agrícolas, embalagens para alimentos, cápsula para produtos agrícolas, brinquedos e material escolar. Além disso, é possível fabricar diversos tipos de papel e o bagaço hidrolisado serve como alimentação para animais.
Apesar das muitas potencialidades do bagaço da cana-de-açúcar, o carro chefe da produção dentro das usinas origina-se do caldo de cana-de-açúcar beneficiado, formando dois produtos bastante conhecidos do público. Ambos com consumo massificado, o processo produtivo de fabricação de açúcar e álcool etílico, compreende, na prática, uma série de processo mecânicos, químicos e biológicos, que seguem uma seqüência lógica. Toda a estrutura da usina é especialmente preparada para a realização desses processos, utilizando profissionais com capacitação técnica específica para cada função. Além disso, no caso da usina São João, a empresa oferece aos seus funcionários cursos contínuos de aperfeiçoamento profissional como forma de acompanhar a freqüente evolução tecnológica do setor.
Falando do processo propriamente dito logo após a moagem, o caldo passa por um tratamento de retirada de impurezas através do aquecido a uma temperatura de 70°C. Feito isso, o ele segue para a torre de sufitação onde é colocado para reagir com elementos químicos, produzindo, gases anídrico e suforoso oriundos da queima do enxofre. O técnico do setor de qualidade da empresa, explica que, esse processo serve para retirada dos colóides (moléculas grandes, ceras e pigmentação) ainda presentes, purificando o caldo que segue para linha de produção de açúcar Cristal Branco. Segundo ele, esse processo aumenta sensivelmente a acidez da mistura que cai para um Ph4, sendo que o ideal classifica-se entre Ph 6,9 a Ph 7,2. O processo de reversão nesse índice é feito com aplicação de Hidróxido de Cálcio, conclui o técnico.
Concluída a etapa da sufitação, as máquinas dão seqüência no processo de fabricação do açúcar, levando o caldo para novo aquecimento, dessa vez a uma temperatura de 105°C. Esse procedimento que é conhecido como decantação do caldo, é feito aplicando-se polímeros e ácido fosfórico, para deslocar os resíduos sólidos da mistura todos para o fundo. Nessa etapa do processo, a diferença na coloração do caldo já é visível, observa Carlotti. Deixando seu aspecto original meio marrom esverdeado, o caldo passa a apresentar uma coloração caramelo translúcido bastante atraente observa o técnico da usina.
O resultado desse processo de decantação forma um subproduto conhecido como lodo. Como esse lodo possui altas concentrações de açúcares, palha, terra, cera e outros resíduos provenientes do processo de moagem, o caldo que fica da decantação precisa passar por um filtro rotativo com placas que retém a passagem desses resíduos, formando uma massa chamada de Torta. Seguindo uma filosofia de que, com cana-de-açúcar nada se perde tudo se aproveita, o caldo recuperado no filtro passa novamente pela decantação e a torta é levada para ser utilizada como adubo orgânico. Por sua composição rica em Fósforo, Potássio e Magnésio, esse composto é usado nas lavouras de cana-de-açúcar da própria usina, conta Carlotti. “Para cada tonelada de cana-de-açúcar processada se produz em média 40 Kg. de torta”.
O caldo límpido que agora segue seu caminho para se tornar açúcar precisa passar por dois novos processos denominados de pré-evaporação e evaporação. A partir daqui, o objetivo deixa de ser a purificação da matéria-prima e passa a compreender um processo de eliminação do excedente de água para aproveitamento do que realmente interessa na produção de açúcar (sacarose). Em média nesses dois processos elimina-se de 30% a 35% da umidade da mistura. O caldo então vira um xarope que, nada mais é do um caldo concentrado. Esse material que já possui uma forma viscosa segue para cozimento para retirada de mais água até 95%. No final se obtém o que é conhecido pelos técnicos como massa. Esse material que já é quase o açúcar acabado segue para uma centrífuga onde peneiras retiram o melaço, deixando que o açúcar se agregue para formação dos cristais.
Saindo da centrífuga, o açúcar já está quase pronto, mais ainda falta uma última etapa que consiste na lavagem dos cristais com água superaquecida a uma temperatura de 103°C procedimento que serve para retirada dos excedentes de mel dos cristais. Conforme ocorreu nas etapas anteriores, o mel volta para a evaporação e o cristal segue para a centrifuga novamente, saindo com umidade próxima de 0,05%. Aí, o açúcar passa por uma secagem que retira mais 0,02% de sua umidade. E, para finalizar o processo de fabricação do açúcar cristal, a massa vai para um cristalizador em forma de taxo gigante, que tem a função de agregar ou desagregar os cristais em diferentes tamanhos, conforme as especificações do comprador.
Concluída as etapas de produção do açúcar cristal, parte do caldo decantado mais o melaço, que formam um subproduto chamado de mosto para a fabricação do álcool etílico. O composto é levado para dentro de um recipiente, conhecido como dorna, onde são adicionado uma mistura de 10% do volume total da mistura, com fermento. Esse fermento e/ou leveduras que são microorganismos vivos, agem na mistura e vão ser os responsáveis pela transformação do mosto no produto final álcool. Através de duas reações químicas conhecidas como invertase e zimase, a sacarose é transformada em glicose e frutose (monossacarídeos) que servem de alimento para as leveduras que realizam a transformação. Segundo Carlotti, em média cada nove litros de vinhaça produz um litro de álcool, sendo que o processo para ser concluído dura em média 12 horas. “De cada toneladas de mosto (vinhaça) é possível se obter 10% de álcool em média”, conclui.
Após o processo de fermentação, a vinhaça ainda contendo o fermento segue para a centrifugação, onde ocorre a separação das leveduras que voltam para o processo anterior. Esses organismos se reproduzem com grande facilidade, podendo ser utilizados por inúmeras vezes durante a mesma safra, explica Carlotti. Segundo ele, o excedente da vinhaça também se transforma em subprodutos, servindo de adubo líquido para as lavouras da usina.
O álcool que sai da primeira torre chamado de “flegma” tem em média 40 graus gl ( Gay Lussac). A partir daí, ele é levado para uma segunda torre onde retira-se o óleo fusio, subproduto rico em álcool amílico, e que serve à indústria farmacêutica. Desse processo já sai o álcool hidratado com 94 gl, pronto para o consumo nas bombas de combustível. A última etapa no processo consiste na desidratação do álcool hidratado para formação do álcool anidro ou etanol de 99, 5 gl, isenção de água. O álcool anidro é atualmente um produto de destaque nas exportações do setor sucroalcoleiro comercializado com vários países mundo afora. Na última reunião da Única, realizada na sede da entidade, em São Paulo, um dos assuntos discutidos foi justamente o processo natural de esgotamento das reservas mundiais de petróleo, elevando a uma condição de destaque os combustíveis de fontes vegetais. E, é nesse contexto que o etanol, já, hoje, é uma fonte de combustível importante, sendo adicionado à gasolina de países em todos os continentes.
O PRESTÍGIO DO AÇÚCAR
Dentro dos vários tipos e classificações existentes no mercado, o açúcar como produto de consumo de massa é, sem medo de errar, o produto que mais participa da alimentação diária dos brasileiros. Com um a consumo individual de 45 Kg/ habitante/ ano, o maior do mundo, esse produto detém um portifólio dos mais variados. Sua presença se faz obrigatória na produção industrial de diferentes gêneros alimentícios. A indústrias de refrigerante, panificação, sucos artificiais, achocolatados são as que mais utilizam esse produto na fabricação de seus produtos. O açúcar refinado líquido, por exemplo, é bastante utilizado pela indústria na fabricação de bebidas carbonatadas, licores, sucos de frutas; sorvetes, alimentos matinais; balas achocolatadas, biscoitos e confeitos; além de cervejas especiais adoçadas. Isso ocorre devido suas características de xarope com baixíssima turbidez. O produto se mantém líquido até 15°C, ou seja, ele não cristaliza e homogeniza com facilidade com vários sabores (flavorizantes). O açúcar cristal de alta corpossui alto nível de sacarose (99,2%) e caracteriza-se por possuir fina película de mel envolvendo os cristais auxiliando na formação de uma leve textura. Esse tipo de açúcar é muito usado na fabricação de pães e confeitos, biscoitos e cereais matinais.
O açúcar cristal com granulometria controlada caracteriza-se por apresentar baixo teor de não açúcares, baixa coloração e granulometria uniforme. Sua utilização se dá especificamente na indústria de refrescos em pó e acabamento e cobertura em gomas e confeitos. Já o açúcar refinado granulado possui a maior concentração de pureza 99,8% (sacarose) e tem como característica não interferir no sabor dos produtos. Apresenta elevado brilho, destacando acabamentos em produtos especiais. A aplicação desse açúcar ocorre em misturas lácteas e achocolatados; doces e confeitos em geral, sorvetes e coberturas; A diferença fica por conta da industria de refrescos em pó e preparados para gelatina; aditivos especiais para carnes e embutidos; aditivos e pré-mesclas para panificação e confeitaria em geral.
A linha de açúcares especiais é obtida por um processo de cristalização controlada, a partir do caldo de cana-de-açúcar da família das Saccharum officinarum tratado e possui cristais finos e regulares, com alto brilho, especial para processos alimentícios. Essa variedade caracteriza-se pelo baixo teor de não açúcares e baixa coloração. O açúcar branco é fabricado em duas tipologias diferentes para exportação. O branco para consumo direto humano, com baixa cor (100), produzido diretamente em usina, sem refino e o branco para re-processamento no destino, também produzido diretamente em usina, sem refino, cor 400.