A produção nacional de trigo vem apresentando expressivo crescimento desde 1999, com reflexos diretos no volume de área utilizado pela cultura que evoluiu de 1,2 milhão de hectares para 2,4 milhões em 2003, quando a safra atingiu 5,9 milhões de toneladas. Foi o segundo maior volume produzido, ficando atrás apenas do nível recorde de 6,2 milhões de toneladas obtidos em 1987, época em que a comercialização tinha forte presença governamental, relembra o pesquisador do IEA Instituto de Economia Agrícola, Nelson Batista Martin. Segundo ele, hoje, com a produção nacional representando cerca de 62% do consumo doméstico, houve redução de preços por ocasião desta safra, que igualou as 5,9 milhões de t. do ano passado, notadamente nos estados da Região Sul, principal produtora e na qual a colheita se concentra nos últimos meses do ano.
Esse fato gerou dificuldades no estabelecimento de acordo entre produtores e moageiros, explica o pesquisador. Segundo ele, por outro lado, a conjuntura internacional no período da safra de 2003 favoreceu agricultores e comerciantes, uma vez que viabilizou o escoamento de parte expressiva da safra, principalmente nos estados do Rio Grande do Sul e do Paraná, através de exportações. “Este é um fato inédito, que contribuiu sobremaneira para aliviar a pressão de baixa sobre os preços recebidos pelos triticultores”, conclui. Conforme dados da Companhia Nacional de Abastecimento CONAB, entre dezembro de 2003 e fevereiro de 2004 foram exportadas 634,2 mil toneladas de trigo no valor de US$ 99,1 milhões, abrindo novas possibilidades de mercado.
Martin avalia que os preços recebidos foram muito influenciados pela desvalorização do real, que encareceu as importações e, portanto, aumentou a competitividade do produto nacional. Em São Paulo, onde encontra-se a maior demanda do produto e mais 30% da capacidade de moagem instalada no país, o cálculo da paridade do preço do produto nacional com o importado, passou a levar em conta o preço, já contabilizado o valor do frente. Geralmente os preços recebidos pelos produtores paulistas são mais elevados que os de outros estados, mas a tendência é a mesma, explica. O analista apresenta números mostrando que desde janeiro de 1999, por influência da mudança na política cambial brasileira, os preços médios mensais recebidos pelos produtores paulistas, corrigidos pelo IGP-DI da Fundação Getúlio Vargas (FGV), firmaram-se em patamares sempre superiores a R$ 20,00/ saco de 60kg. Em setembro de 1999, estava em R$ 23,93/sc, atingindo os maiores valores em outubro de 2002, quando o preço médio chegou a R$ 43,93. Em setembro de 2003, o preço médio recebido foi de R$ 28,54/sc.
Os preços recebidos pelos produtores paulistas em 2003, considerando o período de safra, de agosto a outubro, foram 9,5% menores que os do ano anterior, mas ainda estão nos patamares mais elevados do período pós Plano Real, explica o técnico do IEA. Mesmo assim os triticultores paulistas estão reticentes quanto à expansão da área cultivada, alegando que o custo de produção aumentou muito e que o alto risco da atividade não está sendo amparado por seguro rural. Assim, na região sudoeste do Estado de São Paulo, os agricultores estão dando preferência ao triticale, que apesar de menor preço comparativamente ao do trigo é uma cultura mais rústica e, portanto, de menor custo.
Além da desvalorização da moeda, outros fatores concorreram para a retomada do crescimento da triticultura brasileira. Os problemas econômicos na Argentina, principal fornecedor de trigo para o Brasil, começaram a dificultar as importações brasileiras. Diante da instabilidade da moeda, os produtores argentinos procuravam reter o produto, enquanto o governo adotava políticas de taxação de exportações. Nessa conjuntura, a produção argentina de trigo foi reduzida nos períodos 2002/03 e 2003/04. Esses fatores colaboraram para que no Brasil, os diversos segmentos da cadeia produtiva do trigo se unissem para articular junto ao governo políticas que estimulassem o plantio do cereal. Uma delas foi a correção do preço mínimo em 40,3% e 50%, conforme a região, fixando o valor para 2003 em R$ 400,00 por tonelada (R$24,00/60kg) para os estados do sul e em R$ 450,00 (R$27,00/60kg) para as demais regiões.
Para 2004, a estimativa da Câmara Setorial das Culturas de Inverno (trigo, cevada, aveia e centeio), colegiado que atua junto ao Ministério da Agricultura (MAPA), é de expansão de 10% na área cultivada com trigo. Contudo, informações obtidas em algumas regiões produtoras mostram uma certa indefinição por parte dos agricultores, sendo que, até o momento, não há nenhum levantamento de intenção de plantio disponível para dar sustentação factual. Em São Paulo, o comportamento da triticultura é semelhante ao observado nas principais regiões produtoras do país. A área cultivada evoluiu de 19.240 hectares em 1999 para 51.809 hectares na última safra, quando foram produzidas 116,2 mil toneladas. É importante lembrar que o Estado já cultivou área bem maior que essa, de 219,7 mil hectares em 1989, a qual resultou num volume de 362,9 mil toneladas.
Portanto, o nível dos estoques finais mundiais continua baixo, estimado pelo USDA em 124,9 milhões de toneladas. A projeção está baseada na estimativa de aumento da produção dos principais países exportadores. Dessa forma, a conseqüente recomposição dos níveis dos estoques pode projetar menores cotações de preço no mercado internacional na temporada 2004/05. A decisão do triticultor nesse momento é de alto risco, além daqueles próprios das culturas de inverno, mais sujeita às adversidades climáticas. O preço do mercado interno é dependente do mercado internacional, o qual está sinalizando aumento da competição entre os exportadores.
A saída, segundo o especialista, seria o governo federal por intermédio de agentes como o MAPA, Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento e a Conab, Companhia Nacional de Abastecimento, utilizar mecanismos como as AGF e leilões de PEP para enxugar o mercado. “Essa política de sustentação é importante para manutenção dos preços em patamares sustentáveis. A criação dos estoques reguladores, coisa que o Brasil hoje não possui, vai ajudar manter a demanda aquecida no decorrer dos meses de março, abril e maio de 2005”, conclui.