O pecuarista conta que, tudo teve início no final da década de 1940, quando Júlio do Valle, amigo da família Ortenblad e que costumava trazer boiadas do sertão, viajando longas distâncias a pé, tinha como um de seus lugares de repouso a fazenda Água Milagrosa. Numa destas viagens, em retribuição à hospitalidade recebida, Valle pediu que fosse apartado, como presente, um bezerro da boiada que estava trazendo para dar ao amigo Alberto Ortenblad. Foi escolhido então um bezerro sem raça definida, provavelmente fruto de cruzamento de Nelore e Guzerá, mas sem grau preciso de sangue entre estas duas raças.
Segundo dados do histórico da fazenda, como na época a fazenda Água Milagrosa dedicava-se quase exclusivamente à cultura do café, este bezerro passou desapercebido durante algum tempo, só vindo a ser observado com atenção mais tarde, devido uma circunstância peculiar do animal de não apresentar chifres. Era um mocho perfeito, relembra o pecuarista. Segundo ele, do ponto de vista zootécnico, era um animal que apresentava atributos excepcionais como: ótima conformação de carcaça, bons aprumos, cupim desenvolvido e bem localizado, excelente pigmentação, e cascos e focinho pretos. O touro então foi marcado a fogo com o número T-0, e organizado um fichário completo a partir de 1943. Segundo Ortenblad, como o caráter mocho é altamente transmissível e dominante, inescapável foi a idéia de se formar um rebanho mocho a partir dos descendentes deste animal e, possivelmente, não só um plantel, mas uma nova raça zebuína, sendo esta a intenção, deu-se o nome a este animal de “Tabapuã”, explica.
O Dr. Alberto Ortenblad, pai do atual gestor, que era um apaixonado por pesquisa aplicada, não se importando com retorno financeiro rápido, e muito menos deixando-se abater caso algum projeto viesse a demandar décadas para ser concluído, decidiu então que precisava estudar genética, matéria da qual tinha conhecimento apenas superficial, para ter embasamento técnico e científico no sistema de acasalamento a ser adotado. Segundo conta o criador, na época, dois caminhos se mostraram possíveis, lastreados basicamente em estudos dos geneticistas José da Costa Guerra e Ronald A. Fisher: O “sib mating” que é o acasalamento entre irmãos e primos, mais utilizado em espécies com muitas crias por vez, e o “in and in breeding”, de acasalamentos sucessivos paternos, de filhas e netas com o próprio pai e avô.
Ortenblad filho observa que, no primeiro sistema, a consanguinidade se dissiparia com maior rapidez, mas determinaria maiores dificuldades de aferição dos resultados, ao mesmo tempo em que retardaria a obtenção do objetivo primordial: tender para futuras gerações homozigotas. O segundo caminho foi assim o escolhido e, mais de meio século depois, ainda é utilizado na Fazenda Água Milagrosa com excelentes resultados, de acordo com o criador. Segundo ele, porém, para que o sistema de “in and in breeding” tivesse sucesso, havia ainda uma indagação a ser respondida, pois o que se tentava era formar uma raça partindo apenas de um anima. Teria o touro Tabapuã T-0 “predomínio hereditário? “A transmissão genética unilateral é uma lei privativa de certos indivíduos que são dotados do que se chama em zootecnia de “potência hereditária individual”, afirma.
Na opinião do pecuarista que é economista de formação, e tem no sangue a visão de homem empreendedor, o trabalho de seleção é muitas vezes uma tarefa impiedosa, onde não cabem fatores subjetivos e muito menos orgulho pessoal. Segundo ele, na época, o sistema adotado de “in and in breeding” (acasalamento em linha reta) não permitia a utilização dos machos de primeira geração. Por melhores que fossem, eram sistematicamente castrados e vendidos para corte. A primeira geração foi, assim, composta apenas de fêmeas, filhas do touro Tabapuã T-0 com vacas semelhantes a ele, porém com chifre. Esta primeira geração de fêmeas era bastante uniforme, com bom desenvolvimento, e com alto percentual de mochas perfeitas. A segunda geração (filhos-netos e filhas-netas do T-0) tornou-se de grande importância, pois nela encontrou-se animais de excelente qualidade, como outros recessivos, que foram descartados.
O rebanho hoje
Atualmente, o trabalho de seleção da fazenda Água Milagrosa com a raça Tabapuã, segue, basicamente, os mesmos critérios, tendo como diferencial, a utilização de modernas práticas de manejo e tecnologias para reprodução. Com um rebanho que supera as 2500 cabeças, é patente a eficiência reprodutiva da propriedade que, todos os anos comercializa animais, machos e fêmeas, para várias regiões do país. Segundo Paulo Henrique Julião de Camargo, zootecnista e gerente de pecuária da Água Milagrosa, a procura pelos animais da raça Tabapuã é crescente e isso se reflete nos resultados do criatório, inclusive na ABCT, Associação Brasileira dos Criadores de Tabapuã. Como principal disseminador da genética Tabapuã para o resto do país, a propriedade procura através de um apurado trabalho de seleção, imprimir homogeneidade ao seu plantel de matrizes e touros, garantindo, com isso maior uniformidade à raça. “O Tabapuã vem sendo criado com sucesso em quase todos os Estados do Brasil”, observa.
Camargo conta que, todos os animais colocados à venda pela fazenda passam por um rigoroso controle de qualidade. Animais com qualquer defeito racial que o desclassifique são descartados. Animais com defeito congênito ou adquirido também são retirados de lotes de venda. Da mesma forma, animais que embora não apresentem defeitos, mas cujo desenvolvimento ponderal fique abaixo do que a Água Milagrosa considere como bom, também não são vendidos como reprodutores. O mesmo ocorre com animais em que sejam detectados quaisquer possíveis problemas de ordem reprodutiva. “Este rigoroso critério vale tanto para machos quanto para fêmeas”, conclui.
Entretanto, o técnico mostra que, embora o rebanho Tabapuã da Água Milagrosa apresente-se bastante homogêneo do ponto de vista da conformação racial e do desenvolvimento ponderal, o rigor no controle de qualidade adotado leva a um alto percentual de descarte. “Entre a desmama e 18 meses de idade, descartamos de 25% a 30% de nossa produção anual, observa o gerente da fazenda. Segundo ele, isto não quer dizer que a produção da fazenda seja ruim ao contrário, é muito bom. “Apenas somos rigorosos ao colocar animais à venda. E isto porque a Água Milagrosa não vende boi de corte, e sim reprodutores, enfatiza. “Para tal, o técnico é necessário que os animais colocados à venda cumpram as exigências zootécnicas”, conclui Camargo.
Além disso, é fundamental que os animais devem apresentem outras duas características, por exemplo, descender de touros e vacas férteis e de alto predomínio hereditário e prepotência genética. “Somente assim o comprador poderá ter certeza de que não está comprando apenas um belo animal, mas, acima de tudo, um reprodutor que irá imprimir, com dominância, suas características a seus filhos, destaca o técnico.
Raça não pára de crescer
Segundo dados da ABCT, Associação Brasileira dos Criadores de Tabapuã, entre as raças zebuínas, a que mais cresceu nos últimos 10 anos (1988 a 1997) tanto nos registros genealógicos de nascimento, RGN como também nos registros genealógicos definitivos, RGD foi o Tabapuã, mostrando que os criadores estão realmente satisfeitos com o desempenho dos animais. Atualmente, considerado como uma das melhores raças para produção de carne em menor tempo. Além do ganho de peso precoce, o Tabapuã vem entusiasmando criadores por outros atributos tais como: a docilidade, fertilidade, precocidade reprodutiva, boa conformação frigorífica e uma excelente habilidade materna.
A raça, devido às suas qualidades para a produção de carne e de criação, vem sendo cada vez mais utilizada nos cruzamentos, com as outras zebuínas na formação de lastro pecuário, objetivando-se obter matrizes boas de cria e adaptadas para cada região. O exemplo mais típico destes cruzamentos é o Tabanel (Tabapuã x Nelore). Nos cruzamentos terminais, onde se busca o máximo de heterose, para atingir produtos de alto rendimento de carne, e engorda não só no confinamento, mas, também no pasto, o uso da raça Tabapuã em gado europeu de corte tem apresentado resultados excelentes, observa o técnico Dr. Alberto Ortenblad, falecido em agosto de 1994, presidiu a Associação Brasileira dos Criadores do Mocho Tabapuã, atual ABCT, desde sua fundação em 1968 até 1993. Durante estes 25 anos, custeou pessoalmente todas as despesas da Associação, já que seu objetivo era congregar o maior número possível de criadores. Quando entregou a presidência da ABCMT (hoje ABCT), contava ela com 628 associados, entre técnicos e criadores, todos entusiastas da raça. Na ultima edição de seu livro, “O Tabapuã da Fazenda Água Milagrosa”, já com idade avançada, Dr. Alberto Ortenblad descreveu a atividade agropecuária com palavras simples, porém tocantes: “Extenso e apaixonante campo de atividade é este, exercido no silêncio do isolamento, nem sempre isento de revezes, amálgama de negócio com prazer, em que sentimos, como em nenhum outro, a rapidez do curso da vida, curta demais para o objetivo visado”.