Agricultura

PRONAF – ainda falta verba para o pequeno produtor

Pior que isso, o projeto induz o segmento a um uso mais intensivo da chamada tecnologia moderna, como mecanização e agrotóxicos, sem que haja preocupação, pelo menos na mesma proporção, com a degradação do meio ambiente. Em linhas gerais, pelos resultados obtidos até agora, o Pronaf está sendo visto como substituto do crédito agrícola subsidiado.

Esses desvios dos objetivos do programa foram constatados pela engenheira agrônoma e professora da Unicamp, Angela Kageyama, num estudo sobre “Produtividade e renda na agricultura familiar: efeitos do Pronaf-crédito”, num universo de pequenos produtores que exploram menos de 10 hectares e possuem receita familiar total de 2,72 salários mínimos, por mês.

O Pronaf foi criado para promover o desenvolvimento sustentável do meio rural, com o aumento da capacidade produtiva, geração de empregos, elevação da renda e melhoria da qualidade de vida dos agricultores. A intenção é conceder apoio financeiro às atividades agropecuárias, ou não (turismo rural, artesanato, agronegócio familiar e serviços em geral), compatíveis com a natureza da exploração rural e com a otimização do uso da mão-de-obra familiar.

Desde o surgimento, em 95, até 2000, foram liberados R$ 10,2 bilhões e contabilizados cerca de 4 milhões de contratos com agricultores de pequeno porte. Em meados de junho último, o presidente da República anunciou verba de R$ 7 bilhões a ser distribuída através do programa. Na ocasião, citando dados estatísticos, revelou que os recursos, na temporada passada, atingiram ” 85% do público alvo” e que a meta é ampliar a abrangência, “beneficiando maior número ou mesmo a totalidade dos pequenos produtores. Para isso, será preciso contar com a atuação do bancos privados, e vamos convocá-los”, disse Lula.

Programa aumenta produção

Na pesquisa, Angela Kageyama ouviu produtores de 21 municípios, localizados em oito Estados, totalizando 2.299 estabelecimentos, verificando que o Pronaf “está fortemente associado com o nível tecnológico e a produtividade agrícola, sugerindo que seu papel tem sido o de substituir o antigo sistema de crédito rural subsidiado.”

A agrônoma também constatou “uma associação positiva entre a presença do projeto e o aumento da erosão e da freqüência no uso de agrotóxicos.” Ficou evidente, também, “não haver qualquer ligação significativa entre o programa e ações de recuperação de áreas degradadas.” Diante disso, alerta que “deveria ser dada uma atenção especial ao risco de contribuir para difundir, entre pequenos produtores familiares, o ‘pacote tecnológico produtivista’, sem um controle associado dos possíveis danos ambientais que podem resultar do uso intensivo de agroquímicos.”

Numa advertência, afirma que o Pronaf “tem de ir além do simples financiamento de práticas produtivas modernas.” Deixa claro que seria bem mais eficiente se houvesse uma “contribuição para introduzir mudanças nos métodos de produção no sentido de diminuir a dependência de insumos externos, bem como utilizar práticas que sejam ambientalmente mais adequadas a cada situação e que respeitem a cultura tecnológica dos agricultores familiares.”

Finalizando, Kageyama assinala que a taxa de ocupação familiar e a renda per capita, duas vertentes da pesquisa, não apresentam diferenças significativas de média entre o que não são e os beneficiários do plano. Para ela, “essa é uma conclusão inesperada, pois a elevação da renda e do emprego nas famílias agrícolas são objetivos centrais do projeto.” Enfática, observa que “esperava-se, ao menos, alguma associação positiva entra renda, ocupação e Pronaf, o que de fato não ocorreu.”

Os pífios resultados alcançados na melhoria da renda e as dificuldades de escoamento da produção familiar, poderão ser compensados, ainda que parcialmente, pelo Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar, lançado, em julho do ano passado, pelo governo federal. O projeto é considerado uma das prioridades do elenco de ações estruturais do Programa Fome Zero.

Recompor estoque de segurança

O objetivo primeiro do plano de compras é incentivar a agricultura familiar, com remuneração adequada da produção, além de contribuir para recompor um estoque mínimo de segurança com alimentos da cesta básica adquiridos nas regiões produtoras. Para participar do projeto, os agricultores devem estar enquadrados nas categorias do Pronaf e, de preferência, organizados em cooperativas, associações ou grupos informais de, no mínimo, cinco produtores. A intenção é incentivar uma melhor organização dos lavradores para a comercialização da colheita.

O engenheiro agrônomo, pesquisador da Embrapa e ex-assessor do Mesa-Ministério Extraordinário de Segurança Alimentar e Combate à Fome, Otávio Valentim Balsadi, diz que as aquisições podem ser diretas ou antecipada e “estão limitadas a R$ 2,5 mil por ano, por produtor.” A operacionalização está sob responsabilidade da Conab-Companhia Nacional de Abastecimento, que orienta a instalação de pólos, organizados pelas superintendências regionais, nas áreas de produção.

O programa é administrado por um conselho gestor formado por representantes dos ministérios da Segurança Alimentar, Desenvolvimento Agrário, Agricultura, Fazenda e Planejamento. Esse organismo define os produtos a serem comprados, as regiões prioritárias e os preços, que devem ficar entre o mínimo vigente para a temporada e o praticado no mercado local de compra.

Um balanço da atuação do projeto, entre agosto/03 e janeiro/04, mostra que, pela compra direta, foram atendidos 2.637 agricultores, distribuídos em 72 municípios de onze Estados. No total, foram adquiridas 7,2 mil toneladas de arroz, castanha de caju, farinha de mandioca, feijão (anão, preto e macaçar), milho, semente de milho e leite em pó, a um custo de R$ 5,1 milhões. Na média, cada produtor recebeu R$ 1,9 mil pela venda.

Quanto à compra antecipada, o processo acontece com a emissão da Cédula de Produtor Rural (CPR), pelo Banco do Brasil e pela Conab. Com esse papel, o agricultor que não teve acesso ao crédito oficial de custeio, pode sacar até R$ 2,5 mil. O título compra, preferencialmente, arroz, feijão, milho e mandioca. A cédula vence até 60 dias depois do término da colheita e pode ser liquidada com a entrega do produto para a Conab ou financeiramente com um juro de 2% ao ano sobre o valor da operação.

Inserção no mercado, o objetivo

Segundo Balsadi, em 2003 foram gastos R$ 57,7 milhões em compras antecipadas, atendendo 30.599 famílias de agricultores em 22 Estados mais o Distrito Federal, com um valor médio, por compra, de R$ l,8 mil. Para ele, essa quantia é “razoável para agricultores com dificuldades de inserção no mercado.” Norte e Nordeste, principalmente, são áreas prioritárias na operacionalização da CPR, pois são regiões “com maior participação no total de estabelecimentos agropecuárias familiares no Brasil”, acrescenta.

Um outro instrumento, conforme Balsadi, é a CPR Especial, que permite o pagamento de forma escalonada, a doação simultânea dos produtos a programas sociais e inclui hortigranjeiros e sementes. Esse papel tem possibilitado o desenvolvimento de comunidades extrativistas e nas áreas do semi-árido, de pequenas agroindústrias e produtos ecológicos, ambos de caráter familiar. No País todo, foram emitidos R$ 18,6 milhões desse documento, beneficiando 7,8 mil famílias, num valor médio individual de R$ 2,3 mil.

Balsadi aponta vantagens com o lançamento do programa. Entre elas, cita a possibilidade de o governo poder comprar produtos dos agricultores familiares pagando preços compatíveis com a realidade do mercado, não precisando mais ficar preso aos preços mínimos vigentes, que “engessavam” a atuação da Conab. Outra, indica como “já perceptíveis” os resultados de melhoria de renda do beneficiados, inclusive com a recuperação de preços onde a estatal abriu pólos de aquisição de produtos. De resto, acrescenta, o número de contemplados, o total gasto nas mais diversas regiões e nas várias modalidades de compras, confirmam a “materialização” do programa, pois foram atendidas “cerca de 42 mil famílias, com uma despesa aproximada de R$ 82 milhões, só no ano passado”, finaliza.

Uma iniciativa que pode ajudar a engordar a receita do pequeno agricultor familiar é a PI-Produção Integrada, “uma novidade tecnológica, surgida a partir do MIP-Manejo Integrado de Pragas, programa do qual utiliza 80% das estratégias de implantação.” A afirmação é da engenheira agrônoma e pesquisadora do IEA-Instituto de Economia Agrícola, Elizabeth Alves e Nogueira, que liderou um grupo de estudo sobre “segurança alimentar e produção integrada”, tendo como foco “a exploração do maracujá como alternativa para o Estado de São Paulo.”

Segundo ela, o sistema (MIP) é praticado por poucos e necessita maior divulgação dos conceitos junto aos produtores, sobretudo acerca dos benefícios. Em conseqüência, a PI também é pouco divulgada, embora os métodos utilizados pelo Profruta-Programa de Desenvolvimento da Fruticultura, para a produção de maçã, uva, mamão papaya, melão, manga e caju, que têm espaço garantido no mercado internacional e certificado de qualidade.

Receita mais gorda com frutas

A fruticultura, conforme a pesquisadora, é um dos setores pioneiros no uso dessa tecnologia. A rigor, a PIF-Produção Integrada de Frutas, teve início nos anos 80 e 90, em função de um movimento de consumidores que buscava frutos sadios, com qualidade e sem resíduos de agrotóxicos, e do trabalho de pesquisadores e extensionistas que estimulavam a preservação dos recursos naturais e a biodiversidade.

No caso do maracujá, o Brasil já foi o maior exportador mundial. Hoje, importa. A cultura, no geral, “é desenvolvida em pequenas propriedades, a maioria no contexto de agricultura familiar e, com raras exceções, ocupa uma ára de 1 a 5 hectares por produtor”, diz a agrônoma.

O manejo, os tratos culturais, acrescenta, fazem com que a atividade exija mão-de-obra intensa, notadamente nas fases de plantio, florada e colheita. É importante que haja treinamento, a fim de que os requisitos da lavoura sejam plenamente atendidos. Enfim, de acordo com Elizabeth, pela própria natureza dos trabalhos, “a mão-de-obra familiar é perfeitamente adequada.”

Através do Profruta, em 2002, foi implantado um projeto de Produção Integrada de Maracujá (PIF-Maracujá), em São Paulo, com o objetivo de fortalecer a cultura, não só no Estado paulista, mas no País todo. Essa lavoura pode ser vista como complementar ao Pronaf visto que, estima-se, precisa de dois trabalhadores por hectare, de modo direto. Isso, no Estado, significaria 60 mil empregados. Os postos indiretos são calculados em quatro pessoas por hectare, somando 120 mil ocupações, permitindo concluir que a cadeia produtiva da fruta emprega 180 mil trabalhadores. Em termos de Brasil, o número seria bem maior, sentencia.

Em São Paulo, a área cultivada, em 2003, estava estimada em 2,9 mil hectares, com uma colheita de 2,8 mil caixas de l6 kg, distribuídos por várias regiões. A produtividade média é de l6 t/ha, enquanto a média nacional fica entre 10 e 15 toneladas. Há registro de incidência expressiva de problemas fitossanitários, “que não foi acompanhado por um sistema produtivo adequado às diferentes áreas de produção.”

Porém, a pesquisadora do IEA afirma que a rapidez na identificação das doenças agiliza o processo de controle, “fazendo com que os danos sejam minimizados.” No mais, diante da importância sócio-econômica, dos problemas surgidos com o atual modelo de produzir e das boas perspectivas de mercado, “é urgente que se ampliem os esforços que assegurem a sustentabilidade da cultura do maracujá, em São Paulo, nas normas do PIF, em favor do desenvolvimento econômico, social e ambiental das atuais e novas áreas de plantio”, finaliza.

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