Essa meta comum ficou evidente durante um simpósio sobre o produto realizado em São Paulo, novembro último, promovido pela Abimilho – Associação Brasileira da Indústria do Milho. Durante o encontro foram abordados temas relacionados a produção, comercialização, medidas para incrementar o consumo, principalmente o humano, armazenagem, que apontou várias falhas na políticas do sistema em prática, além de um aspecto atual e polêmico, que é a transgenia, ou organismos geneticamente modificados.
Durante palestra sobre transgênicos e controle de pragas, o pesquisador da Embrapa Milho e Sorgo, Fernando Hercos Valicente, fez um balanço da área de plantio ocupada por lavouras engenheiradas no mundo todo, atualmente. Com dados de 2002, disse que a extensão utilizada por essas culturas cresce pelo sexto ano consecutivo, atingindo 58,7 milhões de hectares distribuídos em 16 países. Desses, 9 são em desenvolvimentos, 5 desenvolvidos e dois no Leste Europeu. Comparado á ocupação de seis anos atrás, houve uma expansão de 99% no cultivo de plantas modificadas. Nos Estados Unidos, esse avanço foi de 66%, na Argentina, 23%, no Canadá, 6%, e na China 4%. A Índia, maior produtor mundial de algodão, planta 45 mil hectares. Colômbia e Honduras, iniciantes nesse tipo de lavoura, plantam 2 mil e 350 hectares, respectivamente. Os principais produtos são a soja, que ocupa 62% da área plantada, milho, 21%, algodão 12%, e canola, os 5% restantes.
Descendo a detalhes, Valicentes afirma que dos 72 milhões de hectares usados pela soja, no mundo, 51% são transgênicos, o milho tem 140 milhões/ha, dos quais 9% são modificados, e a canola tem 25 milhões, dos quais 12% são plantas engenheiradas. No Brasil, a extensão plantada com milho, computadas as duas safras passa um pouco dos 12 milhões de hectares. Os gastos com inseticidas, nessa lavoura, chegam a oscilar entre US$ 500 milhões e US$ 600 milhões/ano. Segundo ele, a lagarta do cartucho é a principal praga e há estudos mostrado que ela dizima até 34 da produção.
Valicente afirma que uma alternativa de combate a esta praga é o bacillus thurigiensis, o Bt. Alerta, porém, que é uma escolha viável desde que usada a cepa correta. No mundo, acrescenta, há uma estimativa de que existem apenas cerca de 60 mil cepas de Bt. A Embrapa pesquisou diversas regiões do País, com diferentes tipos de solo e culturas, ou qualquer outro microclima, com o objetivo de levantar cepas de Bt e usá-las contra a lagarta do cartucho.
No planeta, diz, as culturas transgênicas que expressam toxinas de Bt gastam US$ 10 bilhões, por ano, em práticas de manejo e controle químico de insetos. Mesmo assim, as perdas vão de 20% a 30% do total da produção. Ao que diz, se as lavouras, na totalidade, usarem milho Bt, a economia com inseticidas vai oscilar entre US$ 500/600 milhões, lembrando, ainda, que há possibilidade de os genes serem clonados.
No campo da experiência, Valicente conta que a Ciba, em 1995, introduziu um gene sintético no molho. Na mesma linha, a Monsanto usou 12 linhagens transformadas. Oito delas causaram menos dano nas espigas, O milho transgênico, nos Estados Unidos, está sendo avaliado em campo. Mas testes com oito híbridos simples (Northup King), mostraram menos perdas na área foliar, sobrevivência e desenvolvimento de insetos.
O pesquisador da Embrapa garante que o uso de transgênicos resistentes a insetos reduz, acentuadamente, a utilização de químicos durante o ciclo de cultura, no campo. Houve testes no Brasil e ficou constatada uma redução na densidade populacional da S. fungiperda. Para ele, o trabalho dos cientistas brasileiros na área de biotecnologia moderna, está exigindo, com urgência, uma regulamentação. Essa ausência tem impedido testes com transgênicos. Esta moratória branca provocará atrasos nas pesquisas e uma eventual liberação dos organismos geneticamente modificados. Entende que deveria haver facilidades para experimentos sobretudo, para instituições públicas, enfatizando que os debates sobre o tema são ideológicos.
Na mesma linha, mas com enfoque mais teórico sobre o tema, o pesquisador Maurício Antonio Lopes, da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, disse que a engenharia genética é estratégia para modificação de organismos vivos, uma vez que permite a transferência de genes entre espécies. Antes da engenharia genética, havia um limite á transferência de genes, que ocorria apenas pela via sexual e somente organismos sexualmente compatíveis podiam intercambiar caracteres.
Com as tecnologias desenvolvidas no âmbito da biotecnologia moderna é possível alterar, com rapidez e precisão, características como tolerância á seca, qualidade nutricional, resistência a insetos, entre outras, que seria impossível com técnicas convencionais do melhoramento genético.
Uma significativa parte dos esforços da biotecnologia se concentra no milho, que é uma das espécies cultivadas da maior importância econômica, sendo utilizado para produção de rações animais e alimentação humana sob várias formas, in natura ou industrializado. Ademais, acrescenta, o milho tem sido um dos principais modelos para estudos nos mais diversos ramos da Biologia, Citologia e a Genética Quantitativa, além da Genômica Estrutura e Funcional.
A integração das tecnologias convencionais, como o melhoramento genético, com as novas estratégias da biotecnologia moderna promete revolucionar o desenvolvimento de cultivares de milho em futuro próximo, viabilizando a incorporação de características que ampliarão a utilidade desta espécie muito além dos limites hoje conhecidos.
Lopes indica esforços de inovação humano que deverão, cada vez mais referenciar os grandes desafios do setor agro alimentar para o futuro, dentre os quais se destaca a produção de novos tipos de alimentos que promovam a segurança alimentar, a saúde e a prevenção de doenças; que sejam adequados ás mudanças demográficas população cada vez mais idosa); que permitam aumento da performance em várias funções física, intelectual, etc.); que aliem conveniência com alta qualidade; que possam ser disponibilizados com rapidez na forma própria para consumo (ready to eat); que tenham longa vida de prateleira com alta qualidade; que produzam um mínimo de resíduos; que permitam fabricação a baixo custo, com alta produtividade e qualidade.
Ao que diz, a gama de avanço permitida pelo uso da biotecnologia moderna é enorme, inclusive para o desenvolvimento de alimentos mais adequados a organismos predispostos a doenças ou até mesmo para controle/modulação de processos metabólicos no organismo humano. No entanto, apesar disso, sua utilização no Brasil ainda está rodeada de incertezas. O tema é bastante complexo pelo seu caráter interdisciplinar e multi setorial, o que faz com que sempre surjam argumentos consistentes a favor e também contra o uso dessa tecnologia.
A verdade, assinala, é que este vertente de inovação é complexa, devido aos vários aspectos relacionados á segurança, a mercados, ética, dentre outros, diferentes pontos de vista expressos de forma emocional e ideológica, vêm conturbando o debate público sobre as novidades. O pior – frisa – é que o crescimento da discussão não científica tem levado a argumentos inconsequentes e sensacionalistas, substituindo o debate racional e informando sobre o uso desta tecnologia para o desenvolvimento da nossa agropecuária.
Lopes aponta a necessidade de considerar que o agronegócio brasileiro se definirá, cada vez mais, pela nossa capacidade de incorporar, de modo contínuo e sustentado, técnicas de última geração que permitam atender ás crescentes demandas do mercado interno, desafiar os subsídios do competidores e a tendência histórica de preços decrescentes no mercado internacional de produto agrícolas. A tecnologia de ponta, entende, vai permitir desenvolver processos e produtos mais seguros, contribuindo para aumento da sustentabilidade social, econômica e ambiental.
No arremate, uma advertência, O Brasil não pode prescindir de absorver, com segurança, as novas descobertas na vertente biotecnológica. Fechar as portas á Biologia Moderna seria repetir os erros que cometemos no passado, com os fármacos e com a informática, em que o isolamento imposto ao País gerou atraso e dependência.
Na área de produção, as perspectivas são de que, até 2010, o Brasil esteja colhendo uma safra de milho de 52 milhões de toneladas. Essa projeção é do agrônomo José dos Anjos da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Para ele, esse volume será alcançando desde que a lavoura consiga implementar e manter um crescimento de 4% ao ano.
Para obter uma colheita desse naipe. José Maria acredita que não haverá muita dificuldade. Isso porque o milho, normalmente, é utilizado na rotação com a soja. Como a sojicultura utiliza, mais intensamente, tecnologia moderna, o mesmo aparato poderá ser aplicado ao milho. Em outras palavras, a soja vai acabar impulsionando o milho.
Numa retrospectiva, José Maria lembra que a área de plantio do milho, na primeira safra, tem mostrando queda, chegando, em 2003, a 9,2 milhões de hectares. Porém, esse recuo é compensado por um crescimento na semeadura da segunda safra que, neste ano, extensões totalizarão, no próximo ano, 12,7 milhões/ha, um pouco mais, um pouco menos. Mas, de qualquer forma, bem abaixo dos 13,2 milhões de hectares registrados em 2002, aproximadamente 3% de queda.
Porém, acrescenta, isso não tem influenciado negativamente a produção que, ano passado, bateu em 42 milhões de toneladas. As estimativas para 2004, giram entre 44 e 47 milhões de toneladas, graças á obtenção de ganhos excepcionais na produtividade. Segundo ele, a média de produção alcançada no Centro-Sul foi 4,6 mil Kg/ha, sendo que apenas Mato Grosso do Sul bateu em 5,7 mil Kg/ha. No Paraná, esse rendimento por hectare atinge 5,6 mil quilos. Essa melhora na produtividade, observa, garante maior e melhor competitividade nos preços, permitindo ganhar novos espaços no mercado internacional. As expectativas são de que, neste ano, as exportações fechem em 4,5 milhões/t.
Entretanto, José Maria aponta a existência de gargalos na movimentação da safra. Chama a atenção para a necessidade de investir em infra-estrutura para o escoamento da produção do Centro-Oeste para o Sudeste, Nordeste e mercado internacional. Ao que diz, a demanda interna está estimada em 39,5 milhões de toneladas, um consumo que é alavancado pela grande procura por carnes )boi, frango e suínos). Além disso, está prevista uma ampliação nas exportações de frangos, fatos que, no geral pedem uma mobilização mais ágil da produção, assinala.
Na área de armazenagem, Flávio Antonio Lazzari fez extensa exposição apontando flancos desguarnecidos que compromete e até bloqueiam um funcionamento mais eficiente do segmento. Afirma, ainda, que a presença de sementes, grãos danificados por fungos, descoloridos, carunchados, partidos, trincados, além de produtos e procedimentos usados no controle, devem ser documentados.
Para ele, muitos problemas seriam evitados se houvesse melhor avaliação da qualidade do produto, da capacidade em preservar a identidade e rastrear, ao longo da cadeia produtiva, os lotes de milho para cada fim específico. Deixa claro, também, que esses cuidados podem ser observados para qualquer tipo de grão.
Alongando-se um pouco mais sobre a preservação da identidade, diz que isso pode ser alcançado com a manutenção de cargas ou lotes de grãos com características homogêneas, segregados desde o plantio, até o empacotamento. Isso interessa á indústria de processamento e consumidores e o produto tem condições de ser diferenciado – identificado – através de protocolos, registros e inspeções periódicas.
Observa, ainda, que o mercado de grãos e semente está especializando, pois o consumidor final exige melhor qualidade física, sanitária e nutricional. Cada processador, avalia, tem um tipo de grão ideal e o busca com o máximo de perfeição. O mercado, porém, não paga por essa qualidade identidade é preservada ao longo do processo.
Lazzari adverte e reitera sobre a necessidade de ampliar o controle os processos para preservar a identidade e rastrear a qualidade física, sanitária, fisiológica e nutricional de grãos e subprodutos, no país. Ao que diz, os padrões atuais não refletem a realidade do mercado e as alterações feitas são incompletas e dúbias e caracterizados, não atende exigências da indústria, seja para alimentação humana ou animal. Há tecnologia disponível para solucionar parte do problema da armazenagem no Brasil. Mas é preciso conscientizar e treinar todos os envolvidos no processo, conclui.