Quem nunca tomou um chazinho para tirar o mal estar, ou usou alguma erva para dar sabor ou conservar um alimento? As plantas medicinais e aromáticas são velhas conhecidas da população e usadas no dia a dia para as mais diversas finalidades. A ciência agropecuária tem se dedicado a estudar mentas, capim limão, citronela, funcho, pimenta rosa e muitas outras para identificar quais delas podem ser usadas na produção agrícola, na pecuária e na indústria de alimentos, farmacêutica e cosmética.
A Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, por meio da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA), desenvolve pesquisas na área. Os trabalhos visam identificar ou desenvolver novos processos e produtos produzidos a partir de óleos essenciais de plantas aromáticas para serem usados no combate a pragas e doenças no campo, para eliminar os carrapatos em bovinos e para serem usados na indústria, aromaterapia e alta gastronomia. Conheça alguns desses projetos.
Produção animal: óleos essenciais para controle de carrapato e substituto aos antibióticos
O Instituto de Zootecnia (IZ-APTA) tem atuado com pesquisas de óleos essenciais na produção animal para controle de carrapato e também como bactericida, substituindo os antibióticos e atuando contra ecto e endoparasitas. A grande perspectiva dos estudos está na expansão do uso de óleos essenciais em diferentes ramos da pesquisa com animais.
Os óleos essenciais são compostos derivados de plantas aromáticas, são voláteis, extraídos por processos físicos ou químicos e têm elevado valor de mercado, principalmente, para a indústria de fragrâncias, cosméticos e farmacêutica. Atualmente a indústria de alimentação e de produção animal tem demonstrado grande interesse pelos óleos.
Segundo a pesquisadora Luciana Morita Katiki, diretora do Centro de Pesquisa de Genética e Reprodução Animal do IZ, os óleos essenciais têm sido explorados na área de produção animal devido a sua atividade bactericida, pois é capaz de controlar bactérias patogênicas e também pode atuar como substitutos de antibióticos em alimentos para animais.
“Atualmente há legislação em países do exterior, que não mais permitem o uso de antibióticos na ração animal, com isso os óleos essenciais têm demonstrado excelentes resultados como substitutos”, afirma Katiki.
Os óleos essenciais também podem ter ação parasiticida, pois, segundo a pesquisadora, apresentam excelentes efeitos contra ectoparasitas e endoparasitas, que são agentes patológicos altamente resistentes aos medicamentos comerciais.
Pesquisadores do IZ desenvolveram estudos para avaliação de óleos essenciais no controle de helmintos de ruminantes, o projeto financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), resultou em uma formulação composta por óleos essenciais microencapsulados. “A técnica permitiu diminuir a volatilização dos óleos e facilitou a dosificação do produto ao misturar no alimento dos animais, que apresentaram expressiva redução do número de ovos de parasita nas fezes”, ressalta Katiki.
Os óleos essenciais também foram intensamente pesquisados no Instituto com a finalidade de controlar o carrapato do boi, formulações alternativas de origem natural, devido à resistência dos parasitas aos produtos químicos. O projeto financiado pela empresa HYG System, juntamente com o Núcleo de Inovação Tecnológica (NIT-IZ), resultou no desenvolvimento de um produto capaz de controlar carrapatos sem efeitos tóxicos – constatados em exames bioquímicos –, demonstrando sua seguridade na sua utilização de produtos em bovinos. “O diferencial do produto é a não utilização de composto sintético em sua formulação com ação rápida sobre os carrapatos”, afirma a pesquisadora do IZ, Cecília José Veríssimo.
“Os produtos a base de óleos essenciais têm como benefício o controle parasitário de forma mais sustentável, minimizando o impacto de xenobióticos e antibióticos, diminuindo a quantidade de resíduos na carne e no leite, além de menor contaminação no meio ambiente”, explicou Katiki.
Recentemente, o Instituto iniciou o desenvolvimento de pesquisa para determinar o potencial de óleos essências no poder germinativo de sementes de milho, soja, calopogônio e braquiária.
De acordo com o pesquisador do IZ, Waldssimiler Teixeira de Mattos, os óleos essenciais podem ser utilizados como promotores da germinação em gramíneas e leguminosas e a aplicação externa pode influenciar uma série de processos nas plantas, incluindo a germinação das sementes e o crescimento das plantas. “Esse estudo é um grande avanço para a conservação de sementes sem o uso de produtos químicos, beneficiando qualquer tipo de produção – da convencional à orgânica”, destaca.
O Polo Regional de Pindamonhangaba da APTA também desenvolve pesquisas relacionadas ao uso de óleos essenciais em gado de leite para combater carrapatos. O objetivo é selecionar óleos essenciais com potencial carrapaticidas e pesquisar novas formulações para auxiliar os produtores, principalmente, do Vale do Paraíba, uma das principais bacias leiteiras do Estado de São Paulo e que é conhecida como “cemitério dos carrapaticidas”.
De acordo com José Roberto Pereira, pesquisador da APTA, a região é chamada dessa forma pelos produtores de leite por conta da ineficácia da maioria dos produtos químicos utilizados para combater os carrapatos. Pereira explica que o uso indiscriminado, do produto químico de forma exaustiva acaba selecionando os parasitas resistentes, o que faz a eficácia do carrapaticida ruir rapidamente. “O desenvolvimento de resistência ao óleo essencial seria dificultado, porque ele não contém um simples principio ativo, responsável por uma grande pressão de seleção, mas um ‘coquetel’ de vários ingredientes ativos”, explica o pesquisador.
Os pesquisadores deste Polo da APTA em Pindamonhangaba já selecionaram dois produtos a base de óleos essenciais que se mostraram promissores para combater os carrapatos em bovinos de leite. Em testes em laboratórios, foi possível chegar a 100% de eficácia. As pesquisas atualmente se encontram na fase de testes em campo e buscam adequar as formulações para garantir os resultados positivos.
Óleos essenciais para aumentar a produção e qualidade do leite
O Centro de Pesquisa de Bovinos de Leite do IZ também realizou estudos com fitoterápicos na dieta de vacas em lactação para aumentar a produção e qualidade do leite.
Segundo o pesquisador do Instituto, Luiz Carlos Roma Júnior, o uso de aditivos fitoterápicos era utilizado principalmente como promotores de crescimento e para melhorar a fermentação ruminal. Nesta pesquisa, foi possível avaliar a utilização de óleo essencial de plantas medicinais, adicionados a dietas das vacas, para o controle da mastite, sem uso de antibióticos.
Na pesquisa foi estudada a dose ideal para não influenciar os parâmetros ruminais e os efeitos sobre a produção de leite, além do consumo de matéria seca, parâmetros de qualidade e imunologia das vacas, além do tempo do leite na prateleira. “Ocorreram melhoras do sistema imunológico e o tempo de prateleira aumentou expressivamente, passando de sete para nove dias”, explica Roma.
“Pensando na segurança alimentar, sem uso de antibióticos, não existirá o resíduo no leite, dispensando o descarte do produto, diminuindo o prejuízo para o produtor, além de preservar o meio ambiente com menor geração de resíduos e descartes. Há ainda uma questão pública mundial, com o uso dos óleos pode ser possível diminuir a resistência bacteriana – um dos estudos atuais presente no Instituto”, ressalta o pesquisador.
Segundo Roma, a grande relevância está em um produto seguro, aplicável e sustentável, que não deixa resíduos no leite e pode ser utilizado em propriedades com produção de leite orgânico.
Hidrolatos: o “subproduto” que agrega valor a produção
Os óleos essenciais são líquidos altamente concentrados extraídos de plantas aromáticas. O processo de extração desses óleos é normalmente realizado através da destilação por arraste a vapor, em que o vapor extrai os óleos essenciais da planta e depois é condensado. Após o processo de condensação e separação do óleo essencial, sobra a água condensada, cheia de componentes hidrossolúveis, chamada de hidrolato, hidrossol, água floral ou água aromática. Até pouco tempo atrás, esse hidrolato era considerado um resíduo do processo de extração no Brasil. Hoje, ele é visto como um produto de alto valor agregado.
“O hidrolato é bastante conhecido no exterior, utilizado milenarmente na medicina tradicional persa e na culinária árabe, por exemplo. Países da Europa o utilizam bastante na produção de perfumes, cosméticos, como águas aromáticas e na gastronomia em geral. Ele também pode ser usado na conservação de alimentos, aumentando o tempo de prateleira dos produtos e até mesmo na produção de bebidas. No Brasil, seu uso ainda é incipiente, sendo utilizado na indústria de perfumes e cosmética. Existem poucos estudos de seu potencial como insumo agropecuário para controle de pragas e doenças e na gastronomia”, conta Sandra Maria Pereira da Silva, pesquisadora da APTA que atua no Polo Regional de Pindamonhangaba.
A APTA tem se dedicado a estudar esses hidrolatos, seu processo de produção e seus usos. Os trabalhos envolvem testes de hidrolatos obtidos a partir da extração de óleos essenciais do capim limão, capim tailandês, citronela, gerânio, cidreira brasileira, funcho, mentas, alecrim e alecrim pimenta, entre outras espécies.
“Os trabalhos buscam promover a cadeia produtiva, melhorar o processo de extração, para conseguirmos um produto de alta qualidade e com menos uso de água, identificar oportunidades de usos desse produto na produção de alimentos, indústria agropecuária e gastronomia, além de transferir tecnologias e conhecimentos aos produtores rurais e interessados na atividade”, explica a pesquisadora da APTA, que desenvolve os projetos em conjunto com o Laboratório de Fitoquímica do Instituto Agronômico (IAC-APTA).