O recente surto de febre aftosa ocorrido na Europa, mais precisamente no Reino Unido, criou um estado de alerta no mundo todo. Isso porque, em apenas 4 meses, a Inglaterra registrou o surgimento de 1.500 focos da doença e, para combatê-la, gastou entre US$ 30 bilhões e US$ 60 bilhões, numa tentativa de erradica-la de todo território. A partir das terras européias o vírus espalhou-se pelo planeta dando origem a uma “pandemia”, afetando inclusive o Brasil.
O quadro atingiu um grau razoável de gravidade, gerando uma apreensão no comércio internacional de carnes, fato que provocou saída de técnicos da FAO- Organização para Alimentação e Agricultura, das Nações Unidas, a campo, a fim de traçar os reais contornos da enfermidade. Um deles, Peter Roeder, do setor de sanidade animal, esteve Ásia Meridional e constatou a existência de uma “epidemia oculta”, na região. Verificou, ainda, que a moléstia incide de forma endêmica e alguns países, “principalmente nos subdesenvolvidos.”
Após o levantamento, Roeder chegou á conclusão que é “muito difícil” conhecer o alcance da aftosa no mundo. Porém, afirma que adiante da impossibilidade de haver um controle realista, com os recursos disponíveis, vários países preferem não quantificar a amplitude do problema e “simplesmente o encaram, tentando encontrar uma solução”. Segundo ele, para muitas nações, “o que aconteceu no Reino Unido não seria motivo de alarme, exceto para os produtores prejudicados.”
Os efeitos imediatos da aftosa, acrescenta, são a redução da produção de carne e leite. Num pequeno rebanho, como o citado por ele, de apenas 8 animais, “essa diminuição pode superar os 70% em apenas dois dias.” Esse desempenho da doença, acrescenta, foi visto em Bangladesh, na Índia, junto a um pequeno agricultor que teve quatro abortos, entre as vacas, e dos quatro bezerros que nasceram, três morreram. “ O irônico – frisa- é que o virus possivelmente seja da variedade “panasiática” do tipo O, o mesmo que atacou o rebanho inglês”.
Doença impede acesso ao mercado mundial de carne
Ainda com relação á Ásia Merional, Roeder diz que, devido aos surtos, surge outro problema com a perda de animais para tração. Muitos agricultores utilizam búfalos para preparar os arrozais. Sem as reses, podem perder até a metade da produção. “Faz alguns anos, calculei, no Camboja, o custo de um foco de aftosa para uma família de agricultores em aproximadamente US$ 60,00, um volume bem acima de sua renda anual disponível.”
Abordando aspectos da comercialização internacional, Roeder observa que a doença, nessa área, causa “grandes conseqüências econômicas.” Os países desenvolvidos se esforçam para evitá-la, porque provoca uma diminuição na produção de leite e no crescimento dos suínos, além do gado bovino, com prejuízos enormes na receita ou faturamento. Por isso, investem somas fabulosas para erradicar a febre. Além disso, para assegurar a sanidade de sua população animal, os ricos estabelecem barreiras comerciais tanto ao gado como a produtos derivados, como medida adicional de segurança contra a importação do vírus. O resultado é que muitos países pobres, em condições de exportar carne, não conseguem ingressar no mercado mundial.
Outra face apontada pelo técnico da FAO está relacionada com a movimentação dos animais. Ao que diz essa mobilidade do gado e as tendências comerciais, “constituem o risco cada vez maior de propagar o contágio.” Num exemplo, cita que parte do rebanho da Ásia Meridional pode passar, por rodovia, pelo Paquistão e Afeganistão para chegar ao Írã e, daí, ser encaminhado para Turquia e o Iraque. No trajeto, os rebanhos, com os quais esses animais em trânsito tiveram algum tipo de contato, poderão ingressar, “ilegalmente”, no comércio comunitário da União Européia. Nessa caso, sugere que os países industrializados, numa medida de proteção, adotem numa medida de proteção, adotem (como ocorre) medidas para reduzir o risco de epidemias de aftosa e outras enfermidades, em seu território e, ainda, cuidar para que existam controles amplos e eficazes sobre as doenças. Além disso, afirma que ajudar os países subdesenvolvidos a resolver o problema “é um interesse próprio e não pode ser visto como ajuda. Isso porque, existe um mercado mundial e o chamado primeiro mundo tem que ocupar das regiões onde existam essas moléstias.”
Não existe, no planeta, um país sem aftosa
Com referência á localização dos focos, Roeder lembra que a América Latina “esteve a ponto de erradicar o mal, mas houve uma reversão nessa expectativa, levando Brasil e Argentina, além do Uruguai, ao combate dos surtos que surgiram. Em grande parte da África e Ásia, os virus, já que existem diversas variedades e com muitas diferenças entre eles, estão em constante movimento entre a população animal. A aftosa está sempre presente em algum país do Sudeste asiático e se agrava com as cheias do rio Mekong, que obrigam as pessoas a buscarem refúgio em áreas mais muitas altas e, nelas, reunir o gado, o que incrementa o contágio. No retorno a suas aldeias, surgem novas epidemias.”
Porém, conforme Roeder, nem tudo é desfavorável. Embora afirme que “não existe um país, no mundo, que esteja isento da aftosa, pode-se afirmar que alguns obtiveram êxito e exercem um excelente controle sobre a doença. “Provavelmente, acrescenta, os dois principais casos de sucesso sejam Austrália e Nova Zelândia, que nunca registraram uma ocorrência de aftosa. Além desses, há os Estados Unidos, onde a infecção “não acontece desde 1928. Na Europa, fazia alguns anos que não havia incidência da enfermidade, exceto por surtos pequenos ocorridos na Grécia e Itália. Mas problema do Reino Unido “Ilustra a vulnerabilidade dos países industrializados. Não há lugar livre do perigo e o risco contágio só aumenta”, arremata.
Roeder lembra que, em função das ocorrências na Inglaterra, houve uma acalorada discussão sobre as vantagens de vacinar ou não o rebanho contra a aftosa. Sob essa ótica, comenta que “depende da situação”, pois a vacina, sem dúvida, é uma boa medida de luta contra a moléstia. Mas, vários estudos demonstram que a eliminação do foco isolado, “com o sacrifício dos animais infectados ou expostos pode ser o melhor procedimento. Isso porque extingue o vírus e isto permite obter um pronto reconhecimento de aftosa erradicada, possibilitando a reativação das transações com o gado”.
A vacina profilática para evitar o contágio, acrescenta, é um processo muito caro e “é preciso assegurar que o vírus contidos no remédio sejam idênticos aos das variedades que causam a doença. Porém, com adivinhar isto, com os produtos pecuários circulando pelo mundo todo?”, indaga mais dúvidas sobre o tema, ao afirmar que, um produto, hipoteticamente infectado, chega da china a algum país europeu, é reformado, industrializado e passa compor parte de outra mercadoria, vai dificultar o conhecimento sobre a família do vírus e qual vacina mais adequada para aplicar. “Não é fácil.”
O antídoto, segundo Roeder, foi, algum tempo atrás, considerado o meio mais fácil de eliminação da aftosa, já que era conhecida a variedade de vírus a ser combatido. “O problema, é que mesmo depois de vacinado, os animais pode ser infectados por diversas formas. O gado contaminado pode carregar a moléstia por pelo menos dois anos sem qualquer manifestação e, além disso, produzir , talvez, novos surtos.” No mais, a vacinação é um dispêndio muito grande. Não há dúvidas de que no Sudeste asiático, seria possível erradicar através da aplicação em massa do remédio. Porém, o rebanho da região está estimado em 110 milhões de búfalos e bovinos e, suína, “a qualidade dobra. Dessa forma, não é muito realista pensar numa estratégia exclusiva de vacinação”, finaliza.
Vaca louca: outra ameaça
Não faz muito tempo, o Brasil foi denunciado, pelo Canadá, de camuflar a existência da EEB – Encefalopatia Esponongiforme Bovina, mais popularmente conhecida como “mal da vaca loca”, Superados os bate bocas oficiais, com trocas de farpas diplomáticas por ambos os lados, o governo brasileiro conseguiu desmentir a acusação e, de quebra, provar que, por trás dela, havia uma briga comercial relacionada a espaços do mercado internacional de aeronaves conquistados pela Embraer.
Embora o assunto, em termos de América Latina, tenha se esgotado aí, a FAO-Organização para Alimentação e Agricultura, das Nações Unidas, não dá o caso por encerrado e adverte para que todos os países do mundo fiquem alertas para o “perigo que representa a doença” e, aqueles que se sintam mais ameaçados, devem adotar medidas para proteger inclusive a população. Essa advertência está no contexto da segurança alimentar, que considera a inocuidade dos alimentos como direito fundamental do ser humano a uma comida sadia e nutritiva.
O setor de sanidade animal da FAO, devido á grande preocupação existente sobre o tema, recomenda uma série de precauções no sentido de evitar sua incidência nos rebanhos. Sob essa ótica, afirma que, desde 1986/96 até os dias atuais, a Europa exportou farinhas animais (MBM) para mais de 100 países que, além de reexportarem esse produto, importaram reses vivas. Diante disso, afirma que “todas as nações que importaram gado e farinha originários da Europa, antes e depois dos anos 80, podem se considerar expostos ao perigo de moléstia.”
De acordo com o trabalho técnico da Fao, as regiões que importaram volume significativos de farinha animal, da Inglaterra, no período apontado, são o Oriente Médio. Leste Europa e Ásia. As áreas menos expostas estão na América menos expostas estão na América Latina, Austrália e Nova Zelândia, devido á existência de um modelo industrial diferenciado, abrangendo os sistema de produção da matéria prima e derivados, além da própria ração animal.
Na seqüência, afirma que o risco de um país pode ser medido pela quantidade e tipo de farinha importada, de onde e como foi utilizada, se em alimento para granjas de leite ou para a avicultura. Os métodos de evisceração das caraças e a reciclagem dos dejetos dos animais, também são apontados como importantes. Porém, adverte que a ameaça de um surto da moléstia depende, “acima de tudo”, dos sistemas nacionais de vigilância e controle.
As vísceras de alto risco devem ser eliminadas
Confirmando as conclusões de um estudo elaborado pelo Comitê Científico da Comissão Européia, a FAO, admite como “altamente improvável que o agente da EEB esteja presente” na Argentina, Austrália, Chile, Noruega, Nova Zelândia e Paraguai. Também reconhece como “pouco provável” que os rebanhos do Canadá e dos Estados Unidos “padeçam” do mal da vaca louca, frisando, porém, que estes países “não podem considerar-se livres considerar-se livres do risco”. Afirma, ainda, que, na Suíça, foi identificado um foco, “mas num nível muito baixo. “Sem explicar se os países ausentes dessa lista são suspeitos ou não de conviverem com vetor da enfermidade, a Fao lança uma advertência geram, a todos os países do mundo, para que adotem providências contra uma possível ameaça da EEB e “sua nova variante humana de Creutzfeld – Jakob (nvCJ)”, exigindo iniciativas para protegera população, além dos rebanhos e das indústrias de carne e rações. Para a entidade, essa medidas de precauções incluem a melhoria dos alimentos e do sistema de inocuidade das rações.
Sob esse cenário, a recomendação, para os países que importaram animais vivos e farinha de origem animal é no sentido de “proibir o fornecimento de compostos á base animal para vaca/bois, ovelhas e cabras. Para reduzir, ainda mais o perigo de infecção, essa nações deveriam levar em conta a proibição de alimentar todos os animais com farinha (MBM). Outro conselho indica adoção de medidas de vigilância ativa para detectar, controlar e erradicar a EEB. Uma sugestão importante relaciona-se com a eliminação das vísceras específicas de alto risco como medula, cérebro, olhos, amídalas e parte dos intestinos, da cadeia de alimentação humana e animal. “Esse material é responsável por mais de 95% do surtos infecciosos.”
Por último, mas igual importância, a FAO recomenda que “haja uma proibição definitiva de que os animais mortos e não adequados para alimentação de seres humanos sejam desviados para a fabricação de ração. além desses cuidados, deve haver um aperfeiçoamento na administração do risco e da comunicação, em matéria de alimentos inofensivos á saúde humana.
Leguminosas podem ser uma alternativa
Um conselho enfático e específico para os países subdesenvolvidos é no sentido de submeter a controles rígidos os animais e assegurar que sejam notificados casos de reses que mostrem sintomas semelhantes aos da doença. É necessário ter em consideração, acrescenta, a realização de exames e análises especiais para localização e constatação da enfermidade, em casos onde o grau de perigo seja elevado.
Quanto ao controle de ameaça, a entidade da ONU ressalta que deveria ter, como base, uma avaliação correta e minuciosa da ameaça. A comunidade Européia, assinala, fez um levantamento preliminar sobre a EEB em vários países, fato que não impede que isso ocorra por iniciativa própria, uma vez que as nações possuem informações vitais sobre o uso interno dos matérias de risco importados, além dos matérias de risco importados, além da elaboração e reciclagem dos resíduos bovinos.
Como alternativas á proibição do uso de ingrediente de origem animal na composição da ração, a Fao lembra que muitos países contam co sistemas sustentáveis de produção que se adaptam perfeitamente aos recursos locais. Isso porque a carne e os ossos integrantes da farinha animal (MBM), são apenas uma pequena parte das matérias primas utilizadas pela indústria de ração, cerca de 2%, na Europa, Segundo afirma, existem mais de 50 produtos de proteínas vegetais, como leguminosas, legumes e farinhas oleaginosas, que podem servir de alternativa na composição.
Para os consumidores, um alívio. A Fao afirma não ter motivos para acreditar que o leite não seja um alimento seguro. Os produtos bovinos de baixa qualidade (que podem conter carne eliminada mecanicamente), “são os mais perigosos”. Até agora, acrescenta, não há registro de casos espontâneos de EEB em outros ruminantes e tampouco há provas sobre o vetor da doença possa estar alojado nas carne suína e de aves. Ciente dos riscos, uma comissão mista do “Codex Alimentarius”, da Fao da OMS (organização Mundial da Saúde), está trabalhando na elaboração do “Código de Práticas para a Boa Alimentação Animal”, buscando assegurar que os produtos de origem animal ofereçam ameaças.
O código terá como referência a elaboração e o emprego de todas as formas de ração, separadamente daqueles que são consumidores pelos animais em regime de pastagens livre. O objetivo é estimular a adesão e boas práticas de fabricação durante a obtenção, manipulação. elaboração (muito reduzida) a distribuição da ração para rebanhos destinados ao consumo humano. Um alvo posterior é o fomento de uma alimentação saudável para os animais de granja. Em linhas gerais, o código destaca os meios para controlar o perigo com a adoção de procedimentos adequados de elaboração e manipulação dos ingredientes.
Brasileiros explicam
O Brasil pode ter dado um passo á frente na busca por uma solução ao mal da vaca louca. Um grupo de pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), num estudo sobre a evolução desse tipo de moléstia conseguiu, numa conclusão preliminar, explicar como seus causadores se multiplicam.
O trabalho foi publicado no “Journal of Biological Chemistry” e diz que são os príons, proteínas defeituosas que assumem uma estrutura diferentes e se acumulam no organismo, degenerados os tecidos nervosos. Essas versões modificadas são responsáveis pela ocorrência da vaca louca e por sua versão humana.