Negócios

Açúcar em momento de definição

O setor de produção açucareira do Brasil vive um impasse, no qual a dúvida maior consiste em continuar fornecendo ao mercado externo e, em conseqüência, perdendo receita, ou ampliar a oferta ao consumo interno, mantendo o faturamento num patamar que possibilite uma renda mais adequada ás grandes exigências empresariais da atividade.

A participação do açúcar na pauta brasileira de exportações passou de 2%, no início dos anos 90, para 4% no final do período. Com a duplicação do volume exportado foi possível mais que triplicar a receita, que pulou de US$ 600 milhões para US$ 1,9 bilhão, apesar da “queda vertigiosa” dos preços recebidos pelo produto no mercado internacional. Apenas no período 1995/1999, as cotações mostram um recuo acumulado de 49%, caindo de uma média de US$ 307,90/tonelada FOB (Free on board), pagos em 95, para cravar, em 99, na casa dos US$ 157, 50/t.

O crescimento do faturamento só foi possível devido a uma elevação substancial da quantidade exportada. A constatação é do economista e pesquisador científico do IEA – Instituto de Economia Agrícola, da A secretaria de Agricultura paulista, Alceu Veiga Filho, ao assinalar que, em 1991, o Brasil colocava no comércio exterior 1,3 milhão de toneladas, “cerca de 4% do total exportado no mundo”. Porém, no último ano da década, esse volume bateu em 12,1 milhões de toneladas, mostrando um incremento expressivo que levou o País a ocupar quase um terço do total do produto comercializado no planeta.

Cotações internas sobem e puxam as internacionais

O economista lembra que, na temporada passada, os preços internos se comportam, “persistentes”, acima dos praticados no mercado internacional. Isso porque as previsões de eventuais perdas na safra 2000/01 provocaram uma reação nas cotações e ainda refletiram uma ligeira recuperação nos valores pagos no exterior. Esse fato, acrescenta, criou um dilema para o setor produtivo: ampliar a ofertas do produto internamente, garantido o suprimento doméstico e a rentabilidade empresarial, no curto prazo; ou manter a elevada participação no mercado externo, visando a uma estratégia de expansão, no longo prazo.

Evidente, acrescenta, essa dúvida permite um arco amplo de escolhas entre os extremos. O que deve ser ressaltado é que a opção para a meta de 5,5 milhões de toneladas pode significar “ simplesmente, uma exploração menos eficiente dos possíveis caminhos que se apresentam. Existe o risco de deixar para trás a árdua conquista de espaços expressivos do mercado externo, ocupados durante a última década.”

Veiga Filho faz um retrospecto das vendas externas de açúcar, com base no período de 1992 a 1998, utilizando dados que permitem simular que a exportação do produto nacional pode chegar a 9,7 milhões de toneladas, em 2000. Levantamento feito pela Conab – Cia. Nacional de Abastecimento, aponta que, entre janeiro e agosto últimos, foram exportados 3,63 milhões/t de açúcar cristal bruto e refinado, gerando uma receita de US$ 617,9 milhões. Dando seqüência ao raciocínio, o técnico do IEA desconsidera o nível da venda ao exterior, ano passado, já que a Rússia importou 4,2 milhões de toneladas , bem acima dos volumes usuais que aquele país compra. Com uma variação para menor em 2,1 milhões/t desvio padrão da série), pode-se esperar uma exportação mínima de 7,6 milhões/t, “a redução seria de quase 30% no potencial brasileiro de participação no mercado internacional.”

Manter nichos externos, apesar da quebra, a dúvida

Lembrando que a previsão da safra industrial brasileiro de 200/01 é de uma produção em torno de 14,5 milhões/t contra 19,5 milhões de temporadas anterior, o que representa uma queda de 26%, ele diz que esse volume permitiria, conforme cálculos divulgados pela imprensa, uma exportação de 5,5 milhões toneladas. Essa redução, mantido o volume de 33 milhões/t, esperando com a movimentação do produto, no mundo, o Brasil ficaria com um market share em torno de 17%, bem inferior ao alcançado em 99/00, embora mais próximo da participação histórica verificada. “Caso isso aconteça, haverá uma queda de 55% em relação ao total exportado em 99 e um recuo de 35% em comparação a 98, quando foram exortados 8,4 milhões/t.

Veiga Filho aponta alguns motivos que possibilitam ao Brasil ampliar suas participação no comércio mundial de açúcar. Entre os vários, cita como principais o fim do acordo bilateral entre Cuba e URSS ( a antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas e atual Rússia). O término desse acerto, segundo ele, pode ser considerado como a principal alavanca, pois o produto brasileiro substituiu o cubano nas transações com os antigos países de URSS. Em âmbito interno, a maior razão foi a presença crescente das exportações originadas no Estado de São Paulo, cujos custos de produção são mais competitivos, em comparação a outras regiões produtoras do País. Ao que diz, a competitividade paulista é decorrência do processo de desregulamentação representando pelo fim do intervencionismo do governo federal sobre a economia canavieira.

Em São Paulo, acrescenta, o custo médio da tonelada de cana produzida é de US$ 190,00 e pode cair para US$ 170,00, em alguns casos, bem abaixo dos valores gastos por outros países exportadores, que variam entre US$ 229,00 e US$ 288,00/t. Se houver comparações com o custo de produção da beterraba, que variam de US$ 311,00 a US$ 430,00/t, será possível constatar que o custo da produção paulista é imbatível.

Os principais mercados para o açúcar brasileiro estão na África, Ásia e antiga União Soviética que absorvem, entre 96 e 99, “mais de 80% das vendas do Brasil ao exterior. Veiga Filho ressalta a importância das aquisições do Norte da Àfrica, onde os principais importadores são o Egito, a Líbia e o Marrocos, seguidos dos demais países do Oriente Médio, com destaque para a Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e o Irã, todos produtores de petróleo. Por fim, tem a região da antiga URSS com absoluta liderança da Rússia que, individualmente, é o maior comprador do açúcar brasileiro em 97, importou 1,4 milhão/t, em 98, 1,7 milhão e, em 99, 4,2 milhões/t).

Custo de produção, sobretudo paulista, é competitivo

Numa análise sobre o desempenho, no âmbito da economia brasileira, o pesquisador do IEA lembra que o setor sucroalcooleiro tem enfrentado perdas de rentabilidade, o que ajudou a elevar o nível de endividamento financeiro. A atual melhora nos preços internos do álcool e do açúcar tem contribuído para reduzir a dívida e aumentar a lucratividade, no curto prazo. Além disso, a expectativa de redução na produção da cana, do açúcar e do álcool, na próxima safra, faz o mercado interno assumir grande importância, superpondo-se ao externo. A produção de cana está prevista em 280 milhões/t, contra 304,3 milhões, do ano anterior; a de açúcar, em 14,5 milhões/t, contra 19,5 milhões, de 99/00; e da redução, no Centro-Sul, do álcool total para 10,3 bilhões de litros, contra 11,6 bilhões obtidos na temporada passada.

Se essa menor produção significar recuos relevantes na atual participação brasileira no mercado internacional, Veiga Filho sugere uma “reflexão sobre a melhor estratégia a ser seguida, posto que os países compradores podem recompor suas importações tanto através do aumento da produção interna de açúcar – caso da Rússia -, quanto pela volta de outros exportadores. Criam-se, com isso, vantagens através da formação de acordos multilaterais regionais, difíceis de serem revertidos no futuro, uma vez que esses acertos tendem a se transformar na forma mais corrente de realização do comércio exterior.”

As vantagens competitivas do Brasil, acrescenta, podem também “ser anuladas” pela competição com os adoçantes, muito utilizado nos países asiáticos, cuja população “não tem tradição de saborear alimentos temperados com açúcar de sacarose. Outras formas de perdas estão associadas á utilização de barreiras não tarifárias, ambientais ou sociais.” Em linhas gerais, o conselho de Veiga Filho é no sentido de que governo e setor privado desenhem políticas e ações estratégicas que contemplem “medidas imediatas e mediatas”, como importações compensatórias de álcool e açúcar, incentivos financeiros legais para manutenção do mercado externo, esforço mais intenso de negociação em foruns internacionais, investimento em pesquisa e desenvolvimento tecnológico, para reduzir ainda mais os custos de produção de logística, além de apoio para táticas que visem um melhor aproveitamento da escala produtiva associada á diversificação e criação de novos produtos ou marcas para atingir novos nichos. “ O que não se deve deixar acontecer é que, não só o setor , mas também o País, fique na dependência das flutuações conjunturais dos mercados interno e externo, quando eles emitem, como agora, sinais conflitantes.”

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