A produção mundial de grãos deverá fechar o ano 2000 num nível abaixo das previsões, provocando uma “redução substancial nos estoques existentes.” A estimativa é da FAO – Organização para Agricultura e Alimentos, das Nações Unidas (ONU), divulgada em setembro último, na cidade de Roma. De acordo com essas previsões, a colheita de cereais vai fechar o ano com um volume próximo a 1,88 bilhão de toneladas, 15 milhões/t abaixo dos cálculos de junho passado e “apenas 0,3% acima da quantidade produzida no ano anterior.” O reflexo nos estoques de passagem, permite afirmar que os patamares “são os mais baixo dos quatro últimos anos, sobretudo em relação ao arroz.”
Os técnicos da entidade afirmam que esse “ajuste das cifras” mostra que serão colhidos 587 milhões de toneladas de trigo, quantia menor em 4 milhões/t, comparada ás estimativas iniciais, definindo, no entanto, uma diminuição “marginal” sobre o volume produzido em 1999. O levantamento também mostra uma queda na produção de “grãos” secundários” (feijão, milho, sorgo, entre outros), que deverá bater em 896 milhões de toneladas , 12 milhões a menos do previsto inicialmente, mas 1,6% acima da do ano passado. Esse ajuste para baixo é atribuído á seca persistente na China, que prejudicou as colheitas num nível bem mais elevado que o imaginado. Também os países do Leste Europeu, assolados pelo fenômeno, alteraram seus prognósticos de safras, contribuindo para essa redução no volume total da produção. No caso do arroz, fica mantida a estimativa sobre uma produção de 398 milhões de toneladas (polido), “1,5% abaixo do colheita anterior que foi recorde.”
Para os técnicos, os números obtidos nos estudos mostram que a colheita de cereais, no mundo, ficará 9 milhões de toneladas abaixo do consumo previsto para o período 2000/01. Além disso, permite prever uma redução nas reservas mundiais de grãos – estimadas em 320 milhões/t – “ a seu nível mais baixo dos quatros últimos anos”, fazendo com que a relação estoques-consumo “fique ligeiramente abaixo do nível mínimo considerado necessário, pela FAO, para garantir a segurança alimentar. “O levantamento da organização da ONU apresenta uma lista com 36 países que atravessam “graves problemas” no abastecimento de alimentos, relação que, segundo os técnicos, se mantém constante desde junho último.
Com relação aos preços do mercado internacional, a análise mostra que as cotações dos cereais, em âmbito mundial, “continuam frouxas, “Observa, ainda, que, apesar da redução registrada, os estoques existentes nos principais países exportadores devem ser suficientes para satisfazer um eventual aumento na demanda. Quanto á movimentação de mercadorias, as previsões são sentido de que, no período 2001/01, o comércio mundial de cereais cresça e atinja um volume de 232 milhões de toneladas, mostrando um aumento médio de 2 milhões/t, comparado aos registros do período anterior. A entidade também calcula que haverá uma diminuição nas transações com o trigo, tendo, como contrapartida, um aumento nas vendas de grãos secundários.
Num estudo anterior, a FAO divulgou (em mar/00), que a produção mundial de cereais, em 99, ficou em torno de 1,87 bilhão de toneladas, incluindo o arroz elaborado, volume que, embora um pouco abaixo do ano anterior, ficou da média dos últimos cinco anos. Não obstante, essa safra, conforme a entidade, seria suficiente, em 10 milhões de toneladas, para atender plenamente as exigências de consumo.
Numa abordagem sobre os preços internacionais, a entidade afirma que, ano passado, as cotações tiveram “queda acentuada e generalizada” atingindo seu nível “ mais baixo”dos últimos 20 anos. Em particular, os valores pagos pelo açúcar entraram “em colapso”. O contraponto, foi uma “contração” nas exportações de primários, com um recuo médio de “13% entre os principais produtos tendo, como reflexo, uma perda média de 15%, o equivalente a US$ 68 bilhões, na receita auferida pelo países pobres ou em desenvolvimento.”
Ainda em 99, mas com relação item que a FAO denomina “bebidas tropicais”, o café e o cacau mostraram preços declinantes, “por dois anos seguidos”, em conseqüência da baixa demanda por esses produtos. No café, acrescenta, houve um recuo “exacerbado” com a desvalorização de 40% do Real. “Os países exportadores de café e cacau, no ano passado, perderam US$ 4,3 bilhões em receitas”, assinala. A FAO também apontou uma diminuição das cotações dos cítricos, tanto in natura como industrializado (suco). Neste aspecto, afirma que, em 2000, só haverá recuperação, nas cotações, se houver um controle na oferta, pois demanda dos Estados Unidos caiu e este país é visto como um dos maiores consumidores.
O trabalho também aponta a existência de uma panorama desigual no plantio de grãos, no planeta. Nos Estados Unidos, por exemplo, houve redução na cultura do trigo, que poderia ser compensada por um aumento no Canadá e, ainda por um expansão da área de cultivo de inverno em terras da Comunidade Européia e de outros países do Leste Europeu. A existência de estoques remanescentes nos países exportadores e uma demanda apática, exercem pouca pressão sobre os preços. Com esse quadro, é possível que haja uma redução de até 4 milhões de toneladas na produção do próximo ano.
Na América do Sul, os grãos secundários apresentam boas perspectivas de produção, enquanto na África o quadro parece menos favorável devido ás inundações registradas no início de fevereiro passado. Mesmo assim, estão previstos 3% de crescimento. Quanto ás culturas de arroz na “franja equatorial” e no hemisfério Sul, a FAO previa uma redução na área plantada. Porém, devido á existência de boas colheitas e, em conseqüência, aumento da oferta, inclusive para exportação, pode haver uma tendência de queda nos preços e uma redução de até 4 milhões/t na produção mundial.
Quanto ás oleaginosas, a entidade constata que as cotações estão submetidas a uma pressão de baixa devido, basicamente, á maior oferta de óleo de palma. No caso do algodão, o recuo dos preços é decorrência do baixo valor pago ás fibras sintéticas, aliado a uma demanda franca e fartas colheitas. Já os baixos preços pagos por produtos cárneos, apesar de um aumento na demanda asiática, a FAO atribui á concessão de subsídios concedidos pelos países ricos aos programas de exportação. Não obstante, afirma que a forte procura pela carne refletiu um aumento de 5% no volume comercializado, com ligeiras altas sustentadas nos preços, contrapondo-se “fracamente” á tendência de queda. Toda essa análise sobre o mercado de commodities agrícolas, feitas pela FAO, serve como instrumento para medir o grau de fome existente no mundo, atualmente atingindo cerca de 800 milhões de pessoas. No Congresso Mundial de Alimentação, realizado em 1996, os participantes se comprometeram reduzir, até 2015, em 400 milhões, o número de habitantes que sofrem com a falta de alimentação no planeta. Esse compromisso foi reforçado, no início de setembro, durante reunião de governantes na sede da ONU, Nova York. Porém, a velocidade com que o programa está sendo implantado, beneficiando 8 milhões de pessoas/ano, permite prever que a meta dificilmente será alcançada.
Um documento da FAO, (O Estado de insegurança alimentar no mundo – 1999), mostra que o avanço existente não é uniforme. Os dados revelam que na primeira metade dos anos 90, apenas 37 países conseguiram reduzir 100 milhões de pessoas. No resto dos países em desenvolvimento, o volume da população faminta aumento em 60 milhões.
O estudo também coloca em relêvo que o problema da fome não afeta somente os países pobres. Citando dados preliminares de um levantamento feito em março/00, medindo a quantidade de pessoas afetadas pela subnutrição, a FAO aposta a existência de 26 milhões de famintos no Terceiro Mundo, número que cai para 8 milhões, no que se convencionou chamar de Primeiro Mundo.