Redução no número de fornecedores e aumento da produção diária de leite das propriedades. Em resumo, esses são as principais características atuais do mercado leiteiro no universo das 12 maiores empresas de laticínios do País. O balanço foi divulgado, em julho, pela Leite Brasil, a Associação Brasileira dos Produtores de Leite, informando a saída de 42.083 pecuarista da cartela de fornecedores para tais indústrias, passando de 175.450 para 133.367 produtores, entre 1997 e 1999. Além disso,, no mesmo período, o volume de leite/dia por propriedade subiu 22 litros, deixando um patamar de 87 para atingir 109 litros.
Para o presidente da entidade, Jorge Rubez, o custo/benefício é o fator mais forte na caracterização desse cenário. ‘Os gastos para a empresa fazer a coleta de pequenos volumes são maiores do que captar grandes produções. Além disso, a compra de resfriadores. individuais por pecuaristas de até 50 litros não compensa. É por isso que eles estão deixando de fornecer individualmente para os laticínios.”
A Nestlé continua líder em recepção de leite, com1.335.886 litros/ano, quase o dobro da Itambé, 797.000 litros/ano, e da Parmalat, 772.669 litros/ano – dados de 1999. Uma das mais abruptas mudanças pode ser verificada pelos dados sobre o Danone, que durante todo o ano passado, coletou 120.000 litros de leite. Lá ocorreu uma redução de 71,25% dos fornecedores, num total de 1.016 produtores, passando de 1.426 para 410. E mais: a média de produção/dia aumentou 481 litros de leite, saindo de 321 para 802 litros. Na opinião de Rubez, o aumento do volume diário por produtor tem duas vertentes: uma que os pecuaristas, cada vez mais, estão buscando quantidade; outra, que as empresas preferem captar leite de grandes produtores. “No caso Danone, acredito ocorreu pela conjugação desses dois aspectos. Não que os pecuaristas mais que dobraram o volume diário em dois anos, mas que a indústria incorporou propriedades maiores á sua cartela de fornecedores.”
De acordo com ele, isso não significa que os pequenos produtores estejam saindo da atividade, mas que estão migrando para o mercado informal, para pequenas queijarias ou se associando em grupos para formar volume e continuar entregando aos laticínios. “Seja qual for o destino que vêm tomando, uma coisa é certa: não estão deixando de tirar leite, porque essa produção agrega renda á sua propriedade. Definitivamente, não acredito na morte das pequenas propriedades de leite.”
Sobre os dados da Leite Líder e laticínios Morrinhos, que aumentaram o número de fornecedores de 5.880 para 8.650 e 4.300 para 6.677, respectivamente, Rubez comenta que talvez tenham absorvido os produtores não tecnificados que estão sendo desprezados pelas demais empresas. Até porque a produção diária por fornecedor dessas indústrias caiu de 66 para 61 litros (leite Líder) e de 67 para 63 (Laticínios Morrinhos). “Isso pode ser uma estratégia diferente, mas, na minha ótica, é um trabalho ruim, porque a captação desse leite não deve estar sendo feita de forma granelizada.”
Como aconteceu nos EUA e na Argentina
Por sua vez, o pesquisador licenciado da Embrapa/Gado de Leite, doutorando em Economia Aplicada na Esalq/USP, Paulo do Carmo Martins, comenta que todo esse movimento da pecuária leiteira já era esperado, uma vez que esse fenômeno foi sendo registrado com intensidade nos Estados Unidos, entre os 50 e 90, e também na Argentina, a partir do final dos anos 80. No Brasil, desde 1991, com a abertura da economia brasileira e o término do controle de preços do leite pelo governo, produtores e laticínios passaram a conviver com uma nova realidade. A busca pela eficiência por parte da indústria e dos produtores entrou para a atividade, no intuito de sobreviver frente a importação que começou a se estabelecer no País.
Dessa forma, Martins, que também é professor de Economia na Universidade Federal de Juiz de Fora (MG), diz que o principal motivo que está levando a redução do número de produtores é o ambiente competitivo instalado, que força uma busca contínua de profissionalização da atividade. “Isso é reflexo direto da mudança do ambiente institucional que o País vem passando nessa última década. que requer aumento da escala de produção na propriedade, bem como a busca de novos procedimentos adotados pela indústria, que vão desde a apoio para que produtores adotem novas tecnologias, a aquisição de laticínios regionais, chegando a montagem de novas plantas industriais com maior escala de processamento.”
Sobre o aumento da produção diária por fazenda, o pesquisador revela que há indícios da entrada de novos produtores com visão empresarial, que resolveram aplicar recursos que antes estavam no mercado financeiro e imobiliário. Nesse sentido, segundo ele, empresários em Minas Gerais viram no leite a oportunidade de equilibrarem o fluxo de receita quinzenais, enquanto que diversos setores industriais passaram por fortes ajustes e grande instabilidade na década de 90. “Esses novos produtores, somados áqueles que já estavam na atividade, perceberam que a equação da receita deve ser calculada na comparação preço/volume. Assim, como o preço do leite vem caindo nestes últimos nove anos para o produtor, somente é possível auferir receita satisfatória se a produção estiver elevada.”
Em outras palavras, os produtores foram atrás de novas tecnologias, com o objetivo de melhorar a qualidade do rebanho. Uma atitude que implantou a utilização da inseminação artificial, a correção de pastagens e o acompanhamento das questões sanitárias. Tudo, é claro, com o aprendizado do gerenciamento da atividade, fator essencial para o equilíbrio das contas da propriedade, uma vez que é preciso otimizar a eficiência dos gastos fixos.
Dessa forma. Martins ressalta que, para indústria, é fundamental captar leite de pecuaristas que estejam aumentando a produção, pois isto reduz o gasto final de cada litro captado. Assim, quando a empresa bonificada quem produz grande volume, está repassando ao produtor parte dos ganhos obtidos com a redução dos custos da captação.
Enfim, o melhor dos mundos para um laticinista é receber leite de qualidade, em grande quantidade e com regularidade de entrega e com regularidade de entrega ao longo do ano. “Esse é o produtor que a indústria deseja ó produtor que a indústria deseja e irá buscá-lo de todas as formas.
A propriedade que não se encaixa nesse modelo está se tornando cada vez menos interessante para as indústrias.”