Negócios

Crédito rural – cada dia mais distante do produtor!

Estimativas consideradas conservadoras indicam que o PIB – Produto Interno Bruto da agricultura é de US$ 81 bilhões que, convertidos para Real, pela média de R$ 1,75 por dólar, totalizam R$ 141,7 bilhões. Para atingir essa cifra, o governo tem uma linha de financiamento que disponibiliza menos de 10% do valor da produção, um pouco mais de R$ 13 bilhões ou, em dólar; US$ 8,6 bilhões. Essa verba foi anunciada para a safra passada e, ao que consta, os empréstimos para custeio atingiram um pouco mais da metade, ficando em R$ 7 bilhões. De qualquer forma, devido á escassez de recursos (cerca de 70% do orçamento estão comprometidos com o pagamento de juros da dívida pública), raramente o volume anunciado está disponível, impedindo, juntamente com outros obstáculos, sobretudo de origem bancária, que o produtor tenha fácil acesso ao dinheiro.

Diante desse dados, uma análise superficial permite concluir que a maioria dos agricultores, apesar dos vários problemas, se auto-financiam na atividade. Com a implantação do Plano Real, em julho de 1994, o setor agrícola, como um todo, bancou uma parte substancial da estabilidade da nova moeda introduzida no País, ao ponto de ser chamado, ao lado do dólar, de “âncora verde” das novas diretrizes fixadas para economia. Paralelamente, a queda acentuada dos preços das commodities no mercado internacional e a abertura econômica mal planejada e acelerada, comprometeram a renda da agricultura da agricultura, a agravando, por extensão, o da agricultura, agravando, por extensão, o quadro de endividamento dos produtores.

Apesar da quase crônica indisponibilidade de caixa, o governo atual tem mostrado algum empenho em buscar alternativas que amenizem a questão, como a securitização das dívidas e alterações na política de sustentação da renda agrícola, criando instrumentos como os contratos de opção e o PEP-Prêmio para Escoamento da Produção, como constatam Maura Maria Demétrio Santiago e Valquíria da Silva, ambas agrônomas e pesquisadoras do IEA-Instituto de Economia Agrícola, da Agricultura do Estado de São Paulo, ao Elaborarem um trabalho sobre “Apolítica de crédito rural brasileiro e o endividamento do setor agrícola: antecedentes e desdobramentos recentes.”

Com alterações, governo reduz participação

No estudo, elas são conclusivas em afirmar que as modificações introduzidas na política de renda agricultura têm, “como princípio orientador, a redução do custo para o governo, o que se confirma pela extinção das operações de Empréstimos do Governo Federal com Opção de Venda (EGF-COV) e a utilização da Aquisição do Governo Federal (AGF) apenas em casos especiais. Assinalam, ainda que diante das restrições de recursos para o programa, bem como sua abrangência a um pequeno grupo de produtores, o desempenho dessa política é insatisfatório frente ás necessidades do setor e exige uma atuação mais séria nesse sentido.

Falando sobre as circunstâncias que agravaram a dívida rural, as pesquisadoras lembram que, na época, o cenário era de alta competitividade, com o mercado determinando os preços pagos aos produtores, fato que, aliado á redução das alíquotas de importação, aumentou a concorrência internamente. Outro aspecto, assinalam, foram os prejuízos ocasionados ao setor exportador pela política cambial que sobrevalorizava o Real. Uma terceira situação, foi a necessidade de os produtores manterem estoques por mais tempo, pois a produção se concentra entre março e maio necessitando, portanto, de financiamento para aguardar o momento certo da colheita ser vendida. Isso influi e confere uma importância aos encargos existentes na composição dos custos, sobretudos diante de uma política fiscal de juros elevados para “atrair investimentos do capital externo.”

Santiago e Silva lembram que a própria equipe econômica admitia a existência de dificuldades e, entre elas, apontavam a queda (no final de 95), nos preços dos produtores agrícolas, causada pelo aumento da oferta, a despeito de um aumento significativo no consumo. Indicava, ainda, a formação de estoques exagerados nas mãos do governo, que provocavam uma instabilidade no mercado, principalmente pela retração dos compradores e, o mais grave, o “divórcio” entre os índices de correção das dívidas do setor, vinculados á caderneta de poupança, e os indicadores que corrigiam os preços mínimos nas datas em que foi implantado o plano econômico (sobretudo a partir do Plano Collor).

Clima de crise derruba o preços da terra

Neste contexto, afirmam que o endividamento, associado á inadimplência , além da queda de preços para o agricultor, tiveram reflexos negativos sobre o valor da terra. Isso porque o agricultor, numa tentativa de se capitalizar para saldar compromissos, aumentou a oferta de imóveis rurais e até mesmo de casas e terrenos. Além disso, acrescentam, o calote não se concentrou apenas no sistema financeiro, de máquinas e de insumos agrícolas.

Nesse aspecto, recordam que, na ocasião, a diretoria da Sociedade Rural Brasileira reclamava e reivindicava providências para o equacionamento débitos dos agricultores que deviam, em junho de 1995, US$ 200 milhões ao setor de defensivos, US$ 240 milhões ao de adubos e US$ 600 milhões ao de sementes. Estatísticas do setor davam conta que a falta de pagamento, de acordo com cada região, oscilava entre 30% e 40%, enquanto o Sindicato Nacional da Indústria de Defensivos Agrícolas – Sindag, apontava uma inadimplência de 48%, atribuindo o fato á queda nos preços das principais culturas e ás altas taxas de juros. Também o BNDES foi afetado o divulgou que houve um aumento de 30% para 50% na margem de renegociação das parcelas anuais dos débitos junto ao Finame.

Como resumo da ópera, Santiago e Silva observam que na década de 90, o setor agrícola sofreu uma redução de sua capacidade de auto financiamento resultante da queda na renda, forte competição produtos importados, elevação dos custos determinada principalmente pelas altas taxas de juros, descapitalização em vista da necessidade de quitarem compromisso financeiros, comprometimentos dos padrões tecnológicos adquiridos durante o período de crédito farto e subsidiado, ao mesmo tempo em que, devido a abertura econômica, enfrentava a necessidade imperativa de otimizar e ampliar os níveis de competitividade.

Foi nesse clima de crise, afirmam, que o governo respeitando as diretrizes do Plano Real, começou a negociar o programa de securitização das dívidas, inicialmente previsto para apenas uma etapa mas que, em função da abrangência restrita, foi fortemente criticado pelas lideranças rurais e forçado a abrir uma segunda fase nas renegociações dos débitos.

Crédito escasso obriga setor a buscar alternativas

Entabuladas as negociações, o governo define uma nova política agrícola que, em linhas gerais e nos últimos anos, revela, com clareza, critérios de seletividade na utilização dos diferentes instrumentos. No crédito rural, os recursos a taxas de juros favorecidas têm sido dirigidos á agricultura de baixa renda, através dos programas especiais como o Pronaf, Proger (Programa de Geração de Emprego e Renda) e o Procera (Programa Especial de Crédito para a Reforma Agrária). Para os produtores em geral, assinalam, as taxas preferenciais tornam-se acessíveis dentro de certos limites de financiamento, mas em montantes muitos aquém das necessidades reais do setor.

Diante disso, Santiago e Silva afirmam que a chamada agricultura comercial tem sido forçada a buscar fontes alternativas de financiamento, com o governo apoiando e procurando regularizar o acesso a essas escolhas. Nesse caso os destaques são a captação de recursos externos, pela chamada “63 caipira” que tem facilidades e isenções fiscais (sem IOF, por exemplo), e obtenção de créditos direto junto á agroindústria de fertilizantes e defensivos, beneficiando produtores rurais (pessoas físicas ou jurídicas), empresas, cooperativas e exportadoras. A internalização de capital externo para a agricultura, segundo a Febraban, bateu em US$ 1,57 bilhão, entre abril de 1995 e junho de 1996, e registrou um aumento de 31% entre julho/96, e registrou um aumento de 31%, entre julho/96 e junho/97, quando atingiu R$ 2,06 bilhões. Esse dinheiro podia ser aplicado no financiamento para custeio, comercialização e investimento.

Na safra 98/99, o governo autorizou que a utilização dessa verba fosse estendida ás operações de hoje, realizadas em mercados administrados por bolsas de mercadorias e de futuros, bem como aquisição de opções referenciadas em commodities agropecuárias. Santiago e Silva chamam a atenção para o fato desses recursos terem sido aplicados, principalmente, para completar o limite de financiamento para o custeio da soja, milho, algodão, cebola, batata, entre outros, além da compra de bois, reformas e aquisição de insumos pelos setores avícola e suinícola. A massa monetária também financiou, em grande somas acima de R$ milhão, as agroindústrias do café, leite, grãos soja milho e arroz, e usinas de açúcar e álcool. O Estado de São Paulo é apontado como o grande usuário desse dinheiro.

Inadimplência cresce mais que o dobro, em 5 anos

Os produtores questionaram essas dívidas e propuseram uma esquema de rolagem, aprovado pela Comissão de Agricultura e Política Rural da Câmera dos Deputados, que sugeria a ampliação do prazo de pagamento da securitização de 7 a 10 anos para 15 ou 20 anos, desconto de 20% dos débitos e prorrogações do pagamento das duas próximas parcelas anuais com vencimento em outubro, do ano passado. Foi proposta, ainda, a a prorrogação Especial de Saneamento de Ativos, além da redução dos juros de financiamento para compra de títulos públicos equivalentes a 10,37% do valor da dívida.

Santiago e Silva lembram que, durante a polêmica sobre o equacionamento da quitação dos empréstimos, o Banco do Brasil divulgou que havia recebido apenas 35% das parcelas da securitização vencidas nos dois últimos anos. Da primeira parcela, de R$ 700 milhões, de outubro/97, foram pagos apenas R$ 350 milhões. Da segunda, de R$ 1,1 bilhão, de 1998, só foram quitados R$ 290 milhões. Os valores pendentes tiveram o pagamento transferido para o final dos contratos de 7 a 10 anos, após os vencimentos das prestações.

Citando dados estatísticos, as pesquisadoras, citando dados do sistema financeiro, dizem que a participação dos empréstimos em atraso e em liquidação, sobre os créditos normais, passou de 21,45%, em 1994, para 31,11%, em 1997, e para 55,24%, em 1998, dados que mostram o forte crescimento da inadimplência. Depois da securitização, acrescentam, o volume dos débitos em atraso aumentou a taxas superiores a 5% ao mês, atingindo R$ 14,6 bilhões, em maio do ano passado.

Desde o Real, produtos acumulam perdas de até 40%

Na sua contraproposta, o governo queria o adiamento, por 2 anos, do pagamento das parcelas que vencem em outubro/99 e de 2000 e das dívidas de até R$ 10 mil, além da redução de 30% na prestações desses débitos, que representam 50% do total securitizado. Para os que devem de R$ 10 mil a R$ 200 mil, o desconto seria de 15%, com os devedores pagando 20% da parcela vencida no ano 99 e 30% em 2000, com o restante a ser pago depois da última prestação quitada. Para as dívidas incluídas no Pesa, foi sugerido um desconto de 15% e ampliando para 31 de dezembro/99 o prazo final para a adesão ao programa. Porém, o congresso rejeitou essa proposta e teve garantias do governo para formação de um grupo de trabalho para discutir o equacionamento da dívida agrícola.

A situação conjuntural na época, segundo Santiago e Silva era realmente agravante e foi desencadeada pela forte redução dos preços em dólar das commodities agrícolas, com quedas de 30% a 40% e, ainda, com aumento de 15% a 30% a 40% e, ainda, com insumos e nos encargos financeiros. Entre os vários produtos citam algodão, milho, soja, leite, frango, que desde o Plano Real, acumulam quedas de até 40% tanto nos preços como a renda.

Sob essa ótica, observam que, embora a política de financiamento rural tenha assumido, desde a safra 95/96, um caráter seletivo para emprego dos recursos oficiais, diante do quadro atual e até para assegurar os investimentos e manter os ganhos de produtividade e competitividade obtidos, o setor agrícola, como um todo, fica na dependência de recursos do governo. Para elas, este círculo vicioso não só reforça importância do crédito oficial como também demonstra que somente será quebrado quando formuladores de políticas para o setor implementarem e efetivarem medidas eficazes para sustentação da renda agrícola, a exemplo do que ocorre nas nações desenvolvidas.

Quanto ao problema da dívida, Santiago e Silva torcem para que aconteça uma solução no curto prazo. A questão já se tornou crônica, pois existem débitos que vêm sendo renegociados desde o início da implantação do sistema de crédito rural no Brasil. Muitas delas passaram pela securitização e continuariam impagáveis. Elas apontam uma suposta ocorrência de endividamentos recentes que mostram dificuldades de liquidação, sugerindo, ainda, uma revisão na forma de cálculo do saldo devedor, sobre-tudo dos agricultores que se julgam lesados. Lembram, também, que até pouco tempo atrás, não havia um processo de avaliação da capacidade global de pagamento e endividamento do setor e a concessão do crédito obedecia critérios mais burocráticos do que econômicos. Segundo afirmam, alguns grupos de produtores foram favorecidos por essas medidas e são os que apresentam problemas e reivindicam maiores facilidades no refinanciamento.

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