Que a alta do dólar deixou o Real mais pobre, isso ninguém discute. Mas, a desvalorização acentuada da nossa moeda não causou impacto violento no setor, pelo menos por enquanto. Na opinião do diretor da FNP Consultoria e Comércio Victor Abou Nehmi Filho, o setor agropecuário é justamente um dos que obteve impactos positivos com a alta do dólar. ” Isso, porque os aumentos que devem ocorrer no mercado interno serão superior aos índices dos custos de produção.” Fora isso, a agropecuária era o único setor que, nos últimos tempos, exportava mais do que importava. Em 1997, fechou com o saldo positivo de US$ 10 bilhões em sua balança comercial, enquanto o resultado de toda economia brasileira apresentou um déficit de US$ 8 bilhões. ” Se com a situação desfavorável para a comercialização externa o setor já era vencedor, agora vai melhorar ainda mais seu desempenho.”
Mas aconselha: ” Quem puder, mude para as culturas de exportação, que, no futuro, serão mais rentáveis que as de mercado interno. Elas sempre terão a proteção do dólar, que garante consumo a preços altos.”
No ramo da pecuária de corte, ele comenta que o melhor a fazer é esperar para saber o quanto o preço do boi aumentará ou diminuirá durante o período mais crítico da descalorização do Real. A carne é uma mercadoria que, fundamentalmente, dependente do mercado nacional e tem de aguardar para observar o comportamento do poder aquisitivo da população. ” De 93% a 95% da pecuária de corte é voltada para o consumo interno.
Com isso, o preço da carne não deve se estabilizar num patamar elevado, principalmente porque o ganho do brasileiro nunca acompanha a alta do dólar.” Um dos grandes responsáveis por essa dependência do comportamento interno é que a exportação da carne brasileira só é competitiva até o limite de 500 mil toneladas por ano. Acima disso, o País não possui capacidade instalada suficiente para atender a demanda.
Faltam frigoríficos, estradas e portos. Sem falar que aumentam tarifas e as exigências sanitárias. A partir daí, passam a valer tais barreiras, não mais o preço. Em 1998, o Brasil exportou 345 mil toneladas de carne, num mercado internacional da ordem de 6,2 bilhões de toneladas. Em 1999, Nehmi acredita que a participação nacional chegue próxima às 500mil toneladas. “No entanto, esse patamar nunca foi ultrapassado. Depois do aumento da comercialização no exterior, o ciclo faz esse volume baixar.” Para o produtor, o consultor afirma que tal situação apresenta um quadro bom, pois a maior parte dos custos, indexados em reais, como folha de pagamento e impostos, tende a cair. De acordo com ele, os insumos e medicamentos, produtos diretamente vinculados ao dólar, não representam mais que 25% do gastos em produção. ” Isso fará a rentabilidade da pecuária aumentar, mas nem tanto como a da soja, café e açúcar, que serão os maiores beneficiários da desvalorização do Real.” O aumento da arroba do boi neste começo de ano, que passou de R$ 29,00 (Janeiro) para R$ 33,00 (dezembro) em São Paulo, Nehmi Filho associa diretamente ao aumento do dólar. Segundo ele, sem parâmetros para os negócios, as ofertas de gado se retraíram para aguardar uma definição do câmbio.
“Foi uma alta atípica, pois Janeiro é período de safra e os preços tendem a cair. A curto prazo, esses valores não devem se sustentar e a cotação deve sofrer recuo até atingir um equilíbrio. A desova dos animais represados deve acontecer em Março, Abril e Maio, provocando uma queda da arroba para US$ 15.00 em São Paulo.”
Não é o que pensa o presidente do Sindicato dos Pecuaristas de Corte (Sindipec) e Coordenador do Fórum Nacional Permanente da Pecuária de Corte, Antenor Nogueira. ” Não é verdade que estamos escondendo boi no pasto. Estamos, sim, resgatando os valores perdidos no final do ano, quando se estimularam as vendas de aves e suínos e os frigoríficos propuseram abaixar nosso produto”, argumenta, lembrando que, em Goiás, alguns frigoríficos reduziram o preço da arroba para R$ 24,00.
Para ele, a alta de São Paulo deve – se principalmente porque, ano – a ano, o rebanho de corte vem se deslocando para o Centro – Oeste do País, colocando a produção mais longe do consumo – de Junho a Dezembro do ano passado, o quilo do traseiro ao consumidor passou de R$ 2,06 para R$ 2,50; o dianteiro, de R$ 1,21 para R$ 1,40. ” Se no varejo o traseiro tem chegado a R$ 2,70 o quilo não tem a cer com o comportamento do setor produtivo. O pecuarista não está retendo boi no pasto e a alta é anterior à desvalorização. A tentativa de diminuir a arroba no final do ano retraiu a oferta. O que é natural!” Sobre o atual momento da economia nacional, Nogueira recomenda cautela. É preciso acompanhar a evolução dos acontecimentos. ” Boi é dinheiro e com dinheiro a gente não brinca. Abater somente o necessário para apagar as despesas. Temos de deixar escorrer a água da represa que rompeu e, depois, ver o que sobrou.”
Laranja
Na área de laranja processada, cuja produção é toda destinada ao mercado internacional, o momento é de preparação para a nova safra, que inicia em Junho. Ao contrário do que tem sido divulgado, o setor não se aproveitou da desvalorização do Real – pelo menos por enquanto. De acordo com o presidente da Associação Brasileira dos Exportadores de Cítrios (Abecitrus), Ademerval Garcia, não existe efeito a curto prazo.
” Nossa safra terminou em dezembro o os negócios já foram fechados. O aumento na exportação, se houver, não ocorrerá porque nosso produto é dolarizado, mas talvez pelo aumento da safra.” A queda na colheita norte – americana, em função das geadas na Califórnia e na Flórida, contribuirão para que a produção brasileira tenha mais espaço no universo cítrico mundial. Na opinião de Garcia, o momento é de planejar a próxima colheita sob o novo comportamento da economia. No Brasil, a atividade é essencial para 204 municípios paulistas e alguns do Triângulo Mineiro. Gera divisas da ordem de US$ 1,5 bilhões anuais, respondendo por 53% do suco de laranja produzido no mundo e por 80% do suco concentrado que transita pelo mercado internacional. Só no Estado de São Paulo 17 indústrias atuam nesse setor, envolvendo o trabalho de 29 mil propriedades rurais. A safra 1998/1999 apresentou um processamento de 270 milhões de caixas de 40, 8 kg, quando a estimativa previa moer cerca de 220 milhões. Levando tudo em consideração, é preciso tomar cuidado para migrar de uma outra cultura para a de laranja. Garcia diz ser fundamental lembrar que os primeiros frutos da formação de um pomar só aparecerão daqui a quatro anos. “E, num país como o Brasil, é difícil colher com a mesma realidade que se plantou.”
Soja e trigo
Longe dessa preocupação, a soja é uma cultura anual e, com a desvalorização da moeda desfruta de uma maior competitividade internacional. Apesar da euforia que ronda que ronda o produto, em função de sua vinculação com o dólar, alguns agricultores afirmam que os ganhos são menores que as expectativas que estão sendo divulgadas. É o que pensa o proprietário da Fazenda Couro do Boi II, em Bela Vista do Paraíso (PR), de 826 ha, Ricardo Gomes de Araújo. Para ele, as vantagens dos produtos de exportação são relativas. O comércio mundial não é a salvação da agricultura brasileira, mas um bom gerenciamento administrativo das plantações.”
Atualmente, a saca de 60 Kg de soja vem sendo vendida entre US$ 10.00 e US$ 10,70 no Porto de Paranaguá. Para Abril, a base do preço em Londrina deve chegar a US$ 9.90 e US$ 10.00. ” Melhor para quem vendeu a mercadoria em Setembro e Outubro do ano passado, que alcançou valores entre US$ 11.00 e US$ 12.20, calcula.
Também atuando no cultivo de trigo Araújo diz que, com a crise do Real, o produto adquire uma densidade econômica melhor e aumenta seu poder de venda. No entanto, prefere esperar para analisar as margens, principalmente em função dos insumos. “Só há uma coisa a ser dita: quem investir no trigo tem de fazer bem feito.” O Brasil apresenta uma necessidade de 8 milhões de toneladas / ano de trigo e importa 6 milhões de ton./ano. A desvalorização pode provocar um aumento na área plantada no país, tendo em vista que ficará mais barato produzir aqui que trazer mercadoria externa. Mas, de acordo com Araújo, não basta apenas preço, é fundamental uma política adequada para o segmento. ” O Brasil precisa gerar dividas e estimular a exportação. Nisso, é necessário importar menos do que vem fazendo hoje.”
Café
Por sua vez, apesar de um aumento no consumo inferior ao que foi projetado, a indústria de café comemorou os resultados de 1998. De acordo com o secretário Geral da Associação Brasileira da Indústria de café (Abic) David Nahum Neto, independente do percentual de crescimento, o saldo foi positivo. A projeção era fechar o ano com acréscimo entre 6% e 7%, o que não ficou superior a 4%, registrando um consumo interno de 12 milhões e 200 mil sacas. Para este ano, o Nahum comenta que haverá uma redução de praticamente 1/3 da safra, que, hoje, atinge 34 milhões e 500 mil sacas. Uma estimativa oficial do Conselho Deliberativo da Política do Café, prevista antes da desvalorização da moeda brasileira, em função do próprio comportamento da cultura cafeeira, que mantém uma produtividade cíclica de altas e baixas na colheita.
Se, somente por esse motivo o café já havia subido, a crise nacional deve elevar ainda mais seus valores. De Dezembro de 1998 a Janeiro de 1999, o preço do café subiu cerca de 35%. No varejo, o índice chegou a 20%. “Isso inibe o consumo e dificulta a retomada do setor em uma safra maior.” Para segurar uma elevação insustentável no preço do produto, o secretário diz que a solução está nos leilões públicos, com a venda dos estoques do Funcafé, órgão do Ministério da indústria e Comércio, que contem 9,4 milhões de sacas. Trata – se de um estoque regulador, que , ao ser colocado no mercado, aumentará a oferta e tornará os preços menos especulativos. Para Fevereiro, o governo anunciou um leilão de 200 mil – sacas – para a indústria deveria ser, no mínimo, de 300 mil -, com a programação de outras vendas em datas não distantes. ” O mercado de café depende exclusivamente do governo. Ele está com a faca e o queijo nas mãos, com todas as condições para agir positivamente em favor dos consumidores, da indústria e dos produtores.”
Inseminação artificial
Com 50% de seus negócios depende de material importado, o setor de inseminação artificial aparece como um dos que ficaram mais surpresos com a liberação do câmbio. ” Antes dessa crise, o governo vinha demostrando que não tomaria tal atitude pra a economia brasileira. Todas as empresa contavam com isso e investiram num mercado que apresentava de 7%¨a 8% de desvalorização cambial anual”, comenta o vice – presidente da Associação Brasileira de Inseminação Artificial (ASBIA), Donário Lopes de Almeida. Assim, os custos terão de ser transferidos ao mercado e as empresas trabalharão conforme a reação do mercado.
Em Janeiro, algumas centrais já iniciaram o repasse de parte do aumento do dólar e não tiveram grandes problemas. No entanto, está na pecuária leiteira o grande consumo de sêmen importado, cerca de 70%. E não é novidade que o setor há algum tempo vem sofrendo com os baixos preços e a concorrência do leite europeu que chega ao Brasil via Argentina. ” Com a alta do dólar, o leite importado fica mais caro e o produtor nacional leva vantagem. Porém, em mais de 20 dias de crise, o preço do leite brasileiro continuou o mesmo”, analisa Almeida.
Apesar desse momento de incerteza, o executivo acredita que essa situação não barrará a performance do setor de inseminação artificial, que, nos últimos dez anos, vem crescendo 10% a ano. Para 1999, as previsões não são diferentes – antes da crise, estimava – se um aumento da ordem de 15%. A esperança no aumento do leite é apenas um ods fatores que não devem permitir a abalo do seotr reduzir seu desempenho. Também há a possibilidade de uma migração de demanda do material, passando do material importado para o nacional. Um comportamento com grandes possibilidades de ocorrer, mas ainda não representa o foco principal das expectativas e concentra – se no aumento de produtividade que a inseminação proporciona ao rebanho. ” Mesmo num patamar mais caro, ela continuará oferecendo vantagens ao pecuarista. Se a ordem do dia é otimizar a propriedade ao máximo, não há dúvidas de que a inseminação aparece como um das ferramentas mais importantes.”
Se for assim, o problema maior não estará nas propriedades rurais, mas na disputa ainda mais acirrada que irá se estabelecer entre as centrais. Já trabalhando com margens reduzidas de lucros, elas de provar que têm diferencial para se manter no mercado. Para Almeida, o cenário econômico exigirá uma atuação com menos recursos e maximização da assistência.
Rações
Se, de agora em diante, o maior vilão dos custos serão os insumos, o setor de rações está reaprendendo a lidar com a nova situação. Os farelos de trigo e soja, o fosfato de cálcio e os micro – nutrientes, como vitaminas e minerais, dependem diretamente da variação cambial. Para se ter uma ideia, o farelo de trigo apresentou um aumento de 30% e de soja entre 40% e 50%, o que impulsionou um aumento no valor final das rações entre 5% e 10%. Como se isso não bastasse, acrescenta o presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Rações (Anfar), Astor Hauschild, a flutuação diária do dólar pressiona a falta de tais artigos. Diante disso, as indústrias de rações adotaram a política da compra mínima, sem estoques, adquirindo mercadorias somente para manter a produção em atividade. ” Cada aquisição, pressiona o mercado a elevar os preços. Quanto mais se compra, mais há especulações. A função dos fabricantes nesse momento é esfriar a demanda.” No ano passado, a bandeira hasteada pelo setor batia na questão das reformas tributárias. Com a desvalorização do Real, o mercado tomou um susto e está reorganizando em condições que antes não fazia parte de seu planejamento. ” Ao atrasar as reformas, o governo não cumpriu sua parte e prejudicou o Plano Real. Agora, estamos vivendo as consequências. Mesmo assim, lição para o país passar a levar a sério suas contas e colocá – las em dia, com decisões mais inteligentes no futuro. Sem dúvida, estaríamos menos vulneráveis, pois quando se deve muito, fica – se nas mãos do mercado.”