A tripanossomose bovina é uma doença originalmente do Continente Africano e que parece ter chegado ao Continente Americano ao final dos anos 1.800, através de bovinos vindos do oeste africano para as Guianas. No Brasil a primeira referência da doença ocorreu em 1946, mas a primeira publicação oficial ocorreu apenas em 1972, ambas em animais do Estado do Pará. Desde então, a tripanossomose se dispersou por todo o país e hoje está presente em todo o território nacional, alcançando ainda províncias da região norte da Argentina. A doença é provocada pelo Trypanosoma vivax, um protozoário que leva à destruição das células vermelhas do sangue, acometendo tanto os bovinos leiteiros quanto os de corte, assim como os ovinos e os caprinos, impactando negativamente a produtividade das fazendas.
“Os animais clinicamente infectados com o Trypanosoma vivax, apresentam sinais clínicos pouco específicos que podem ser facilmente confundidos com outras doenças causadas por parasitos que destroem as células vermelhas do sangue, como aqueles responsáveis pela Tristeza Parasitária Bovina (Babesia spp., nos casos das babesioses; e Anaplasma marginale, nos casos da anaplasmose)”, explica Marcos Malacco, médico veterinário gerente de serviços veterinários para bovinos da da Ceva Saúde Animal. “Nessas três doenças os animais apresentam anemia, que pode ser severa ou não, febre, fraqueza, perda de peso, queda nos índices produtivos. Nos casos de tripanossomose aguda a perda de peso é substancial e em um curto período, o que pode levar o animal ao óbito”.
Os índices reprodutivos das propriedades também são diretamente afetados, já que a doença pode provocar queda de libido nos machos, retardar o desenvolvimento sexual e a puberdade, impactar negativamente a qualidade do sêmen, alterar o ciclo das fêmeas, promover morte fetal, abortos, e nascimento de crias fracas que morrem logo após o parto.
“Com o avanço da tripanossomose, a doença vem tomando caráter endêmico e, nesta situação, são mais comuns os casos crônicos, com animais portando o parasito no organismo, com baixa parasitemia (presença do parasito no sangue) e sem manifestações clínicas evidentes. Entretanto estes animais podem ter o desempenho produtivo comprometido, traduzido por baixa performance reprodutiva, menores taxas de desenvolvimento corporal e de ganho de peso, e até mesmo queda na produção leiteira, por exemplo. Além disso, o Trypanosoma vivax pode interferir na imunidade geral dos animais, contribuindo para o surgimento de surtos de enfermidades e infecções diversas, como mastites, pneumonia, infecções dos pés e cascos”, explica Malacco.
Em nosso meio, devido à ausência do vetor biológico da tripanossomose bovina, a mosca tsé-tsé, o Trypanosoma vivax é transmitido de um animal portador, mostrando ou não doença clínica, para os outros animais do rebanho através de picada de moscas que se alimentam de sangue (hematófagas) como as mutucas (Tabanus sp.), a mosca-dos-estábulos (Stomoxys sp.), a mosca dos chifres (Haematobia irritans), e do compartilhamento de materiais que possam entrar em contato com o sangue de animais portadores, como agulhas para a aplicação de vacinas ou medicamentos, algo que é comum na aplicação de ocitocina no rebanho leiteiro. Este tipo de transmissão e denominado “transmissão mecânica”.
A pecuária brasileira se destaca no cenário mundial, além de ser um dos principais setores econômicos do país, com uma movimentação de mais de R$360 bilhões em 2021 (Forbes, 2022). Sendo considerado o maior rebanho comercial do mundo, é possível que a doença seja subdiagnosticada no país.
Malacco vai além: “A dificuldade de se estabelecer o diagnóstico clínico assertivo da tripanossomose retarda o reconhecimento da doença e o tratamento adequado para todo o rebanho, além de favorecer a disseminação do protozoário nas áreas onde a doença é pouco discutida ou desconhecida pelos pecuaristas. Neste contexto, a ocorrência da tripanossomose pode até mesmo atrapalhar o rebanho em expressar toda a sua capacidade produtiva. Poderíamos produzir ainda mais e melhor se a doença fosse altamente discutida e colocada no radar do produtor rural, como tantas outras”.
Por ter uma sintomatologia muito semelhante à da Tristeza Parasitária Bovina (TPB), o diagnóstico diferencial entre as doenças através de análises laboratoriais deve ser considerado, podendo ser avaliada a presença do protozoário em amostras de sangue através da microscopia, a realização de testes sorológicos (RIFI ou ELISA), e testes moleculares (PCR). Além disso, alguns medicamentos utilizados para o tratamento da TPB podem promover melhora clínica do animal sem eliminar o protozoário da tripanossomose, dando a falsa sensação de cura e dificultando o controle e diagnóstico preciso da doença.
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