“É uma satisfação muito grande para a gente fazer parte desse projeto. Estamos no meio de pequenos e médios produtores de leite. Tiramos em média 100 litros de leite por dia. Temos vizinhos que tiram mais do que isso. Mas, se você for ver o que a gente recebe após abater a ração do gado, sal mineral e outros gastos, muitas vezes é mais do que esse vizinho. Aprendemos com os técnicos e pesquisadores que o planejamento na propriedade rural é fundamental e isso está fazendo muita diferença no nosso dia-a-dia”.
O depoimento acima é da produtora rural Ivanete Aparecida dos Santos. Ela e o marido Adelson são assentados do Projeto de Assentamento Buriti da Conquista, de Paracatu (MG). Eles são uma das 100 famílias que fazem parte da rede de estabelecimentos do projeto Mais Leite Coopervap, desenvolvido pela Cooperativa Agropecuária do Vale do Paracatu em parceria com a Embrapa Cerrados, no âmbito do Programa Mais Leite Saudável, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). Os produtores que participam do projeto são acompanhados mensalmente por uma equipe técnica formada por dois agrônomos e dois veterinários.
As atividades do projeto foram iniciadas em julho de 2019. Naquela época, Ivanete e Adelson produziam 45 litros de leite/dia. “Ano passado chegamos a 180 litros”, comemora. “Seguindo as orientações que recebemos, a qualidade do leite também aumentou muito. Isso faz com que a gente ganhe mais”, conta. O projeto busca promover a inovação com agricultores familiares e o fortalecimento do arranjo produtivo do leite no noroeste de Minas Gerais. Para isso, articula a pesquisa, principalmente por meio da validação de tecnologias, e a assistência técnica.
O casal possui atualmente, na propriedade de 42 hectares, 20 vacas e tem como atividades principais a bovinocultura de leite, ao lado da fruticultura e da criação de galinhas. A agrônoma Ana Luiza Caldas é uma das técnicas que acompanha mensalmente os produtores. Ela conta que eles sempre foram muito receptivos e se mostraram desde o início abertos a novos desafios. “Encontramos aqui produtores dispostos a implementar novas práticas e adaptar tecnologias. Hoje eles fazem o monitoramento das despesas conforme orientamos, bem como o controle reprodutivo dos animais. Essas informações passaram a ser sistematizadas e a gente analisa tudo junto”, afirma.
De acordo com Ana Luiza, o principal gargalo enfrentado nos últimos dois anos foi como conseguir produzir na propriedade a comida que os animais precisavam. “Quando a gente chegou, os produtores já adotavam a prática de integração lavoura pecuária. Mas, era necessário fazer alguns ajustes. Foi o que fizemos. Montamos um teste com alternativas tecnológicas na propriedade para que eles pudessem fazer comparativos e decidir que caminho seguir”, explicou. Nesses testes, segundo ela, a produtividade do milho para silagem foi de 28,8 toneladas/ha no sistema tradicional e 46,8 toneladas/ha no sistema de cultivo com novas tecnologias.
O produtor Ricardo Couto resolveu seguir o caminho do pai, Benedito Eugênio (foto abaixo). Também assentados do PA Buriti e participantes do projeto Mais Leite Coopervap, eles viram a produção diária de leite passar de 60 para 200 litros por dia. “O projeto abriu as nossas portas para a tecnologia. Acho que informação é o ponto crucial para a gente produzir bem. Temos hoje assistência de veterinários e agrônomos de graça na nossa propriedade e os resultados são notórios”, comemora.
“Vimos o quanto o conhecimento é importante. Recebemos orientações relacionadas à correção do solo, ao modo de cuidar dos animais, à hora de fazer o trato das vacas. Essa assistência técnica foi uma luz que clareou a gente. Os técnicos são constantes e dedicados e só tenho a agradecer o empenho deles para que a gente continue melhorando”, afirmou o produtor Benedito Eugênio.
Uma das profissionais que acompanha a propriedade deles é a veterinária Andra Ribeiro. “Apresentamos algumas propostas de técnicas a serem utilizadas e a aceitação sempre foi muito fácil. Foi o caso, por exemplo, do uso do milheto como planta de cobertura do solo. Nesse período eles conseguiram também melhorar a estrutura do curral e instalar a ordenha mecânica. Essas mudanças, associadas a outras, produziram impactos bastante positivos, como o aumento da produtividade da silagem, da natalidade e da qualidade do leite”, afirmou.
Resultados relevantes
De acordo com o pesquisador José Humberto Xavier, as melhorias nos sistemas produtivos, sobretudo em relação à alimentação do rebanho e à qualidade do leite, propiciaram, mesmo com a pandemia, importantes resultados para os agricultores nos dois primeiros anos agrícolas. “No diagnóstico inicial do projeto, a produção média do grupo de 100 agricultores era de 58 litros/dia. No ano seguinte, essa produção passou para 84 litros/dia e no ano agrícola 2020/2021 foi de 113 litros/dia”, informou.
Esse resultado, segundo ele, foi relacionado a três aspectos: aumento da média de produção por vaca, incremento do rebanho e melhoria da taxa de natalidade, o que significa mais vacas em produção. De acordo com o pesquisador, aliada ao aumento da produção, houve ainda melhoria na qualidade do leite produzido, principalmente em relação à contagem bacteriana total (CBT), que alcançou aproximadamente 50% de redução (quanto menor o valor da CBT, melhor a qualidade do leite).
“Esses resultados são extremamente importantes devido à relevância da atividade leiteira para a rentabilidade dos estabelecimentos. Observou-se que o aumento da produção com qualidade propicia maior renda para as famílias. Por exemplo, estabelecimentos com produção diária média acima de 100 litros/dia alcançaram renda agrícola por membro da família cerca de duas vezes superior aos estabelecimentos com produção diária média inferior a 60 litros/dia”, explicou o pesquisador.
Para Carlos Eduardo Santos, analista do Setor de Propecção e Avaliação de Tecnologias da Embrapa Cerrados, embora os primeiros resultados sejam relevantes, ainda há questões a serem equacionadas. “Provavelmente, ainda haverá impactos da pandemia, sobretudo associados ao aumento dos custos de produção. Outra questão é que as áreas onde estão localizados os estabelecimentos de produção de leite possuem elevado risco climático. O manejo do solo nas áreas de produção de silagem também necessita de melhorias para evitar a perda da qualidade do solo devido às elevadas extrações de material vegetal. E ainda há muitas áreas de pastagens degradadas que podem ser incorporadas ao processo produtivo”, detalhou.
Segundo o especialista, resolvidos esses desafios da alimentação e do manejo do rebanho, ainda será necessário promover melhorias na qualidade do rebanho por meio de melhoramento genético. “Dessa forma, é preciso avançar na adaptação de tecnologias para maior resiliência a esses fatores adversos, assim como investir em atividades coletivas para propiciar que mais produtores se apropriem dos resultados gerados. Isso permitirá a manutenção e alcance de resultados promissores, tanto para os produtores da rede como para os outros agricultores”, afirmou.
Corrente do bem
A região Noroeste de Minas Gerais produz diariamente cerca de 1,5 milhões de litros de leite em mais de 10 mil estabelecimentos, sendo que 80% deles são familiares e contribuem com cerca de 60% do total produzido. O peso dos agricultores familiares para a Coopervap é ainda maior: 87% do leite é recebido desse grupo, sendo que 60% vem de assentamentos rurais, como o PA Buriti. Um outro aspecto relevante é que, da mesma forma que a agricultura familiar é importante para a cadeia do leite, o inverso também é verdadeiro, já que quase 50% da renda bruta da agricultura familiar regional tem origem na pecuária leiteira.
De acordo com o presidente da Coopervap, Valdir de Oliveira, produtores que não fazem parte diretamente do projeto também estão sendo impactados de forma positiva por ele. “Um vizinho quando percebe que o outro está tendo resultado positivo já começa a copiar. Com isso, estamos vendo claramente o perfil deles mudando”, conta. Segundo ele, o projeto chegou com conhecimento e convenceu as pessoas. “Temos vários exemplos de produtores que produziam 50 litros de leite por dia e hoje produzem 100, 200 litros. Além dos silos que tiveram que aumentar de tamanho. Isso é motivo de muita comemoração”.
Foto: Divulgação / Embrapa Cerrados