Por Fernando Kassis Carvalho, Ulisses Rocha Antuniassi e Heber Luiz Pereira –O final do inverno, no mês de setembro, marca o início dos preparativos para uma nova safra agrícola em boa parte do Brasil. Essa preparação inclui, com destaque, algumas atividades, como o manejo da vegetação – geralmente composta por plantas daninhas (que nascem espontaneamente) ou pelas chamadas “culturas de cobertura”, que ocupam as áreas nas quais serão semeadas novas lavouras, como as de soja e milho.
Em geral, a vegetação é utilizada para gerar matéria orgânica para proteger e melhorar a estrutura do solo. Entretanto, antes da semeadura, essas plantas precisam ser controladas e transformadas em cobertura vegetal morta (a palhada), pois, do contrário, causariam competição com as plantas cultivadas por água, luz e nutrientes, prejudicando a produção.
O controle das plantas daninhas é feito, na maior parte das vezes, pela aplicação de herbicidas, em um processo chamado de dessecação. Em alguns casos, os agricultores realizam na mesma operação a adição de algum produto com ação inseticida, visando o controle de pragas que possam estar previamente na área, como lagartas e percevejos.
Uma das grandes preocupações atuais, contudo, é a harmonia que deve existir entre as atividades relacionadas à agricultura e os polinizadores: essas práticas devem estar em equilíbrio. No caso das dessecações, quando há a adição de inseticidas para o controle de pragas, o agricultor deve estar ciente da importância da proteção dos polinizadores, que são insetos benéficos. Nesse artigo, destacamos práticas agrícolas e apícolas que devem ser adotadas para que haja a preservação dos polinizadores, seja por espécies nativas ou cultivadas.
Diversas culturas agrícolas dependem ou são beneficiadas pelo serviço de polinização realizado pelas abelhas. Ainda que algumas espécies vegetais não necessitem de polinizadores para produzir frutos e sementes, pode haver apiários em áreas no entorno das plantações, o que reforça a importância da adoção de estratégias adequadas.
Melão, maracujá e maçã são exemplos de culturas classificadas como dependentes de polinização, ou seja, sem as abelhas não haveria produção. Já as culturas que têm acréscimo em produção quando polinizadas são chamadas de beneficiadas. Exemplos: morango, soja e citros. Por fim, há aquelas culturas que não dependem da polinização, como a cana-de-açúcar.
Quando se aborda a relação entre agricultura e apicultura, o principal questionamento envolvendo a proteção dos polinizadores é sobre a utilização de defensivos agrícolas nas proximidades dos locais em que há a presença de abelhas. Esse convívio, porém, é perfeitamente possível. Mas, para tanto, alguns cuidados devem ser observados.
Em primeiro lugar, deve-se entender em quais fases das culturas as abelhas visitam as áreas agrícolas. Como visto, isso pode ocorrer antes da semeadura, quando há plantas daninhas na área, ou durante o ciclo da cultura, quando a cultura estiver em florescimento. Sabendo disso, os inseticidas convencionais não devem ser aplicados nessas situações.
Em uma pesquisa exploratória, conduzida pela AgroEfetiva em parceria com o programa Colmeia Viva – do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg) –, foram identificadas várias práticas que garantem a coexistência e complementaridade entre a agricultura e a apicultura. Essas ações foram divididas em três pilares: boas práticas apícolas, manejo integrado de pragas (MIP) e tecnologia de aplicação.
Essa pesquisa foi realizada por meio de visitas a agricultores do norte ao sul do Brasil, considerando culturas dependentes, beneficiadas ou não dependentes da polinização. Dos três pilares de práticas mais comuns que garante coexistência e complementaridade entre a agricultura e a apicultura, podemos citar que a primeira grande área – boas práticas apícolas – inclui o georreferenciamento do apiário, a sanidade do apiário, a formalização do pasto apícola, a suplementação alimentar e de água, a escrituração zootécnica e o fechamento das colônias antes das pulverizações. Por sua vez, a segunda grande área – MIP (Manejo Integrado de Pragas) – engloba controle biológico, inseticidas seletivos, monitoramento das pragas, adoção do nível de controle, cultivares transgênicos e tratamento de sementes ou mudas. Já o terceiro pilar – tecnologia de aplicação – abrange uso de cercas vivas, comunicação entre os envolvidos, avaliação da direção vento, adoção de faixas de segurança, técnicas de redução de deriva e horário de aplicação.
Uma das soluções que ganham destaque no Brasil e no mundo é o controle biológico. O uso dessa tecnologia ajuda a atingir alvos específicos, sem prejudicar as abelhas. A utilização de inseticidas seletivos durante períodos de visitação das abelhas na cultura também é fundamental. Além disso, outra iniciativa positiva é a adoção da dessecação antecipada, estratégia que visa a aplicação de herbicidas antes do florescimento das plantas daninhas.
O tratamento de sementes também tem despontado como técnica importante. Nessa prática, inseticidas são aderidos à superfície das sementes que serão depositadas no solo. Isso protege as plantas das pragas nos estádios iniciais de desenvolvimento e, ao mesmo tempo, evita o contato com as abelhas. Ademais, o uso de cultivares transgênicas (como as chamadas “plantas Bt”), que possuem genes específicos com efeito apenas sobre lagartas que se alimentam dessas plantas, ajuda a proteger as abelhas, pois há redução da utilização de inseticidas.
Além das práticas discutidas anteriormente, mais ligadas ao MIP (Manejo Integrado de Pragas), a pesquisa identificou que as boas práticas apícolas são fundamentais para evitar a mortalidade de abelhas. Por exemplo, como durante o inverno as abelhas tendem a ficar mais debilitadas, podendo até haver morte de colônias, a suplementação alimentar e de água durante esse período mais frio do ano é fundamental. Nesse caso, o controle de pragas que acometem as colônias também deve ser feito, bem como a notificação de localização dos apiários, com o objetivo de ajudar no planejamento das operações. De forma geral, a profissionalização dos apicultores ajuda na preservação das abelhas, pois o manejo adequado resulta em colmeias fortes e saudáveis.
Por fim, aspectos ligados à tecnologia de aplicação também são fundamentais para a preservação das abelhas e a produção agrícola. Assim, é necessário evitar pulverizações no horário de visitação das abelhas, avaliar se o vento está na direção de apiários, comunicar o apicultor sobre as pulverizações para que ele possa adotar medidas adequadas e usar técnicas de redução de deriva (TRD) – como pontas de pulverização adequadas.
A complementaridade e a coexistência entre a agricultura e a apicultura representam a realidade do campo. Afinal, já existe ampla busca dos apicultores por áreas com plantas cultivadas (como citros) para instalação dos apiários, bem como a busca dos agricultores por serviços de polinização. Entretanto, essa ainda não é uma realidade bem estabelecida, especialmente nos casos de culturas beneficiadas ou não dependentes. A boa notícia é que já há conhecimento e técnicas disponíveis para ajudar nesse avanço, fundamental para o desenvolvimento sustentável, quantitativo e qualitativo das produções agrícola e apícola brasileiras. Mais do que uma necessidade, essa é uma exigência da sociedade.
Fernando Kassis Carvalho é Engenheiro agrônomo, pesquisador na AgroEfetiva, Botucatu/SP
Ulisses Rocha Antuniassi é Professor Titular do Departamento de Engenharia Rural, FCA/UNESP, Campus de Botucatu/SP
Heber Luiz Pereira é Zootecnista, HP Agroconsultoria, Maringá/PR
Foto: Wenderson Araujo/Trilux – Sistema CNA Senar