Um estudo com simulação feito pelo engenheiro agrônomo e pesquisador científico, José Sidnei Gonçalves, e pela economista e assistente técnico de pesquisa científica e tecnológica, Sueli Alves Moreira Souza, ambos do IEA – Instituto de Economia Agrícola, mostra que haverá uma redução na área de plantio dessa lavoura em São Paulo, sem que, necessariamente, ocorra uma diminuição no volume de produção, que deverá ter continuidade através de ganhos de produtividade obtidos via utilização mais intensa de tecnologia de ponta, no caso, engenharia genética ou biotecnologia. Na simulação, os técnicos do IEA dão como certo que o recurso da área plantada afetará, sobretudo, as terras íngremes por inibirem e, em alguns aspectos, até bloquearem operações para uma mecanização mais plena. Liberada da cana, eventualmente, essa área poderia ser utilizada para o cultivo de grãos. Porém, eles lembram que culturas como arroz, algodão, feijão, milho e soja, mostram um intenso incremento da, mecanização na época de colheita, sem falar no fato que essas lavouras estão se deslocando para o Brasil Central diante dos estímulos e incentivos fiscais e creditícios, “circunstâncias que limitam a alternativa de reconversão dessas áreas”. O que parece claro, para os pesquisadores, é que essas terras, antes ocupadas pala cana e com possibilidades limitadas de uso por outras lavouras, sofrerão uma acentuada desvalorização.
O decreto estabelece que, na área mecanizável, a queima da cana será reduzida ao ritmo de 25% da extensão plantada a cada dois anos, exigindo um mínimo de 10% já no primeiro ano. Nas áreas não mecanizadas, essa diminuição será de 13,35%, a cada dois anos, fazendo com que a eliminação total da queima ocorra num prazo de até 15 anos. A legislação fixa, ainda, aquela que apresente declividade menor que 12%, o que corresponde a 60% da atual área cultivada com cana, no Estado de São Paulo, embora hajam discordâncias sobre a renda da agropecuária paulista e ,sem especial, “efeitos perversos” sobre a demanda de força de trabalho afetando inclusive fornecedores de cana que, no Estado, ” representam mais de 11 mil produtores”.
Cana, a principal lavoura de São Paulo
Os pesquisadores do IEA cotejaram a cana de açúcar com vários produtos da agropecuária paulista e constataram que a lavoura representa 27,2% do valor anual da produção que, na média do triênio 94/96 chegou a R$ 8,2 bilhões. Desse total, a cana participou com R$ 2,2 bilhões. Numa análise isolada, Gonçalves e Sueli Souza, mostram que a renda obtido pela cana foi maior que a auferida pelos grãos, que ficou em R$ 695 milhões, é mais que o triplo, bem como das olericolas, que faturaram R$ 640 milhões. Em comparação com a carne bovina, que teve uma receita de R$ 1 bilhões, a renda da cana é um pouco mais que o dobro, o triplo dos ganhos com o leite, que foram de R$608 milhões e quatro vezes mais que a carne de frango, que fechou em R$ 504 milhões.
O estudo mostra, também, que na média anual do triênio 94/96, a área agrícola total, de São Paulo, chega a 18,2 milhões de hectares, divididos em 10,4 milhões/ha com pastagens, 5,4 milhões/ha ocupados por lavouras anuais e semi – perenes e os restantes 1,4 milhões/ha utilizados por culturas perenes. A cana de açúcar para a indústria ocupa 2,7 milhões de hectares, ou seja a metade da área estadual usada por culturas anuais e semi – perenes.
Devido a magnitude da lavoura, os técnicos do IEA observam que “criar constrangimentos para a continuidade dessa geração de riqueza pode – se estar penalizando agricultores e trabalhadores de regiões inteiras sem que tenha havido preocupação em se gestar alternativas de renda e políticas capazes de sustentá – las”. Para eles, o argumento de que outras lavouras poderão se instalar em áreas anteriormente ocupadas pela cana é frágil, pois não leva em conta problemas de adaptação (o feijão, por exemplo, muito susceptível ao mosaico dourado, existente nas regiões canavieiras) e muito menos a geração de níveis poucos expressivos de riqueza. Na seqüência, Sueli Souza e Gonçalves analisam a participação de cana para a indústria na demanda de força de trabalho, utilizando dados da Fundação Seade relativos, sempre, ao triênio 94/96. Conforme assinalam, de um total de 810,5 mil de equivalentes homens – ano (E H A), a cana ocupa 368,6 mil, ou seja, quase a metade (45,5%) da demanda da força de trabalho. Outras atividades, como o café, utilizam 94,9 mil E H A, as olericolas, 74,2 mil e a laranja, 72,7 mil. Os pesquisadores afirmam que esses dados mostram ” não apenas uma relevância estratégica mas, sobretudo, impactos sociais qualitativamente expressivos” revelando, ainda, que a lavoura canavieira ” é a maior empregadora de trabalhadores não qualificados. Portanto – arrematam – a eliminação da despalha da cana por queima atinge exatamente esse perfil de trabalhadores utilizados na colheita”.
Na simulação, os efeitos da proibição
Gonçalves e Sueli Souza simularam algumas situações para quantificarem os efeitos futuros da proibição progressiva da despalha por queima elaborando quatro cenários, cada um deles com diferentes possibilidades de serem concretizados. No primeiro, admitem que a produção de cana manterá o nível atual, sem incremento tecnológico, mesmo rendimento agrícola, utilização de máquinas de colheita e a legislação será obedecida de forma integral.
Os técnicos levam em conta a área atual da lavoura, de 2,8 milhões/ha, dos quais, 1,68 milhão seriam convertidos para colheita mecânica e os outros 1,12 milhão liberados por inadequações ao padrão técnico exigido pela mecanização. Nessa simulação, a produção cairia dos atuais 182 milhões de toneladas, para 109 milhões/t, gerando um déficit crescente a partir do oitavo ano que chegaria a 73 milhões/t em 15 anos. Numa segunda situação, os técnicos consideram a necessidade de um aumento progressivo do rendimento agrícola para compensar a redução da área. Nesse caso, calculam que a produtividade terá de passar das atuais 65/t/ha para 108/t/ha, a partir do quarto ano. Gonçalves e Sueli Souza afirmam que esse ganho é possível, pois o uso de tecnologia de ponta favorece esse avanço e, além do mais, muitas usinas que produzem cana própria já mostram resultados próximos da marca estimada. Chamam a atenção, também, para o fato de que, uma vez atingida essa produtividade, o progresso técnico se incumbiria de reduzir os impactos da legislação ambiental sobre o nível de produção.
Em relação aos reflexos sobre a demanda por força de trabalho, os pesquisadores do IEA afirmam que os dois cenários vão provocar, “numa projeção conservadora”, uma redução de 40% na oferta de postos de trabalho. Ou seja, dos 368,6 mil trabalhadores, serão convocados 221, 2 mil, com uma sobra de 147,4 mil equivalentes – homens – ano. Os técnicos enfatizaram que a projeção baseada na estimativa moderna revela uma queda para 131,6 EHA/ano, correspondendo à diminuição de 236,7 mil EHA/ano, num prazo de 15 anos, “significando um decréscimo de 64,2% da atual demanda de força de trabalho na cultura canavieira. Sobre a força de trabalho do Estado todo, o impacto será entre 18,1% e 29,2%, sobretudo e principalmente em épocas de colheita, “que utiliza imensa massa humana de trabalho desqualificado representada pelos safristas”. Numa terceira simulação, a produção de cana saltaria de 182 milhões/t para 231 milhões de toneladas, num prazo de 15 anos, levando em conta a redução de área e um ganho de produtividade de 3% ao ano. Dessa forma, o rendimento agrícola da cana teria de passar das 65t/h para 137t/h. Porém, esse aumento só será possível com a expansão da área de plantio em zonas de produção com topografia plena. Isso porque, a partir do décimo ano haveria um déficit que saltaria de 7 milhões/t para 50 milhões num prazo de 15 anos que, segundo os pesquisadores, seria coberto apenas através do aumento da área de plantio. No entanto, alertam que essa expansão da área seria necessária a partir do sexto ano, pois, numa primeira fase, poderia haver redução da área total de cana, mas numa segunda etapa, o incremento levaria ao plantio em novas regiões de mais 463 mil hectares. Com isso, a área plantada com cana, cairia dos atuais 2,8 milhões/ha para 2,1 milhões havendo, necessariamente, mudanças na distribuição espacial desse plantio, com o abandono de áreas ” declivosas” e incorporação de terras planas.
Tecnologia pode conter expansão
Num quarto e último cenário, os técnicos do IEA preveem um incremento na produtividade industrial buscando um equilíbrio com o aumento da demanda de produção de cana, que deverá crescer de 100 Kg de açúcar por tonelada para 130 Kg/t. Esse ganho da indústria permitiria que a produção de cana crua fosse reduzida 182 milhões /t. para 177 milhões, sem prejuízo para as metas de crescimento do produto final ao ritmo de 3% ao ano.
Convertida em área plantada, essa produção permitiria diminuir o plantio para 1,65 milhão/ha.
Em síntese, para os pesquisadores, o uso mais intenso de tecnologia de ponta permitira ganhos generalizados de produtividade, já existentes tanto na lavoura como na usina, que viabilizaria uma substancial diminuição das áreas ocupadas por canaviais. Com base nessas duas últimas simulações, os técnicos do IEA estimam novos resultados para o recuo na demanda pela força de trabalho. Assim, com o plantio reduzido a 2,14 milhões de hectares haveria uma diminuição de 18,2% na oferta de postos de trabalho, que corresponde a 86,5% mil equivalentes – homens – ano (EHA). Caso esse processo seja acompanhado de um uso mais intenso de tecnologia, a projeção, mostra um decréscimo de 54,4% ou 200,5 mil EHA/ano da mão – de – obra atualmente atualizada.
No último cenário, que prevê área reduzida e ganhos de produtividade tanto na lavoura como na indústria, a perspectiva para a melhores. Sempre sob uma perspectiva conservadora, os técnicos avaliam que a oferta de vagas cairia de 368,6 mil EHA para 216,9 mil, com uma perda de 151,6 mil postos por ano, ou uma queda de 32,3% na demanda por trabalhadores. Numa perspectiva moderna, a redução teria como significando uma perda de 237,2 mil EHA anuais, num prazo de 15 postos trabalho se reduza em 64,9% em relação ao total de mão de obra utilizado atualmente (810,5 mil EHA). Gonçalves e Sueli Souza enfatizam a importância da lavoura de cana para a demanda de força de trabalho agropecuário, pois os efeitos estimados são de redução de 10,7% a 29,3% na oferta global de vagas no meio rural paulista, sem levar em conta possíveis efeitos que possam travar ou dificultar a expansão de outras culturas em que essa queda é sazonal, pois, com demais operações de cultivo de cana para indústria são mecanizadas. Como a proibição da despalha por queima afeta diretamente o corte final do produto, estimulando a mecanização, a necessidade de mão de obra safrista é “drasticamente” eliminada. Para eles, aquilo que, à primeira vista, poderia ser um avanço poderá se transformar numa “tragédia”, pois mão de obra desqualifica, de difícil utilização em outros setores, exceto na construção civil, finalizam.