Opinião

Dona Nhanhã: uma liderança feminina no agronegócio

Por Claudine Pinheiro Machado* –  O agronegócio brasileiro está consolidado como uma potência mundial e neste Mês da Mulher é importante resgatar o papel da liderança feminina na construção dessa história de sucesso. A última pesquisa divulgada pela Associação Brasileira de Agronegócio (ABAG) apontou que a principal preocupação das mulheres do agro é com a estabilidade financeira. Outro destaque na pesquisa é que a família representa a fonte mais importante de satisfação ao mesmo tempo em que é a terceira maior preocupação.

Essas preocupações e valores na atuação feminina no meio rural e no agronegócio não são novidades. No entanto, revelam que a participação das mulheres em posições de lideranças e na administração dos negócios rurais são orientadas por esses dois valores tradicionais: estabilidade financeira e proteção da família. A leitura dessa pesquisa suscitou-me o resgate da memória de uma mulher pioneira na administração dos negócios da minha própria família: Benedita Brazilina Pinheiro Machado (Dona Nhanhã).

Em 1876, Benedita Brazilina casou-se com José Gomes Pinheiro Machado, que viria a ser um dos políticos mais influentes do país, o Senador Pinheiro Machado. Em 1878 o jovem casal mudou-se de São Paulo capital, onde José havia cursado Direito, para São Luís Gonzaga, no Rio Grande do Sul. O casal iniciou sua vida à frente da Fazenda Pirajú, pequena propriedade rural que, pela garra, ética e disciplina de Dona Nhanhã, viria a se tornar uma propriedade pioneira na introdução das raças Hereford e Durhan no Brasil.

A jovem trocara a vida confortável da capital bandeirante pela simplicidade da vida campeira, como conta o seu sobrinho-bisneto, José Antonio Pinheiro Machado, em seu livro “O Senador Acaba de Morrer”. Nhanhã passou a viver em uma casa simples de chão batido, sem revestimento e decidiu construir, ela mesma, seu próprio mobiliário. Era ela quem administrava sozinha a propriedade rural do casal, decidindo questões cruciais sobre a compra e venda de animais, pois o senador, além de sua atuação política, também viajava muito em longas tropeadas, para vender o gado de Dona Nhanhã em Sorocaba.

Certa vez, o jovem esposo estava na fazenda e recebeu a oferta de uma tropa de mulas muito boa para o transporte de mercadorias, mas ele teve de recusar a compra por falta de recursos. Foi então que Dona Nhanhã entrou em ação. Ela pediu que o vendedor passasse a tropa em desfile por três vezes, regateou o preço e o vendedor aceitou. “Todos olhavam admirados a disposição feminina”. Ela entrou na casa, buscou suas próprias economias, fez a compra, e, avisou:  – “Os lucros são meus. Dinheiro guardado vale muito!” A partir daí, sua firmeza à frente das questões financeiras da propriedade valeu-lhe a admiração e a confiança de todos.

Como se pode ver, a mesma preocupação com a estabilidade financeira e com a proteção aos interesses da família já estavam presentes no coração daquela mulher de fibra. A liderança de Dona Nhanhã, contudo, não se limitou ao pioneirismo de uma mulher à frente dos agronegócios da família. Ela teve mesmo um papel fundamental no desenvolvimento da história do Brasil na passagem do século XIX para o século XX, desempenhando com imensa bravura, por exemplo, questões logísticas durante a Revolução Federalista e administrando a vida pública do marido, à frente do famoso “Morro da Graça”, o palacete da família no Rio de Janeiro, que recebia personalidades diariamente, como o então Presidente da França, Georges Clemenceau.

Dona Nhanhã foi um exemplo da firmeza e da ética da liderança feminina. Desde o início na fazenda Pirajú, de chão batido, até a administração do salão mais requisitado do Rio de Janeiro, Dona Nhanhã nunca perdeu a simplicidade, a honestidade e a ética do trabalho. Dizem que o doce favorito do Senador Ruy Barbosa era um doce de batata que Dona Nhanhã preparava para agradar ao ilustre baiano que frequentava a sua casa. A sua bondade para com os mais humildes e o seu amor pelas crianças, além disso, eram tão conhecidos que se dizia, à época, que Dona Nhanhã era a maior madrinha do Brasil. Cerca de 4 mil crianças foram com ela batizadas no Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro. “Ela é uma mulher de ferro. É o eixo de ferro da minha vida”, dizia da esposa o Senador Pinheiro Machado.

No mês da mulher, a celebração da história de Dona Nhanhã nos relembra que a pujança do agronegócio brasileiro fora construída a duras penas por milhares de mulheres como ela que, do Oiapoque ao Chuí, batalham dia a dia por uma honesta administração financeira de suas fazendas e pela proteção intransigente do bem-estar de suas famílias. No cerne do sucesso do agronegócio brasileiro está o labor e o suor de mulheres que, como ela, comungam dos valores da coragem, simplicidade, honestidade e, acima de tudo, abnegação pela família.

(*) Claudine Pinheiro Machado é Economista, doutora em agronegócios e CEO da Pinheiro Machado Assessoria Financeira.

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