Participando das comemorações dos 45 anos da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Embrapa Uva e Vinho, por meio da Coordenadoria de Desenvolvimento Rural Sustentável (CDRS) – Regional Jales, a Secretaria de Agricultura e Abastecimento celebra os resultados positivos obtidos em mais de 25 anos de parceria, que levaram a região de Jales, uma das principais produtoras do Estado, a exportar conhecimento e comercializar toneladas de uvas de mesa, gerando renda e emprego e impulsionando a economia regional.
Ao ser convidado a dar um depoimento por conta da comemoração do aniversário da Embrapa Uva e Vinho, sediada em Bento Gonçalves (RS), celebrado no final de agosto, o engenheiro agrônomo Gilberto Pelinson, da CDRS Regional Jales, relembra a parceria que fez da região um polo diversificado de produção de uvas de mesa, comercializadas em todo o País.
“Desde a erradicação dos cafezais na região de Jales, que apresenta uma estrutura fundiária com predominância de pequenas propriedades, a fruticultura foi intensificada e a viticultura, presente na região desde a década de 1960, teve uma expansão em número de produtores e em área (dados do Instituto de Economia Agrícola – IEA, as Secretaria), sendo, atualmente, cerca de 750 hectares – 550 de uvas finas cultivadas em mais de 320 propriedades e 200 de uva comum, em mais de 160 propriedades”.
Ele conta que até a consolidação da região como uma das produtoras de uva e com grande diversificação de cultivares, foi percorrido um longo caminho com os produtores, aliando ações de extensão rural e de pesquisa. “A parceria teve início na década de 1990, com a instalação da Estação Experimental de Viticultura Tropical (EVT), unidade ligada à Embrapa Uva e Vinho, e foi viabilizada pela demanda dos produtores da Associação de Viticultores da Região de Jales – Avirjal (atual Cooperativa Agrícola Mista dos Produtores da Região Jales), que disponibilizou um terreno, cuja área foi ampliada pela prefeitura municipal”, explica, dizendo que, nesse momento, nasceu a parceria entre a Secretaria e Embrapa, que tem dado muitos frutos na região.
Para o pesquisador Reginaldo Teodoro de Souza, esse trabalho conjunto contribuiu para que a região se consolidasse como uma das maiores produtoras do Estado, com uma grande diversidade de cultivares. “Como outras instituições de pesquisa, a Embrapa não presta assistência técnica, por isso o contato com os produtores é limitado. Daí a importância da extensão rural para divulgação dos materiais, sendo esses técnicos os primeiros a receber as informações e a difundi-las. O trabalho dos técnicos tem sido essencial nos programas de pesquisa que envolvem, principalmente, os pequenos e médios produtores, onde acompanhamos, em conjunto, as novas cultivares de uva que são introduzidas e orientamos os produtores para o manejo adequado. Essa ação integrada gerou inúmeros Dias de Campo e capacitações, onde apresentamos os resultados e constatamos a evolução de experimentos que se tornaram práticas, pelos depoimentos dos produtores assistidos”.
Marco Antônio Fonseca Conceição, primeiro pesquisador da Embrapa em Jales, ressalta que a parceria vai além, pois a Secretaria de Agricultura, por meio da CDRS, deu suporte para a validação do novo Zoneamento Agrícola de Risco Climático da cultura da videira (Novo ZARC Uva) na região noroeste do Estado de São Paulo.
“O ZARC é uma ferramenta crucial para o apoio à tomada de decisão para o planejamento e a execução de atividades agrícolas, para políticas públicas e, notadamente, para a seguridade agrícola. Esse zoneamento é adotado pela Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), como um instrumento de política pública orientador do Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro), destinado aos médios e pequenos produtores, inclusive aqueles vinculados ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). Ele permite a indicação, por município, dos períodos mais adequados para a produção da cultura, considerando as características do clima, o tipo de solo e ciclo de cultivares, de forma a evitar que adversidades climáticas coincidam com as fases mais sensíveis da cultura, minimizando as perdas agrícolas. Para a implantação do Novo ZARC Uva foram necessárias reuniões de validação junto a técnicos e produtores em diferentes regiões vitícolas do País”, diz Marcos.
No Estado de São Paulo, uma dessas reuniões foi realizada em Jales, com o apoio fundamental da CDRS na organização do evento e na avaliação dos índices adotados.
Diversificação de cultivares: impacto positivo na viticultura e na renda dos produtores
A principal linha de pesquisa da Estação sempre foi o melhoramento genético da videira, que permitiu o desenvolvimento de novas cultivares de uvas adaptadas às condições tropicais. “Essas cultivares ‒ como a BRS Núbia, BRS Ísis e a BRS Vitória ‒ têm sido adotadas pelos produtores do noroeste paulista e, também, de outras regiões do País, como o Vale do Rio São Francisco, por exemplo. Além da alta produtividade, sabor diferenciado e de não apresentar sementes (no caso da BRS Ísis e BRS Vitória), essas cultivares são mais tolerantes às doenças fúngicas, em relação às cultivares mais tradicionais, o que permite uma redução na aplicação de defensivos e um menor impacto ambiental”, explica Marco Antônio, afirmando que o trabalho de melhoramento tem sido contínuo. “Já foram feitos milhares de cruzamentos que permitiram a criação de algumas seleções as quais se tornaram cultivares”.
Além das novas variedades, os pesquisadores ajudaram a difundir na região de Jales, com o apoio dos técnicos da CDRS, a cultivar Niágara Rosada, que atualmente é uma das mais adotadas pelos produtores locais por apresentar, em geral, um custo de produção menor e uma rentabilidade maior do que as cultivares mais tradicionais, como a Itália, a Rubi e a Benitaka.
“Além disso, embora na viticultura da região tenha sido sempre empregada a irrigação, o sistema adotado inicialmente era a aspersão, que apresenta um alto consumo de água e energia. Os trabalhos realizados na EVT demonstraram a viabilidade de uso do sistema de microaspersão na irrigação das videiras. Hoje esse é o sistema mais adotado por ser mais eficiente e apresentar menor consumo do que a aspersão convencional”, informa Marco Antônio, que é engenheiro especializado na área.
Um exemplo do impacto positivo da diversificação de cultivares é relatado pelo produtor Carlos Tinelli, do município de Marinópolis, que produz, em uma área de oito hectares, as cultivares Itália, Benitaka, Brasil, Rubi, Vitória, Núbia e Isis, que são comercializadas principalmente na região Sul do País e nas cidades de Campinas e Belo Horizonte.
“Nós estamos muito satisfeitos com essas novas cultivares, pois elas se adaptaram muito bem na nossa região, com uma ótima produção e aceitação no mercado. Com o seu cultivo conseguimos agregar valores significativos, o que estimulou vários produtores a plantá-las na região. Tivemos um aumento de 30% de lucro a mais do que nas outras variedades”, diz o produtor, comentando que grande parte dos produtores da região estava desmotivada com as cultivares normais.
“Com o ótimo trabalho que os pesquisadores e os técnicos da CDRS estão desenvolvendo, conseguimos reverter a situação com o lançamento dessas cultivares (BRS Vitória, BRS Nubia e BRS Isis). Desde então, eles fizeram o acompanhamento das plantas cultivadas na minha propriedade e pudemos sanar todas as dúvidas, conseguindo, assim, essa produção de ótima qualidade”.
Em plena safra, manejo diferenciado da uva traz bons resultados
Em 1975, após a grande geada que dizimou os cafezais, os produtores, sobretudo os de ascendência japonesa, investiram na cultura da uva para substituição nessas áreas afetadas. “E no processo para recuperar as videiras, que estavam plantadas e sofreram danos, observaram que seria necessário mais de uma poda para a produção das variedades, principalmente Itália e Rubi, manejo que resultou em uma produção maior no segundo semestre do ano, o que tornou a produção de uva na região de Jales diferente das outras regiões paulistas”, explica Gilberto.
Segundo Reginaldo, pelo fato de a região não ter um inverno rigoroso, as plantas não entram em dormência e vegetam o ano todo. “Por conta disso, os produtores realizam duas podas anuais, sendo uma de formação ou preparo dos ramos e outra para a produção. Normalmente, as podas de produção ocorrem de março a junho, promovendo colheitas entre os meses de julho e novembro”.
E Gilberto complementa, dizendo: “Como resultado desse manejo, a região apresenta uma janela de produção diferente de outras regiões produtoras, como Jundiaí e São Miguel Arcanjo, no Estado de São Paulo; e Marialva, no Paraná. Com isso, a região é responsável por mais de 25% da produção de uva fina em São Paulo no ano todo e por 80% da produção de uva fina no segundo semestre, bem como de pouco mais de 3% de uva comum, gerando mais renda para os produtores e ampliando a porcentagem de mão de obra ocupada no período”.
Gilberto destaca, ainda, outros pontos positivos dessas cultivares. “O uso dessas cultivares da Embrapa permite economia e benefícios para a saúde dos viticultores, trabalhadores e consumidores, além do meio ambiente, devido à menor necessidade de uso de defensivos”, diz, estimando que essas novas cultivares de uva de mesa estão presentes em mais de 100 propriedades na região de Jales.
Reginaldo reforça, salientando que ampliar a diversidade de cultivares que tenham aceitação dos consumidores permite aos produtores escolher as que melhor se adaptem, tenham maior tolerância às doenças, facilidade de manejo e precocidade, entre outras características.
Sobre as diferenças entre as uvas produzidas na região e as que são oriundas de áreas mais frias, Reginaldo comenta que, basicamente, as cultivares são as mesmas, principalmente no que se refere à produção de uvas para consumo in natura ou uvas de mesa, como são conhecidas. “No entanto, como as da nossa região são colhidas em meses com pouca ou nenhuma chuva, a qualidade normalmente é melhor”.
Um pouco de história sobre a parceria
De meados da década de 1990 até início dos anos 2000, Jales serviu de modelo para muitos produtores que iniciaram suas atividades em outras regiões produtoras de São Paulo e de outros Estados, inclusive do nordeste e norte de Minas Gerais. “A viticultura exige do produtor um constante cuidado no controle de doenças causadas por fungos, com destaque para o míldio, doença que pode ocasionar grandes perdas na produção e aumento do custo para seu controle. Com o aumento da produção de uva em todo o Brasil, o período de entressafra deixou de existir, tornando a atividade menos rentável, pois os custos são altos, exigindo irrigação e cobertura com telas de proteção”, salienta Gilberto.
Nesse cenário, as lideranças dos produtores da região junto com o serviço de extensão rural, naquele período representado pela Delegacia Agrícola (atual Regional da CDRS) e pelas Casas da Agricultura, fizeram uma série de reuniões, tendo como resultado o estabelecimento de prioridades em termos de pesquisa para resolver os problemas da viticultura local.
Dentre as prioridades, destacaram-se a criação de cultivares de uvas sem sementes, com tolerância ao míldio e que pudessem ser trabalhadas em todas as épocas do ano. “Assim, a Associação de Viticultores da Região Jales -Avirjal disponibilizou uma área e procurou os representantes da pesquisa estadual e federal para que suas necessidades fossem atendidas. Com os contatos feitos, a Embrapa demonstrou grande interesse em instalar uma unidade de pesquisa no local. Na época, a Prefeitura de Jales complementou a área e, dessa forma, mais de 16 hectares foram doados para a instalação da Estação Experimental de Viticultura Tropical”, relembra Neli A. Meneghini Nogueira, engenheira agrônoma da CDRS Regional Jales, que na época era a delegada agrícola.
No mesmo ano, a Embrapa instalou oficialmente a unidade de pesquisa. “Até aquele momento, na área da estação de pesquisa não havia nenhuma videira ou instalação que pudesse abrigar o início do trabalho; por isso, cedemos uma sala na Delegacia Agrícola de Jales. Coincidentemente, no ano de 1993 foi lançada a publicação “Documento Técnico n.º 97 – Tecnologia para produção de uva Itália na região noroeste do Estado de São Paulo”, escrita por pesquisadores do Instituto Agronômico (IAC) e por extensionistas de Jales, com a finalidade de orientar sobre a viticultura realizada nas condições de clima tropical”, conta Neli.
Com o passar do tempo, o quadro de funcionários de apoio e de pesquisadores da Embrapa aumentou e a Estação começou a ter um papel essencial na logística nos trabalhos de melhoramento que são contínuos, formando uma “ponte” entre os trabalhos desenvolvidos no Rio Grande do Sul e no Vale do Rio São Francisco, permitindo a diminuição do tempo para criação de novas cultivares de 16 para oito anos.