Revista Rural 262 / abril 2020 – Um o momento de instabilidade em que o Brasil e o mundo passam devido a Covid-19, questões que vão além da prevenção da doença pintam como pontos-chave para imaginar o que será do futuro de diversos setores. Com o agro isso não é diferente, e mesmo que o mercado não tenha parado, por ser considerado essencial, alguns reflexos, como adiamentos e cancelamentos de grandes eventos e aumento na busca por crédito rural, por exemplo, já são vistos.
Para que o mercado não saia do trilho e ajude o País como um todo, os bancos têm se preparado e não medido esforços para contribuir com os produtores. Rui Pereira Rosa, superintendente executivo de agronegócio do Bradesco, comenta que num momento como este é importante que o homem do campo busque dinheiro para financiamento, mesmo que isto soe como contraditório. “Em época de crise é fundamental que se tenha caixa, pois quando surgir a oportunidade de fazer negócio, o agricultor poderá fazer a melhor compra”. Segundo ele, o produtor com recursos na mão, tem mais poder de barganha. “Ele projeta o custeio para as próximas safras, então ter recurso vira um aliado neste processo”, declara.
Assim como a grande maioria das empresas, o Bradesco também tem trabalhado, em sua maioria, no regime “home office”, e através dele a instituição tem registrado grandes resultados. “Em março a nossa carteira cresceu 50% em relação ao mesmo período de 2019”. Para Rosa, tal dado aponta justamente o entendimento do homem do campo em relação à sua importância na retomada da economia. Ratificando o executivo, dados da Secretaria de Política Agrícola (SPA) apontam que nos últimos oito meses, até março deste ano, os financiamentos contratados pelos produtores rurais somaram R$ 140,8 bilhões, aumento de 11% em comparação ao mesmo período da safra passada, mostrando assim, que o desempenho do crédito rural não sofreu os impactos do Coronavírus. “A redução da taxa Selic foi de grande importância para este crescimento, permitindo o acesso a recursos mais baratos por parte do produtor”, diz Rosa. Além da queda da taxa, ele comenta que os bancos se mostram mais atentos também, uma vez que hoje, aproximadamente 60% dá necessidade do homem do campo é subsidiado pelo sistema financeiro. “O agricultor vem até nós tomar crédito para ir com gancho de negociação ao prestador, podendo negociar preço e melhores condições de compra, principalmente à vista”.
O valor das contratações de custeio pelos pequenos e médios produtores, através do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) e do Programa Nacional de Apoio ao Médio Produtor (Pronamp), também estão sendo bem expressivos. No caso do Pronamp, o crescimento chegou a 42%. “O agricultor vendo a possibilidade de concessão maior de crédito, vem nos procurar, pois damos mais dinheiro para ele. É uma política agressiva do sistema financeiro e o crescimento apontado é reflexo disso”, declara o superintendente. Segundo ele, o médio produtor é o perfil da instituição, e assim, realizam diversas campanhas para que ele se fidelize. “Nossas medições internas apontam que cada vez mais temos ganhado espaço com o médio e, como consequência, melhores resultados surgem, mesmo em momentos de crise”.
Mudanças nas ações pessoais
Com a nova realidade, as participações em feiras ou a falta delas, também são assuntos a serem discutidos por todo setor agrícola, uma vez que as movimentações durante estes eventos representam bastante, e não só para os agentes financeiros. “A última que participamos foi a Expodireto Cotrijal e a partir daí o calendário foi afetado pela Covida-19. Vejo os demais eventos já comprometidos”, diz Rosa. Ele lamenta que isso esteja ocorrendo, uma vez que as feiras têm papel importante para o setor. “Num curto espaço de tempo encontramos os clientes, fornecedores, e parceiros no mesmo lugar, para discutir ideias e prospectar negócios”.
Na contramão do retorno que gera, o investimento para estar nestes eventos é grande, e as empresas mobilizam suas equipes para marcar presença. Dessa maneira, para o executivo, pensando na redução de custo para as companhias, as feiras devem ter novas características. “Quando a pandemia acabar, creio que elas possam ser organizadas de uma forma mais simples, pois setores como o de maquinário, por exemplo, estão sofrendo um pouco mais na crise, por se tratar de investimento a longo prazo, e precisam estar presentes nos eventos para vender seus produtos”, comenta.
Caso volte num novo perfil, Rosa diz que o valor de presença nelas não mudará, uma vez que estimulam as novidades do agro. “No Bradesco, convertemos cerca de 40% do que vemos e conversamos nestes eventos em negócios. Um mundo agro sem feiras seria mais perdido em termos de divulgação das culturas e tecnologias”, declara.
O superintendente diz que neste ano, em relação aos financiamentos, entende-se que, tanto pela falta de feiras, quanto pela retração do comércio, os investimentos em maquinários serão afetados, mas é um momento que será superado. “Nossa carteira é medida pelo custeio, são 34 bilhões de reais para o agro, englobando os financiamentos de maquinário, custeio de crédito, e a Cédula de Produto Rural (CPR)”. Está última, aliás, tem crescido consideravelmente no Bradesco – cerca de R$ 10 bilhões em títulos de crédito. “Isso mostra que temos financiamento menor de máquinas, mas, damos mais títulos para o produtor, o que acaba em um momento como esse, compensando”, comenta Rosa.
Motor da retomada
Ao passar do tempo, quando tudo voltar a “normalidade”, o executivo do banco crê que o agronegócio será novamente exemplo de superação e resultados. “O setor terá aumento na participação do PIB. Além disso, já vemos a China voltando a consumir nossos produtos, e nosso mercado de proteínas está aberto a eles”, diz. Esse cenário positivo também deve acontecer com a Europa, pois com a freada brusca, o Brasil tem a chance de se enquadrar na cultura europeia. “Nossos frigoríficos estão preparados para ‘partir para cima’ e o País se impor como fornecedor de proteína animal”. Segundo Rosa, está realidade se estende ao mercado agrícola como um todo, a fim de suprir as necessidades mercadológicas. “Temos recursos, conhecimento e capacidade”, comenta.
Já ao que se refere ao mercado interno, o abastecimento na alimentação vai seguir com sua importância, mas para Rosa, haverá modificações. “A produção e venda terá que ser a menor custo, a fim de seguir dando acesso às pessoas de baixa renda”. Além disso, ele imagina que haverá a substituição de alimentos por parte do consumidor, o que deve mexer com o comércio. “Num primeiro momento de retomada ele vai trocar a carne bovina pelo ovo ou frango, e é natural que isso aconteça numa crise”.Dados levantados pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) apontam que o Brasil será capaz de suprir as necessidades básicas de consumo da população. Com uma safra de grãos estimada em 251,9 milhões de toneladas, as principais culturas consumidas no País (soja, milho trigo, arroz e feijão) respondem por cerca de 97% da colheita e superam em mais de 100 milhões de toneladas o volume do consumo interno destes grãos no ano passado. “O setor não teve suas estruturas abaladas de uma forma geral. Houve queda de consumo na ponta do mercado, mas é momentânea, porque a alimentação tem que seguir”, declara o superintendente. Para ele, no setor, a crise não afetará como as demais dificuldades já vistas anteriormente. “Como o agronegócio é grande, em alguns nichos a dificuldade pode ser um pouco maior, mas, na maioria a retomada será em alta velocidade”.