Por Rodrigo Arroyo Garcia* – A safra começa muito antes do que o processo de plantio propriamente dito. A escolha dos genótipos é uma etapa estratégica e muitos critérios devem ser levados em consideração. Há uma grande oferta de genótipos no mercado, de várias empresas e com diversos níveis tecnológicos. Caso as escolhas sejam equivocadas, o produtor já começa perdendo diversas sacas, até dezenas, mesmo sem ter iniciado o plantio. Além do mais, o custo desse insumo está cada vez maior. Ou seja, não podemos errar nessa etapa do processo de produção de soja.
A cultivar é recomendada para a região?
O primeiro passo é verificar se a cultivar tem recomendação para a região. Devido à sensibilidade da soja ao fotoperíodo, a adaptabilidade de cada genótipo oscila com a latitude. Ou seja, conforme se desloca o seu cultivo para o sul ou norte. Portanto, cada cultivar tem uma faixa limitada de adaptação em função do seu grupo de maturidade. A indicação de cultivares é baseada na diversidade de ecossistemas e tipos de solo e clima. Essa indicação é resultado de testes de VCU (valor de cultivo e uso) conduzidos regionalmente e que são apresentados ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Foram estabelecidas cinco macrorregiões sojícolas e 20 regiões edafoclimáticas (RECs) distintas para pesquisa e indicação de cultivares. O objetivo é que os obtentores indiquem as respectivas cultivares segundo as macrorregiões e RECs. Vamos para um exemplo prático. Dourados, MS, está situada na macrorregião 2 e na REC 204. Naviraí, mais ao sul do estado, também está na macrorregião 2, porém na REC 202. Portanto, há cultivares mais adaptadas e que são recomendadas para os dois locais, enquanto outras, não.
E com relação às transgenias?
Como muita tecnologia já vem “embarcada” na semente, isso acaba encarecendo o custo. No entanto, não necessariamente as mais caras serão as melhores opções em determinado ambiente de produção. O produtor tem que ter isso muito claro para poder fazer as melhores escolhas. A Embrapa mantém simultaneamente três programas de melhoramento: 1. Soja convencional; 2. Soja RR (resistente ao glifosato) e 3. Soja intacta (cultivares IPRO, com resistência a algumas lagartas+resistência ao glifosato). As convencionais, além de produtivas, são alternativas para o manejo de plantas daninhas. Além do mais, há possibilidade de bônus na comercialização dos grãos. Com relação a RR, muitas empresas não lançaram mais cultivares com essa tecnologia. Ela é fundamental para as áreas de refúgio da tecnologia intacta. Nessa última safra a Embrapa lançou cultivares RR (BRS 543 RR, BRS 544 RR, BRS 467 RR) tão produtivas quanto às intactas. Portanto, a não adoção do refúgio não pode ser justificada pelo menor potencial produtivo dos genótipos RR. Finalizando, temos o grupo de cultivares com tecnologia intacta, que além de produtivas, trazem essa facilidade de manejo de lagartas na lavoura, além da resistência ao glifosato. Esses genótipos dominam o mercado de sementes na maior parte das regiões produtoras. Há municípios que praticamente 100% da área é cultivada com essa tecnologia.
E nas áreas de expansão da soja?
Um aspecto importante é que há áreas novas sendo incorporadas ao sistema produtivo, com diferentes níveis de qualidade do solo, seja por questões físicas e/ou químicas. Algumas cultivares são limitadas em alguns desses ambientes mais desafiadores. Enquanto que em uma área consolidada tem potencial de mais de 80 sacas por hectare, em um ambiente menos favorável a produtividade não passa de 50 sacas, mesmo sem haver restrição hídrica. Por outro lado, há cultivares que se comportam de forma mais estável nesses ambientes.
Cultivares x épocas de semeadura
A época de semeadura é um fator que tem grande impacto no potencial produtivo da cultivar de soja. Além do mais, o produtor também pensa no milho em sucessão. As empresas indicam as épocas preferenciais de semeadura, assim como a população de plantas, para cada cultivar em determinada região. Mais um ponto que nos ajuda a trabalharmos com maior chance de sucesso. De forma geral, a partir do início da semeadura em meados de setembro, há menor quantidade de genótipos com elevado potencial produtivo para a REC 204, por exemplo. Avançando em outubro, o cenário muda bastante, com mais opções. Para o fechamento de plantio, já em novembro, as opções diminuem novamente. Ou seja, difícil imaginar que teremos a melhor cultivar, com potencial de 80-90 sacas por hectare, durante toda essa “janela” de plantio. Aquela velha recomendação, de se trabalhar com variedades de ciclos diferentes, escalonando o plantio, continua valendo, ainda mais com a possibilidade de veranicos.
Cultivares x doenças, nematoides e pragas
Os fatores fitossanitários são extremamente relevantes. Muitas vezes o que limita o potencial da cultivar em um talhão da propriedade é a ocorrência de um nematoide, por exemplo. Nesse caso, uma cultivar com resistência a esse fator é o mais importante, e os melhores resultados provavelmente não serão alcançados com a cultivar de melhor rendimento utilizada pelo vizinho, que não tem esse problema no solo. Mais recentemente estão sendo lançadas outras tecnologias, como a tolerância ao percevejo (Block) e resistência à ferrugem asiática (Shield) que também podem ajudar o produtor na tomada de decisão, além é claro, da tecnologia intacta.
Como relatado, vários fatores são importantes na escolha da cultivar, e se esses aspectos não forem levados em consideração, as chances de se obter produtividades elevadas diminuem consideravelmente. Em contrapartida, só a escolha da cultivar não é a solução de todos os problemas, pois sabemos bem que o sucesso da safra depende de vários pontos, inclusive alguns são trabalhados em longo prazo, como é o caso do Sistema Plantio Direto.
Rodrigo Arroyo Garcia é Pesquisador da Embrapa Agropecuária Oeste