O Cerrado brasileiro é o segundo maior bioma do país e ocupa cerca de dois milhões de quilômetros quadrados em dez estados e o Distrito Federal. A grande região possui clima tropical, com estações secas e chuvosas bem definidas, e uma temperatura média anual que varia entre 21ºC e 27ºC. Por ser plano ou suavemente ondulado, o solo é adequado para plantio de grãos, agricultura mecanizada e irrigação. Por isso, o Cerrado é o território do agronegócio brasileiro de exportação, local onde cresce 60% dos grãos de soja e milho, além de produzir alguns dos melhores cafés do país.
Mas, você sabia que o Cerrado também é um bom local para plantação de uvas viníferas? De acordo com a enóloga da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (EPAMIG), Isabela Peregrino, o “terroir” [lê-se “terroá”] do Cerrado é propício para uvas devido a características do solo arenoso e com boa drenagem, do clima e da amplitude térmica entre dia e noite.
A produção de vinhos comuns no Cerrado, conhecidos como “vinhos de mesa”, existe desde os anos 1980, principalmente no estado de Goiás. Todavia, a introdução do método da “dupla poda”, técnica desenvolvida por Murilo Albuquerque, da EPAMIG, proporcionou a plantação e a colheita de uvas no Cerrado que dão origem a vinhos finos. O destaque fica com a uva Syrah, variedade que mais se adequou a técnica ao longo de quase vinte anos de pesquisa. Só em 2006, a EPAMIG já havia produzido dez mil garrafas de vinho tinto Syrah no município de João Pinheiro (MG), no Vale do Paracatu.
A dupla poda é o método adotado para produzir uma uva que, em condições naturais, não apresentaria a qualidade necessária para elaboração vinhos finos em determinadas regiões do Brasil. A tecnologia consiste na inversão do ciclo produtivo da videira, que altera para o inverno o período de colheita das uvas viníferas. Isabela Peregrino explica que a videira recebe duas podas anuais e a colheita das uvas ocorre apenas no inverno.
Segundo a pesquisadora, os primeiros projetos de vinhedos com utilização da dupla poda no Cerrado foram implantados em 2003 nos municípios de João Pinheiro (MG) e Pirapora (MG). Em seguida, a técnica foi adotada também por produtores do estado de Goiás. Hoje, segundo Isabela, existem projetos que utilizam a dupla poda em vários municípios do Triângulo mineiro, região do Cerrado, como Patrocínio, Cruzeiro da Fortaleza, Patos de Minas, Araxá e Sacramento.
Um vinho fino com terroir de Cerrado
Um dos vinhos que vem do Cerrado brasileiro é o Syrah Bambini, da Fazenda Fortaleza, município de Cruzeiro da Fortaleza (MG), no Alto Paranaíba. Os responsáveis pelo vinhedo são Flávio Bambini e Ana Paula Bambini. Conhecidos como produtores de café, em 2015 o casal deu início ao Projeto Fortaleza. O objetivo é desenvolver um novo terroir de vinhos finos no Brasil. A primeira safra do Syrah Bambini saiu em 2017.
O trabalho da Fazenda Fortaleza faz parte do Projeto “Vinhos do Cerrado”, mais uma iniciativa para implantar a vitivinicultura na região. O projeto é uma iniciativa de produtores de café do Cerrado mineiro e conta com 20 participantes espalhados em dez hectares. Os produtores têm assistência de empresas públicas, como a EPAMIG, Emater-MG, Embrapa, de universidades, e da estrutura de governo do estado de Minas Gerais.
O vinho Syrah Bambini é vinificado no Campo Experimental da EPAMIG em Caldas, Sul de Minas. Flávio Bambini conta que foi assessorado por especialistas para a implantação do vinhedo com base nas características do solo e do clima da região. “Frederico Novelli, da Vitacea Brasil, nos assessorou na implantação do vinhedo. Vimos a possibilidade de usar a tecnologia de manejo da dupla poda, da EPAMIG, que permite que a maturação da uva ocorra no outono e inverno, e não no verão. Isso deixa a uva mais madura para a vinificação”, detalha Flávio.