Pecuária

Doenças: de olho na eficiência reprodutiva

Há uma lista bem servida de doenças que podem causar problemas de fertilidade no rebanho. Confira quais são e como lidar com elas.

Em propriedades que têm o ciclo da cria como uma importante atividade se faz necessário o estabelecimento de um cronograma adequado de controle e prevenção de determinadas patologias que podem influir negativamente nas safras de bezerros. As doenças infecciosas, que tanto podem ser de origem bacteriana, viral ou parasitária, afetam o sistema reprodutivo, tanto dos machos como das fêmeas, impedindo a fecundação, causando abortos ou mesmo ocasionando o nascimento de bezerros com porte inferior à média, sendo também responsáveis pelos baixos níveis na taxa de natalidade.

Na maioria dessas enfermidades da esfera reprodutiva, o sinal mais frequente, no rebanho, é a repetição de cio e abortos, até mesmo em função das condições do manejo extensivo. Entre elas, destacam-se como principais a brucelose, a campilobacteriose genital bovina, a tricomoníase bovina, a leptospirose, a rinotraqueíte infecciosa bovina (IBR), a diarreia viral bovina (BVD) e a neospora. “Esta última, atualmente, vem causando preocupação à bovinocultura, em especial à leiteira, mas também há relatos de prejuízos significativos à pecuária de corte”, explica o médico veterinário, Fabio Morato Monteiro, especialista em Reprodução Animal e pesquisador do Instituto de Zootecnia de São Paulo (IZ). “A neospora está no grupo dessas doenças que causa aborto, absorção embrionária e que leva ao nascimento de bezerros mais fracos. Trata-se de uma doença emergente”.

O agente patológico nesse caso é um protozoário (Neospora caninum) que possui o cão como um hospedeiro definitivo. A transmissão do canino para o gado se dá pela contaminação das pastagens ou da água pelas fezes do animal. Entre bovinos, a disseminação pode ocorrer também pela contaminação das fezes ou pela transmissão vertical (congênita), ou seja, via cordão umbilical, da vaca para o bezerro.

“O protozoário afeta tanto machos como fêmeas, no entanto, é nas fêmeas que mais serão percebidos os sintomas da doença, através das perdas reprodutivas como aborto, morte embrionária, diminuição do ganho de peso nos animais, repetição de cio, aumento do tempo de concepção e, consequentemente, infertilidade. No caso de transmitir isso ao bezerro, o animal será mais fraco, terá dificuldade de ganhar peso”, acrescenta Monteiro.

Apesar de já haver uma empresa fabricante da vacina de neospora, o pesquisador diz que não tem informação sobre a eficácia do medicamento. O manejo de prevenção seria evitar o contato do cachorro com o rebanho ou mesmo nas áreas de pastagem. É igualmente recomendável que se faça um isolamento de galpões de armazenagem de sal mineral, ração ou silagem, para que o cão não venha contaminar esses itens.

Brucelose

Entre todas, esta é realmente a mais importante, pois, assim como a aftosa, possui um controle obrigatório preventivo, feito através da vacinação. De acordo com dados da Embrapa Gado de Corte, o cronograma de imunização pode compreender os meses de novembro a junho, sendo fevereiro, a melhor época. A doença é causada pela bactéria Gram negativa Brucella abortus, pertencente à família ?2-Proteobacteriacea. “Em bovinos, ela provoca abortos, nascimento de bezerros mortos ou fracos, em consequência de lesões necróticas na placenta da vaca, pleurite fibrinosa com pneumonia intersticial nos bezerros, e ainda provoca a mastite”, afirma Flábio Ribeiro de Araújo, pesquisador e especialista em imunologia da Embrapa Gado de Corte, em Campo Grande (MS).

A doença está presente em todo o País, e segundo o último levantamento coordenado pelo Mapa, a prevalência ficou mais acentuada no Estado de Mato Grosso do Sul, em 2010, com o registro de 41,5% dos focos no Brasil. É seguido por Mato Grosso, com 41,2%, Rondônia (35,2%), Tocantins (21,2%) e Goiás (17,5%).

A vacinação é obrigatória para fêmeas entre três e oito meses de idade, e ainda é necessário que esses animais sejam marcados, utilizando-se ferro candente, no lado esquerdo da cara, com um V, acompanhado do algarismo final do ano de vacinação. “Além disso, esse manejo tem de ser feito sob a responsabilidade técnica de um médico veterinário cadastrado, utilizando dose única de vacina viva liofilizada, elaborada com amostra 19 de Brucella abortus (B19)”, ressalta Araújo.

O pesquisador alerta ainda que é proibida a utilização da vacina B19 em machos de qualquer idade e em fêmeas com idade superior a oito meses – com obrigatoriedade da comprovação de vacinação das bezerras na unidade local do serviço de defesa oficial, no mínimo uma vez por semestre. “A vacinação de fêmeas com idade superior a oito meses poderá ser autorizada com imunógenos que não interferem nos testes de diagnóstico”, acrescenta.

O pesquisador destaca alguns avanços no controle da doença em regiões definidas no Estado do Rio Grande do Sul, com a associação de forças entre entidades governamentais e privadas, visando a indenização de produtores com animais infectados. Outra proposta que também contribui no sentido de erradicação da doença é o pagamento diferenciado em leiterias para produtores que aderem ao Programa Nacional de Controle e Erradicação da Brucelose e Tuberculose Animal (PNCEBT). “Algumas instituições de pesquisa, como a Embrapa Gado de Corte, têm trabalhado na obtenção de vacinas mais eficientes, que não interfiram no diagnóstico e que sejam geneticamente atenuadas. Tais tecnologias terão impacto significativo na aceleração do programa de controle da doença no Brasil”, acredita.

Campilobacteriose e tricomoníase

A doença é causada por Campilobacter fetus venerealis e normalmente é transmitida pelo touro contaminado no momento da monta. Este agente pode causar infertilidade temporária, morte embrionária precoce e repetição de cio. O conhecimento da incidência da doença nos animais, através de diagnóstico laboratorial, é muito importante para que se possa avaliar e selecionar os touros para a estação de reprodução e da viabilidade de vacinação das vacas antes da estação.

Em via semelhante de sintomas e transmissão está a tricomoníase bovina, causada pelo agente Trichomonas foetus, que é um protozoário. A enfermidade pode ocasionar perda embrionária precoce (infertilidade temporária) e abortos. A transmissão ocorre durante o coito e a maioria dos touros permanece infectada. A vaca infectada recupera-se espontaneamente durante um período de repouso sexual acima de 90 dias. Desta forma, é importante a identificação dos touros contaminados através de exame laboratorial, para que se possa selecionar animais livres desta doença para a estação de reprodução. “Nesses dois casos, então, a maior transmissão se dá justamente pela cópula dos animais”, diz Moreira. “E eram consideradas – ou ainda são atualmente – doenças venéreas dos bovinos. Estas têm grande importância para a pecuária de corte porque ainda há muita gente que trabalha com a monta natural”.

No caso da campilobacteriose genital bovina, de acordo com o pesquisador do IZ, a moléstia é “silenciosa”, não sendo perceptível, por exemplo, a repetição de cio, a não ser que o produtor faça um rigoroso controle zootécnico da propriedade. Nesse relatório seriam averiguados como está o período entre partos, que em geral é de 12 meses. Se houver essa idade aumentada, é possível que a doença esteja no rebanho. Para Moreira o melhor método de prevenção de ambas as doenças está na adoção da técnica de inseminação artificial (IA), o que minimiza a transmissão da doença. No caso da opção da monta, uma boa pedida é a utilização de touros mais jovens, pois estes não seriam tão propensos quanto os mais velhos a terem esses agentes na região do prepúcio.

Leptospirose

A leptospirose é uma enfermidade bacteriana causada pelo gênero Leptospira sp. que pode causar comprometimento de hemácias através de episódios hemolíticos, lesões renais, hepáticas e abortos no terço final da gestação. É importante o diagnóstico laboratorial para a identificação dos agentes que estão sendo os responsáveis pela infecção do rebanho, no sentido de se optar por uma vacina para o controle direto desses agentes patológicos.

Em rebanhos onde a incidência é alta, recomenda-se a vacinação de todos os animais, de acordo com a recomendação do fabricante da vacina escolhida, bem como o controle dos roedores, como prevenção aos riscos de infecção. Outra forma de prevenção Para essa doença é importante destacar o trabalho de higiene dos bebedouros e das cocheiras.

Doenças virais

A rinotraqueíte infecciosa bovina (IBR), de acordo com dados da Embrapa Gado de Corte, é causada por um herpes vírus que acarreta perdas econômicas, principalmente por abortos, morte de bezerros recém-nascidos, broncopneumonia, encefalite, conjuntivite e perda de peso. Após a infecção, o vírus se mantém no animal de forma latente e pode ser reativada periodicamente após estresse ou tratamento com corticoides.

Esses animais servem como fonte de infecção através de secreções nasal, ocular, vaginal e em fetos abortados. O diagnóstico laboratorial é muito importante antes da vacinação, para que se possa realizar um controle adequado do rebanho. O uso adequado da vacina é muito importante devido às peculiaridades deste tipo de vírus.

Já a diarreia viral bovina (BVD), do gênero Pestevirus, acarreta perdas econômicas por aborto, infertilidade, defeitos congênitos, natimortos e atraso no desenvolvimento dos animais infectados. A doença das mucosas é uma forma esporádica de infecção por este vírus que acomete bovinos de seis meses a dois anos de idade com baixa morbidade. A imunossupressão causada pelo vírus leva os animais a adquirirem outros tipos de doenças com recidivas constantes. A diarreia aparece como sintoma geralmente em rebanhos não vacinados e na faixa etária de seis meses a um ano de idade.

O controle pode ser realizado através do diagnóstico laboratorial para avaliação da situação do rebanho e o uso adequado de vacinas. A vacinação deve ser recomendada para fêmeas de reposição na idade de 8 a 12 meses de idade com revacinação próxima à monta.

A melhor estratégica

Nos casos de falhas na reprodução, normalmente a fêmea é incriminada, mas, como ficou claro, principalmente nos casos em que a transmissão da doença se dá através da monta, que os machos ocupam um lugar importante no controle dessas enfermidades.

Nos prejuízos econômicos provocados pelo insucesso de cobertura, retorno ao cio ou falha na parição, indicados pela taxa de prenhez e natalidade, as doenças da reprodução possuem um peso importante. Portanto, um controle preventivo dos machos e fêmeas é essencial para a obtenção do maior índice de nascimento de bezerros e, consequentemente, a maior rentabilidade. No entanto, é válido ressaltar que isso acarreta um custo para o produtor, visto que, no cronograma sanitário, são obrigatórias as vacinas de febre aftosa e brucelose. Nesse sentido, é fundamental um olhar mais atento aos lotes de animais para poder se traçar a melhor estratégia vacinal e garantir os índices de produtividade sem onerar a produção.

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