Pecuária

Carne: na era da informação

“Todo esse patrimônio de informação que eu construí, em algum momento, não só no quesito financeiro, mas o meu negócio em si deverá ser mais valorizado”, destaca Ricardo Arantes.

A fazenda possui um rebanho de 62 mil cabeças. As raças Senepol e Nelore são as trabalhadas na propriedade em sistema completo de cria, recria, engorda e terminação em confinamento – dois para ser mais exato (um, que fica na sede da fazenda em Ariquemes e o outro, no município de Comodoro, no Estado de Mato Grosso).

A maior necessidade de Ricardo Arantes, administrador de empresas e pecuarista de corte, era a informação – quanto mais e melhor ela fosse, melhores seriam os resultados obtidos no campo. E não foi um trabalho fácil reunir os dados que ele precisava, ou mesmo que nem imaginava precisar um dia, mas, ao final, a partir dessa ferramenta puramente intelectual e estatística ele, juntamente com o irmão, João Arantes Neto, pode transformar um patrimônio de cerca de 18 a 20 mil cabeças de gado em 62 mil. No início eram informações básicas como o número do rebanho, quantas vacas, bezerros, a taxa de natalidade e mortalidade. Aos poucos, com crescimento da atividade, informações sobre o patrimônio genético da fazenda eram necessárias serem colhidas e controladas. Agora, já na gôndola do supermercado, é possível saber a história do bife saído lá do município de Ariquemes (RO), onde, há cerca de 38 anos o trabalho tinha dado início – sem mesmo ser imaginado pelo patriarca da família, João Arantes Júnior.

Mineiro de nascença, João se estabeleceu no Estado de Rondônia, com esposa e filhos, em busca de ganhar dinheiro a partir do ramo imobiliário, como conta o filho mais velho dele, Ricardo. “Meu pai começou a formar negócios nesse ramo pela região, mas logo com a crise de 1974, ele viu que isso não daria muito certo. Com o passar dos anos e as questões de conjuntura político-econômica do País, na época, ele começou a repensar o negócio da família. Foi daí que surgiu a ideia de lidar, além do ramo imobiliário, com um sistema de produção, até para garantir valorização das terras e melhorar a liquidez a partir do que se fosse produzir”.

A pecuária de corte foi a opção de seu João, que era filho de produtores rurais. A lida, na então propriedade Agropecuária Nova Vida, era concomitante à atividade imobiliária, no entanto, só esta última detinha o foco do empresário. Com a entrada dos dois filhos dele, já no início da década de 1990, é que o negócio da pecuária pôde ser trabalhado com mais empenho, visando a busca de resultados.

Do velho ao novo

Se ter um chip na orelha do boi, que contasse a história do animal desde o nascimento dele, fosse algo totalmente impensável naquela época, imagine então ter de iniciar um trabalho de seleção genética a partir da inseminação artificial nas vacas – ‘história para doido’, diriam os pecuaristas tradicionais naquele tempo. E foi justamente o que Ricardo começou a implantar na fazenda, que ainda estava no comando do pai. “No primeiro ano, meu pai registrava um rebanho de seis mil vacas”, lembra Ricardo, “eu inseminei 300, e ele achava que aquilo não ia funcionar. Depois de ter visto que funcionava, já queria inseminar todas as fêmeas naquele mesmo ano – então não tinha um meio termo”.

O estilo ressabiado e controlador de ser de seu João não permitia muita interferência dos filhos no negócio, mas com passar do tempo, e ainda coma ajuda do irmão, Ricardo foi conseguindo fazer com que o pai enxergasse os benefícios de se implantar um sistema melhor estruturado, com incremento de tecnologia, rentável e com os pés no chão na bovinocultura de corte.

….Nas conversas que tinha com o pai, Ricardo conta que enfatizava o melhor desempenho da produtividade da fazenda, a partir de uma geração de renda superior que o número de despesas. “Para isso, precisávamos medir quantas vacas tínhamos, quantos bezerros eram paridos, qual era o índice de natalidade, de mortalidade, qual era a taxa de desfrute de nosso rebanho”, enumera Arantes.

Nesse sentido, o negócio adentrava num caminho sem volta – o da informação, ainda que de forma embrionária. Para isso então foi necessária uma mudança no corpo administrativo da fazenda, saiu a figura do capataz para a entrada de administradores, médicos veterinários e zootecnistas para cuidar que toda a tecnologia possível a ser empregada adequadamente, além de assegurar que as informações de todo o negócio fossem colhidas com melhor apuração, crescendo quantitativa e qualitativamente.

A era das parcerias

Todo um trabalho de desenvolvimento de um banco valioso de informação culminou, num sistema de rastreamento completo e com uma certificação da carne produzida pelo selo Qualibeef – ideia concebida pela empresa de consultoria especializada em empreendimentos agropecuários, Ruralconsult, em conjunto com a Seal, especialista em desenvolvimento de tecnologia de sistemas de gestão e rastreabilidade de dados. “Já tínhamos o contato com a Agropecuária Nova Vida e já vínhamos trabalhando junto com eles, auxiliando-os num processo inicial de coleta de dados do rebanho para fazer o rastreamento desses animais”, diz Olimpio de Figueiredo Rossetti Júnior, diretor da Ruralconsult.

A partir de um sistema de coleta, transmissão e consolidação de dados, desenvolvido pela Seal, foi possível dinamizar o processo de captação da informação. Segundo Fernando Claro, vice-presidente de operações da empresa, um chip com tecnologia de leitura à distância (RFID, sigla em inglês para Identificação por Radiofrequência) é inserido em brincos que são fixados nos animais – esse se torna o RG do animal. A partir de um pequeno aparelho portátil é feita a leitura do chip e são informados aí o manejo com o animal. O aparelho transmite essa informação a um servidor (um computador) que armazena todas as informações colhidas.

A intenção é levar a atividade pecuária à era financeira, com rendimentos próprios de mercado de capitais. De acordo com Rossetti Jr., a grande vantagem é a maior integração no sistema de produção de carne, entre produtor, frigorífico, consumidor e agente financeiro, entre outros atores ligados à cadeia produtiva da carne.

Na opinião de Ricardo Arantes, a Ruralconsult conseguiu fazer a pecuária virar uma commodity com garantia de renda superior, com dia e hora para liquidar. “Hoje, por exemplo, posso saber que 252 cabeças, individualizadas cada uma, estão na fazenda ‘x’. O chip eletrônico informa no GPS onde esses animais estão, com quem estão, que pessoa está lendo essas informações, que tipo de evento está sendo feito no curral, se estão vacinando ou mesmo vermifugando os animais. Isso realmente é muito mais informação do que eu pretendia”, declara.

Na opinião do pecuarista, ele não está somente no programa Qualibeef para garantir que a carne pudesse valer mais, mas, também, que o bezerro dele valesse mais na hora que fosse vendido. “Todo esse patrimônio de informação que eu construí, em algum momento, não só no quesito financeiro, mas o meu negócio em si deverá ser mais valorizado”, destaca.

A dinâmica da produção

Seu João não pode presenciar aqui em terra, o que a atividade dele se tornaria – doente desde 2000, morreu em 2003. Mas fora ele que iniciou o contato, a princípio, de amizade com o gestor da Ruralconsult. E a partir daí que se pode dinamizar e elaborar planos estratégicos para o incremento da produção, como, por exemplo, o estabelecimento de parcerias com produtores vizinhos para a produção de bezerros.

Foi constatado que a propriedade chegaria a um ponto que não comportaria mais animais, foi daí que surgiu a ideia de entregar fêmeas para serem cuidadas por esses ‘fazendeiros-parceiros’. Ricardo levava o sêmen, inseminava a vaca e, daí em diante, acompanhava o nascimento dos bezerros, auxiliando com as vacinações e os devidos tratamentos iniciais da rês. “Era uma parceira que eu vistoriava meu parceiro, mas, ao mesmo tempo que vigiava o gado. No dia da desmama eu ficava com x% dos animais nascidos e o restante era desse parceiro”.

Outra ideia interessante foi com a comercialização de touros da Agropecuária Nova Vida, que já era de praxe. O conselho foi implantar uma venda financiada de touros, para quem não tivesse dinheiro no ato da compra. O comprador tinha um ano para retornar o valor do animal, em bezerros. Se o mesmo produtor retornasse a comprar, duas ou três safras depois, Ricardo receberia de volta justamente a qualidade genética que ele mesmo criou.

Atualmente a fazenda possui um rebanho de 62 mil cabeças. As raças Senepol e Nelore são as trabalhadas na propriedade em sistema completo de cria, recria, engorda e terminação em confinamento – dois para ser mais exato (um, que fica na sede da fazenda em Ariquemes e o outro, no município de Comodoro, no Estado de Mato Grosso). Numa área de 700 hectares é cultivado milho para a produção de silagem aos animais. Ainda fazem parte da realidade da Agropecuária Nova Vida, uma escola de inseminação artificial (fundada em 1999), currais informatizados e um laboratório de fertilização in vitro (FIV).

O abate está numa média de seis a oito mil cabeças por ano, de acordo com Arantes. A intenção dele é chegar com um rebanho no patamar de 100 mil cabeças, todas devidamente rastreadas e controladas – um número administrável, segundo ele, que desabafa, “eu nunca teria crescido tanto na área de pecuária se não fosse por essa qualidade e quantidade de informação que tive ao longo desses anos”.

O grande desafio para isso é a falta de mão de obra capacitada e qualificada para poder alavancar ainda mais a produção na propriedade. Como a informação é a maior ferramenta que Ricardo possui, ele precisa que esses profissionais sejam capazes de poder lidar com esse patrimônio inteligível.

“Só confio numa informação de qualidade, e ainda acho que estou muito longe do ideal, tanto na parte de software e hardware como também na parte de gente. Não é só ter o dinheiro, comprar o identificador, comprar o leitor, ter um banco de dados e ter alguém para gerenciar isso. É realmente preciso haja uma pessoa com vontade para trabalhar com essa informação, na busca constante por melhores resultados”, conclui.

A primeira grife de carne

A carne produzida pela Agropecuária Nova Vida recebeu o selo Qualibeef e pode ser encontrada nas gôndolas do supermercado também com o uniforme do Corinthians. Essa foi a estratégia de marketing dos frigoríficos Frialto e Frigo-Premium, que detêm o direito do uso da marca do time de futebol paulista. “O objetivo é garantir que frigoríficos, grifes, varejistas e consumidores tenham acesso imediato a dados que atestem a procedência e a qualidade do alimento”, explica Rossetti Jr.

Sistemas como estes são cada vez mais usados ao redor do mundo e vão ao encontro não apenas das questões de certificação de procedência dos produtos, mas andam lado a lado com as questões de sustentabilidade.

Através da página de Internet, www.qualibeef.com.br, os consumidores podem chegar a procedência do alimento e conhecer melhor essa tecnologia de rastreabilidade.

Seu José e os cientistas

Era idos do final dos anos de 1980 – algo entre 1987 e 1988 – quando chegou um grupo de cientistas da Universidade de São Paulo (USP), principalmente da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (Esalq), de Piracicaba (SP), relata Ricardo Arantes. Eles foram pedir para seu João se poderiam montar um acampamento na fazenda para medir o efeito dos gases de efeito estufa (GEE), prejudiciais à camada de ozônio. “Naquela época ninguém falava de efeito estufa, então meu pai nem entendeu direito o que aquele pessoal queria de fato”.

Nisso, passaram-se um, dois, três anos, e depois de oito anos, seu João lembrou-se daquele povo, e foi ver se ainda estavam por lá – e estavam. O fazendeiro perguntou o que tanto faziam por ali. Nessa altura do campeonato, já se falava no ecologicamente correto e ouviam-se rumores de que a pecuária estava acabando com a camada de ozônio no mundo, e que também, por causa disso, a Amazônia viraria um deserto.

Mas os cientistas explicaram ao seu João, com bases nos estudos e pesquisas, que eles estavam preocupados com essa questão do efeito estufa já há muitos anos, mas nunca ninguém havia medido isso. Eles também disseram estar preocupados com a diferença entre as atividades de agricultura e pecuária – que tipo de benefício ou malefício cada uma poderia causar a uma floresta. Esse era o estudo que eles vinham fazendo ao longo daqueles oito anos de pesquisa lá na propriedade de seu João.

Como um bom mineiro, bem desconfiado, ele então exclamaria: “Ah, entendi! Vocês vão me caguetar, lá ‘pros’ ecologistas. Aí, eles vão achar que…”

Ao que os cientistas responderam: “Não seu João, não é nada disso. O nosso trabalho é científico, a gente está percebendo que em áreas de pastagem bem manejadas, num solo propício, não arenoso, existe a fixação de nitrogênio, e aí não há perda. O grande problema é o CO2, na queimada, mas, dependendo do tipo de formação que o senhor faz, não há danos ao meio ambiente”.

A partir daí, eles começaram a desmistificar que a pecuária não era tão vilã como se imaginava. Mas, na época, seu João não confiou muito nisso. Eles ainda esclareceram que, para um tipo de pesquisa como essa, são necessários mais de dez anos de estudos.

Passados 12 anos de pesquisas, eis que os cientistas foram até seu João para provar que as teorias que eles tinham, anos atrás, estavam corretas. O discurso era que o pecuarista não era o desmatador que se pintava, mas eram necessárias algumas diretrizes a serem seguidas. Foi nesse momento que seu João comprou a ideia e passou acreditar no que os pesquisadores estavam dizendo, e começou a aplicar isso na fazenda, estruturando um modelo de produção que fosse pautado tanto na área econômica, ecológica, como social da propriedade, com orientações, cursos de capacitação e escolas para funcionários.

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