Dar ao agronegócio o verdadeiro valor que ele merece e cobrar do próximo governo soluções para problemas de infraestrutura, logística, sanidade, questão cambial, má política de exportação e de juros, entre outros pontos, são as principais reivindicações do setor a FULANO DE TAL, que assumirá a presidência da República no próximo ano.
Além desses assuntos, o presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB), Cesário Ramalho da Silva, em entrevista à repórter Cíntia Rocha, faz um breve balanço do atual mandato de Luis Inácio Lula da Silva e aponta de que forma a SRB tem trabalhado a mais de 90 anos em prol da agricultura e pecuária nacional.
Revista Rural – Com PORCENTAGEM dos votos, o Brasil elegeu FULANO DE TAL, como governante do nosso País para os próximos quatro anos. Na sua opinião, de que forma ELE (A) deverá encarar e conduzir os assuntos relacionados ao agronegócio levando em conta a importância do setor para o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro?
Cesário Ramalho – Infelizmente, na fase inicial da campanha, tanto no 1º quanto no 2º turno, notamos que não houve por parte dos candidatos um debate efetivo sobre a questão rural. É possível fazer essa avaliação levando em conta as conversas que tivemos com os presidenciáveis e, por isso, teremos de trabalhar bastante para aumentar a participação do agronegócio. É fundamental que nosso setor debata, ouça e tenha algum poder para falar sobre as políticas que serão feitas inclusive na área ambiental. É lamentável que estivemos tão fora das discussões. Levemente, vimos algum debate sobre a questão da infraestrutura, da logística e sobre o prejuízo que está causando a questão cambial.
Rural – Mas o senhor acredita que há como reverter essa situação?
Ramalho – A questão me preocupa, porque o que mais o agronegócio precisa é conquistar um valor político, similar à importância econômica que ele detém. Não estamos conseguindo dar ao setor essa valorização na mesma relação. Quando falamos em economia, o agronegócio representa cerca de 1/3 do PIB, tem fantástica representatividade em volume de empregos, na balança comercial, por exemplo, e nós não conseguimos expressar direito isso. Ainda temos de trabalhar bastante para alertar essa importância da produção rural no âmbito federal.
Rural – Nesse sentido, como os assuntos relacionados ao campo foram tratados durante o mandato do presidente Lula? Como analisa o desempenho rural e o que de fato mudou para o produtor nesses anos?
Ramalho – Em um balanço geral, o mandato de Lula tem fatores positivos e negativos. Infelizmente, as questões estruturais internas da agricultura ficaram praticamente no mesmo estágio de quando ele assumiu. Se nós compararmos, tivemos uma renegociação bárbara – no mandato (1995 a 2002) de Fernando Henrique Cardoso – com prazo e juros bem adequados. Agora, terminamos o mandato da gestão de Lula e as renegociações são mínimas, estamos com uma dívida imensa no setor. Avançamos muito pouco na questão da infraestrutura que tanto impacta no agronegócio. Tivemos vários cortes nas verbas que influenciaram, por exemplo, em programas sanitários. Não conseguimos em oito anos eliminar a febre aftosa do País. Poxa, vida! É uma coisa primária, exterminar essa doença. À sanidade, foi dada pouca importância. Temos problemas em relação à questão cambial, na saída desse governo, que é consequência de uma má política extremamente alertada não só pela comunidade agrícola, como por todas as outras. Pagamos internamente os mais caros juros do mundo e impostos por todos os programas estruturais, e não temos o retorno disso. O governo Lula finaliza a gestão dele deixando o agronegócio em uma situação difícil, além do que já era na época de FHC. Acentuou-se nessa gestão, porque houve incremento na produção, as tecnologias foram aplicadas, as produtividades aumentaram, o volume de grãos cresceu, e isso criou o embaraço nas estradas e nos portos, que não comportavam essa demanda. São questões difíceis que o governo Lula não superou.
Rural – Externamente, qual é a imagem do Brasil? Em uma entrevista no final de 2008, o senhor destacou a atuação do atual presidente na prospecção de novos mercados e o discurso de Lula sobre a questão dos biocombustíveis. Nesse sentido, qual a sua visão sobre as relações internacionais?
Ramalho – Lula focou muito em um marketing promocional eleitoreiro. Conseguimos observar isso com o passar do tempo. Em muitos fóruns quando ele defendeu o etanol, é porque esse item deu ao Brasil e também a ele visibilidade. É fato que o presidente foi um grande defensor na abertura de mercados brasileiros e das carnes. Externamente, o governo Lula foi razoável, mas deixou de cobrar, por exemplo, do Ministério das Relações Exteriores, o Itamaraty. Um exemplo disso, é que o próprio ministro Celso Amorim foi frágil na questão do subsídio do algodão aos Estados Unidos. Não tivemos uma política agressiva. O Chile, por exemplo, proibiu a carne brasileira, por que não proibimos a entrada do vinho chileno no Brasil? É uma política na qual não se criam grandes atritos. Foi uma política bondosa, generosa, desde que ela sempre estivesse enaltecendo a figura do presidente.
Rural – Levando em conta esse cenário, o quanto realmente ‘falta’ para que o País alcance a posição de celeiro mundial? Estamos muito distantes desse patamar?
Ramalho – Sou otimista quanto a isso.Temos sim muitos problemas, mas somos um País adequado, com condições climáticas favoráveis, competência extraordinária de pesquisadores e espetacular do empresariado brasileiro, que inova e renova assimilando tecnologias e, por tudo isso, acredito que o Brasil vai crescer com toda certeza. Resta agora o novo governo assumir. Como é que o setor rural quer mudar o câmbio? Precisamos ter uma fórmula, uma maneira na qual ou se arruma o câmbio ou dá subsídio para o produtor rural, porque é impossível produzir com essa disparidade monetária do jeito que está e com todas essas dificuldades estruturais.
Rural – E o quanto pesam as questões do crédito e seguro rural nesse contexto?
Ramalho – É preciso ampliar a questão do seguro. Como é que vamos arrancar metade dos pomares de laranjas paulistas sem termos um seguro? O pequeno e o médio produtor necessitam do seguro. Tivemos infelicidades climáticas fantásticas na safra 2008/2009, na qual perdemos aproximadamente 25% da safra de grãos do Paraná, por exemplo. Fica a pergunta: Quem é que pagou por isso? O seguro ajuda o produtor a crescer e faz com que o setor receba mais recursos. Se a agricultura tiver renda e seguro, ela não precisa de um crédito rural. O crédito chega, e se o Brasil deixar de ser um recordista mundial de juros e passar a ter um juro igual no mundo, o dinheiro vai chegar ao setor. O crédito rural acaba servindo para cobrir as ineficiências estruturais do País, que o governo Lula não teve competência para arrumar, não teve entusiasmo para resolver. Faltou motivação, interesse político e do governante, que tem de ter entendimento de um país maior, de repente, isso é uma questão ideológica. O presidente da República tem de ser um homem grande, um homem maior do que tudo. Estamos falando do maior setor do País e temos de dar a ele a devida importância pelo tamanho que tem.
Rural – Diante de tudo isso, qual tem sido o papel da SRB como representante da classe? Quais são as principais ações feitas pela entidade no momento?
Ramalho – Estamos constantemente em atividade nos mais variados sentidos. Realizamos e frequentamos fóruns, apresentamos artigos publicados em veículos diversos veículos do País, a exemplos dos jornais O Estado de São Paulo, Folha de São Paulo e Correio Brasiliense. Estamos permanentemente noticiando as dificuldades todas do setor. Temos contato com a bancada ruralista no Congresso, subsidiando ela, informando-a sobre esses entraves que temos. Procuramos fazer com que a sociedade entenda a importância da agricultura. Temos um relacionamento perfeito com todas as entidades do setor, apoiando a todas indiscriminadamente.
Rural – Na sociedade falta esse entendimento?
Ramalho – No nosso discurso, ressaltamos que o brasileiro precisa ter um carinho pela agricultura, respeito e, acima de tudo, tem de ter orgulho dela, que é extremamente profissionalizada, técnica e que privilegia a sustentabilidade. O agronegócio brasileiro, hoje, para continuar a crescer, não mais precisa derrubar mais nenhuma árvore. Ele vai crescer pelo conhecimento, pela tecnologia, pela inteligência que temos buscado nos pesquisadores, nos mais variados órgãos de pesquisa, a exemplo da própria Embrapa.
Rural – Hoje, quais são os números da SRB?
Ramalho – Isso tudo é uma complexidade. A entidade tem em torno de 2.500 sócios aproximadamente e procuramos interagir com cada um deles. Temos um grupo de 12 diretores, 20 conselheiros e 21 departamentos. Então, uma forma da entidade permanecer em contato com eles é pela comunicação por meio do suporte que temos de nossa diretoria, conselho, entre outros. Evidentemente, não é possível conversar com cada um dos nossos sócios, por isso, vamos a campo no interior, por várias regiões brasileiras e contatando um presidente de associação aqui, um diretor de entidade ali. Assim vão se formando as demandas.
Rural – A entidade a qual o senhor preside tem mais de 90 anos de existência. É uma história que cresce junto com a do agronegócio brasileiro?
Ramalho – Com certeza absoluta, nesses 91 anos de existência nós temos ajudado a contar a história do setor no Brasil. Dela saíram três ex-ministros de Estado da agricultura, Paulo de Moraes Barros, Renato da Costa Lima e Roberto Rodrigues. O atual secretário da agricultura do Estado de São Paulo, João Sampaio, foi o presidente da entidade antecessor ao meu mandato. Já tivemos ao longo da nossa história mais de dez secretários da agricultura de São Paulo e vários diretores nossos foram para entidades importantes do setor. Dentro da entidade nasceram uma série de coisas, a exemplo da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), do Fundo de Desenvolvimento da Pecuária do Estado de São Paulo (Fundepec). Surgiram também as grandes questões dos subsídios internacionais do açúcar e do álcool, a Federação das Associações Rurais do Mercosul (Farm), entre outras. Na constituinte de 1988, fundamos um órgão especialmente para avaliar e propor sugestões envolvendo vários grupos empresariais nacionais, entidades e associações. Juntos, apresentamos um número significativo de trabalhos aos constituintes dos mais variados setores, como o trabalhista, de fomento, fundiário e agrário. Por tudo isso, uma parte da agricultura brasileira com certeza passou pela SRB. Com abrangência nacional, somos a entidade dos grandes temas do Brasil, que pensa na agricultura de amanhã e faz isso com objetivo de evitar um incêndio e não de apagá-lo.
Rural – Quais são os objetivos de vocês?
Ramalho – O que queremos é proteger o agricultor e a agricultura brasileira, de uma forma ampla. E quando falo todos, engloba a defesa do micro, do pequeno, do médio, do grande, do mega produtor e do trabalhador rural, em suas questões trabalhistas, de segurança e etc. Defendemos o produto rural brasileiro, o complexo de cada item, passando desde os insumos que são usados na lavoura, pelo trabalho de produção, pela indústria, comércio internacional, o embarque, etc. Tudo o que de alguma forma impacta nos segmentos do agronegócio estamos defendendo.
Rural – O senhor assumiu a presidência em 2006. Além de filho, o senhor é neto e bisneto de agricultores. Fale um pouco da sua ‘relação’ com esse meio.
Ramalho – Isso é uma coisa fácil… Eu nasci e fiquei um bom tempo na fazenda. Minha família é do campo, da região do Triângulo Mineiro (MG) e a vida inteira, apesar de ser estudante, sempre estava ali ouvindo, falando e conversando sobre as coisas do campo, sobre a produção rural. Hoje tenho a alegria de ver o Brasil sendo importante nesse setor e a sociedade respeitando mais o produtor. Uma coisa que eu sempre ouvi desde que nasci era o meu avô dizer que o Brasil é um País agrícola e que precisamos dar importância a isso e, até que enfim, chegou o dia! Estamos começando! Em um futuro breve da agricultura, resolvendo essas questões estruturais, o Brasil vai seguir crescendo. Estamos lutando insana e intensamente para minimizar o problema do agricultor. E quando falamos em agricultor o que mais se prejudica sempre é o pequeno.