Agricultura

Dedo de prosa: Eduardo Daher

Depois de altas e baixas nos preços nesse ano, o setor de defensivos agrícolas enfrenta velhos desafios – o combate ao comércio ilegal de produtos, o estabelecimento de uma comunicação direta ao agricultor e a grande meta de manter a imagem íntegra do Brasil lá fora, diante da expansão do agronegócio, são alguns deles.

Em entrevista concedida à repórter Fátima Costa, o diretor executivo da Associação Nacional de Defesa Vegetal (Andef), Eduardo Daher, fala sobre esses assuntos e das principais tarefas de agora em diante da entidade, que congrega as principais empresas de defensivos agrícolas do País.

Revista Rural – No início deste ano, a indústria de defensivos agrícolas no Brasil apontava para um cenário de recuperação do setor em 2010. As estimativas indicavam um crescimento na economia mundial, incluindo um saldo positivo para o País, com um Produto Interno Bruto (PIB) em torno de 5% e 6%. Essa expectativa realmente se confirma? Há uma recuperação para as indústrias do setor?

Eduardo Daher – Sim. Há uma expectativa de crescimento do setor para 2010 de aproximadamente 4% sobre a receita de 2009. Porém, esse resultado pode ser avaliado como recuperação, pois houve um recuo de 7% nas vendas do ano passado, caindo de US$ 7,1 bilhões para US$ 6,6 bilhões, sendo o segmento de herbicidas o mais afetado. Considerando que as culturas que mais demandam defensivos estão tendo um bom desempenho, a perspectiva até o momento é positiva.

Rural – Em 2010, os números também confirmaram uma queda generalizada nos preços dos produtos, favorecendo a relação de troca do agricultor. As cestas de defensivos, por exemplo, em outubro de 2009, registraram decréscimo nos preços concorrentes (entre 0,3% e 18,9%) em comparação a 2008. Essa queda ainda é continua? Poderemos prever alta dos preços até o final do ano?

Daher – Esses números são baseados no estudo realizado pelo Instituto de Economia Agrícola (IEA), vinculado à Secretaria da Agricultura de São Paulo. Contrariando todas as tendências de alta de preços de insumos básicos verificadas mundialmente, o setor de defensivos agrícolas no Brasil tem mostrado, nos últimos anos, queda generalizada nos preços de produtos. É o que mostram os dados do IEA. Os resultados foram colhidos no Estado de São Paulo, mas podem ser estendidos às outras regiões do País, já que o Estado responde pelo maior índice, 20%, de todo o consumo de defensivos agrícolas do Brasil. No estudo do comportamento de preços corrigidos de 79 defensivos analisados, entre 2003 e 2009, verificou-se queda contínua e acentuada de abril de 2005 a abril de 2008, quando atinge o menor patamar do período. Em abril de 2009, comparado com o início do período (abril de 2003), os preços corrigidos ficaram, em média, 40% inferiores.

Rural – Hoje quais são as oportunidades no mercado de defensivos brasileiros?

Daher – O mercado de defensivos só tende a crescer no Brasil. A cada ano, ainda são descobertas novas doenças e pragas e, com a aceleração das mudanças climáticas, a tendência é que isso aumente ainda mais. O trabalho de pesquisa realizado pelas indústrias de defensivos será ainda mais essencial no futuro, contribuindo com o desenvolvimento de novas tecnologias agrícolas. Para se ter uma ideia da importância desses insumos no campo, a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), atesta que a tecnologia de controle de pragas evita a redução, em média, de 38% na produção dos alimentos. Portanto, sem aplicação de inseticidas, herbicidas, fungicidas e acaricidas na proteção das lavouras, o País colheria menos cerca de 40%, isto é, cerca de 58 milhões de toneladas na safra atual.

Rural – Em outubro do ano passado, a China enviou representantes do conselho das indústrias químicas para avaliar o mercado de defensivos brasileiro. Essa visita foi para estreitar negócios com o Brasil ou teve algum interesse especial?

Daher – O agronegócio brasileiro tem exibido desempenho magnífico e isso chama a atenção dos demais países, tanto daqueles que concorrem diretamente na produção de alimentos, como os Estados Unidos, como daqueles que dependem da produção brasileira. Este é o caso da China, um dos maiores demandantes das nossas commodities. Por isso, as autoridades e empresas chinesas olham com atenção para o setor como um todo, em seus diversos segmentos produtivos. Por exemplo, têm sido divulgadas notícias das aquisições que empresas daquele país vêm fazendo em terras agricultáveis no Brasil. Quanto ao setor de defensivos agrícolas, as 15 empresas que atuam no País em pesquisa, desenvolvimento e produção, representadas pela Andef, vêem com naturalidade este interesse. O nosso mercado de defensivos agrícolas adota os padrões internacionais e é rigorosamente regulamentado. Para que uma única nova molécula se torne o produto – herbicida, fungicida, inseticida ou acaricida – as empresas associadas da Andef pesquisam e desenvolvem em laboratórios e estações experimentais, durante cerca de dez anos, um volume entre 300 mil e 400 mil moléculas. Esse trabalho científico consome vultosos aportes de capital, entre US$ 200 milhões e US$ 300 milhões. Somente os estudos toxicológicos e ambientais respondem por cerca de 60% deste valor. Portanto, aquelas novas companhias, de quaisquer países, que se adequarem a essa rígida legislação e trouxeram ao País investimentos diretos na pesquisa e produção, serão bem recebidos.

Rural – Recentemente, vimos que a Andef teve de dar alguns esclarecimentos à imprensa. Segundo fiscalizações da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), foi apontada uma não conformidade no uso de componentes (aditivos e ingredientes inertes) utilizados na formulação de alguns produtos. O que de fato aconteceu?

Daher – Ocorreram apenas alterações na composição de formulações registradas. A Anvisa apenas comparou documentos para constatar que os produtos vinham sendo fabricados com componentes ou em quantidades diferentes daquelas aprovadas no registro. Porém, o órgão não levou em consideração as mudanças inerentes ao processo produtivo, determinando a interdição temporária de produtos, pelo prazo de até 90 dias. As modificações nas formulações ocorrem com frequência, por diversas razões: indisponibilidade, alterações, melhor performance, maior eficiência no processo produtivo, segurança, entre outras. Na realidade, os fatos devem-se, em grande parte, por uma deficiência da legislação em vigor, que não trata especificamente das alterações de componentes (ingredientes inertes e aditivos) nas formulações. A necessidade de regulamentação específica quanto às alterações de componentes nas formulações de longa data vem sendo apontada ao governo federal, pela indústria, e, de forma ainda mais insistente, desde o início do atual processo de fiscalizações, a partir de julho de 2009. Até o momento, porém, não foi apresentada uma solução definitiva ao problema.

Rural – A Andef divulgou, publicamente, em janeiro deste ano, o posicionamento assinado em conjunto com outras entidades do setor de defensivos agrícolas, no qual solicitou ao governo federal que publique uma normatização sobre algumas alterações, de modo a estabelecer critérios e procedimentos harmonizados que venham solucionar a questão. Houve alguma resposta positiva a respeito?

Daher – Reuniões conjuntas tem sido feitas com o intuito de se esclarecer e obter avanços no tema que trata da alteração na formulação de componentes. Há uma proposta de Instrução Normativa, que está sendo analisada, e esperamos que em breve se alcance um consenso. Ao mesmo tempo, há outras solicitações do setor que continuam em pauta, como a necessidade de agilizar os registros de novos ingredientes ativos. Com as fortes demandas mundiais para o agronegócio brasileiro, a chave da competitividade são as inovações.

Rural – Na sua opinião, as novas tecnologias que estão entrando no mercado não estão sendo absorvidas, ou melhor dizer, catalogadas pelos órgãos fiscalizadores?

Daher – Elas são catalogadas, mas não com a eficiência que a necessidade do mercado exige. As análises de um produto passam por três ministérios no Brasil, antes de receber o registro que permite a comercialização: Agricultura, Saúde (por meio da Anvisa) e Meio Ambiente (por meio do Ibama). Esse rigor é importante e deve permanecer, até que companhias não capacitadas deixem de atuar no mercado. O problema é que a lei concede o período de até 120 dias para que esses laudos sejam liberados, mas esperamos em média, atualmente, cerca de 16 meses. E enquanto ele não é liberado para o mercado, o agricultor tem uma opção a menos para trabalhar com rotatividade nas lavouras ou mesmo tratar novas doenças.

Rural – Em maio foi veiculada uma matéria, no Jornal Nacional (TV Globo), sobre o estudo da Academia Americana de Pediatria, na qual apontava que a substância organofosforado (grupo de compostos químicos amplamente utilizados em agropecuária como inseticidas) poderia causar o transtorno de Déficit de Atenção Hiperativa. A Andef imediatamente tomou às devidas providências de esclarecimento, na condição de uma das entidades representativas do setor, para opinar a respeito do tema. Houve algum retorno positivo quanto a essa ação? De fato o que faltou a esclarecer à população?

Daher – Esclarecer a população é de extrema importância, quando matérias com esse viés sensacionalista são veiculadas na mídia. Neste caso, por exemplo, a reportagem não tinha depoimentos de cientistas, apenas relatava superficialmente sobre o estudo. Focalizou o uso de organofosforados apenas na agricultura, o que não é verdade. Ele também é usado em residências, como composição de diversos produtos, onde há contato com toda a família, enquanto no campo seu uso é rigorosamente restrito. Além disso, os produtos formulados a partir desse insumo, no Brasil, representam apenas 3,4% dos defensivos do País. Sobre o estudo, os próprios autores consideraram tratar-se de apenas uma hipótese, mas o alarde pode causar receios na população sem justificativas. Afinal, especialistas afirmam que não há evidências científicas de que, quando os defensivos são usados corretamente, causam efeito à saúde dos agricultores e consumidores.

Rural – Neste ano, algumas reportagens mostraram o contrabando e o mercado ilegal dos defensivos agrícolas. O que está sendo feito para deter esse tipo de operação, que chega no Brasil por meio das fronteiras?

Daher – O trabalho para deter o contrabando de defensivos é realizado pelo Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Agrícola (Sindag), em conjunto com órgãos públicos de fiscalização e segurança. Eles têm um programa importantíssimo de capacitação aos fiscais de ministérios, no combate ao comércio ilegal de defensivos, além da comunicação direta ao agricultor, sobre o risco e as consequências de se adquirir produtos ilegais. O agricultor precisa se conscientizar que, ao invés de levar vantagem, ele é sempre o grande prejudicado; tanto no prejuízo que tem ao usar na lavoura um produto falsificado, sem a menor garantia, quanto nas consequências do crime, que é passível de prisão.

Rural – Nos dias de hoje, se fala tanto em agricultura moderna aliada à sustentabilidade. É possível disponibilizarmos de tecnologia que melhorem a produtividade agrícola e reduza os impactos sobre o meio ambiente? De que forma?

Daher – As tecnologias desenvolvidas pelas indústrias de defensivos têm exatamente este objetivo, de proteger as culturas de doenças e pragas, garantindo ao agricultor a produtividade máxima que as sementes são capazes de oferecer. Em termos de contribuição para a agricultura brasileira, vê-se que a adoção de tecnologias de base genética (sementes e mudas) e química (fertilizantes e defensivos) está diretamente ligada ao crescimento da produção de grãos. A informação é comprovada no relatório “Organização dos mercados de insumos e suas relações com a agricultura”, realizado pelo Centro de Conhecimento em Agronegócios (Pensa), vinculado à Universidade de São Paulo. Segundo o estudo, nos últimos 20 anos, a produção aumentou em mais de 100% resultante do incremento tanto da área cultivada quanto da produtividade, elevada em mais de 60%.

Rural – Que ações socioambientais estão sendo levadas ao campo pela entidade?

Daher – A Andef desenvolve diversas atividades de sustentabilidade e educação desde sua criação. Para se ter uma ideia, há 23 anos já era realizada uma iniciativa com enfoque na agricultura sustentável, o Sistema Integrado de Manejo na Produção Agrícola Sustentável (Simpas), que leva conhecimentos técnicos em manejo integrado de culturas aos profissionais de ciências agrárias. Outra ação é o Prêmio Andef de Mérito Fitossanitário, que neste ano teve a 13ª edição. Ele reúne os principais projetos de responsabilidade social, ambiental e de uso correto de produtos, desenvolvidos pelas empresas associadas à entidade.

Rural – Em dezembro de 2009, a Andef lançou um programa de educação e de conscientização sobre a importância da agricultura e da defesa vegetal para o desenvolvimento sustentável. Qual é o objetivo deste programa?

Daher – Trata-se do Eco Vegetal, lançado em parceria com o Instituto Ambiental do Paraná (IAP) e a Secretaria do Meio Ambiente do Estado do Paraná (Sema/PR). O objetivo do programa é mostrar a importância da agricultura para o País e disseminar informações sobre as boas práticas agrícolas e sustentabilidade. O interessante é que envolve tanto o público adulto quanto as crianças, e acaba se tornando algo bem divertido, com teatro e músicos que improvisam canções sobre o assunto. Por isso chamamos de Mostra Cultural. No Paraná, ele foi realizado em três cidades e, este ano, em São Paulo, foi levado à Agrishow, em Ribeiro Preto (SP).

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