Durante anos assumindo a importância do posto de relevância dentro da cadeia da reprodução, o touro vem aos poucos perdendo o status e competindo com a vaca, na questão de gado de elite. Será que ele está realmente perdendo?
Na cidade de Uberaba, a 481 quilômetros da capital mineira, uma vaca é vendida por R$ 2.760.000,00. Foi isso mesmo que você leu: foram exatos dois milhões setecentos e sessenta mil reais. Parla FIV AJJ, vendida no leilão Elo de Raça – que teve 75% de sua posse vendida por Antônio José Junqueira Vilela para o conjunto de proprietários a Agropecuária Vila dos Pinheiros, João Carlos di Genio e Chácara Mata Velha –, foi o animal mais caro de todas as 76 edições da ExpoZebu 2010 (trata-se da maior exposição pecuária zebuína do mundo).
Mas, uma vaca pode valer tanto? Pode. No show milionário dos leilões tudo é possível. Até mesmo uma vaca bem avaliada chega à cifra de dois apartamentos, de 400 metros quadrados, em um bairro considerado nobre na cidade de Curitiba, por exemplo. No caso da Parla FIV AJJ, além de muitos componentes que são levados em conta, como o seu aprumo, “estão a genética diferenciada e conhecida do animal”, segundo conta Nilo Sampaio Júnior, zootecnista e gerente da Chácara Mata Velha. Com esses atributos, o que se busca agora é multiplicar os bons resultados obtidos, nos descendentes dela. “Sua filha já foi comercializada por R$ 200 mil e, recentemente, teve um embrião que foi negociado por R$ 180 mil. Parla é um dos animais mais valorizados da raça Nelore. A vaca, que é filha de um grande campeão das pistas, conquistou de tudo que há no circuito de exposições”, justifica Sampaio Jr., para tanta valorização.
No entanto, Parla não é única. Já foram comercializadas outras fêmeas em leilões brasileiros a preços exorbitantes. A vaca Fairani, no ano de 2001, foi vendida por R$ 2 milhões, e seus embriões foram comercializados por até R$ 100 mil. Em 2008, a Vala Barros Correia, vaca da raça Nelore, puro sangue, do Estado de Alagoas, foi vendida por mais de R$ 3 milhões. E até então, o animal mais caro da ExpoZebu era a vaca Athena 5 SR da Sara, arrematada por mais de R$ 2 milhões, na edição de 2007.
No mercado de elite, que por sinal corre muito dinheiro, o que mais importa para os criadores é a genética do animal, que no caso da vaca pode render embriões de mesma qualidade e valor. Atualmente neste circuito, fêmeas e machos têm exigências diferentes, “assim uma boa vaca não significa que será irmã de um boi ótimo”. Para isso, que o pecuarista dispõe de diversas tecnologias reprodutivas, tais como inseminação artificial, transferência de embriões, Fertilização In Vitro (FIV), sexagem de sêmen e marcadores moleculares. Esse último é considerado um passo decisivo na seleção de genética, uma vez que já é possível de antemão saber as características que os animais poderão ter antes mesmo de nascerem. Nada se compara a antigamente. “A seleção era feita por meio de monta natural. Eram comprados touros ou escolhidos normalmente dentro do próprio rebanho, após a definição da aptidão para carne ou leite. Os criadores iam experimentando, fazendo o rebanho com muitos erros e acertos. Mais na frente, eles continuaram fazendo a seleção tendo como base o touro, mas realizando inseminação, isso após a escolha de touros em Centrais, que se acreditava ter uma genética melhoradora”, relembra o criador mineiro Virgílio Villefort, que vem se destacando na seleção de animais puros e também em projetos de cruzamento.
Até então, naquela época, os machos eram supervalorizados. Certo? Mas, será que com o avanço de tantas tecnologias, as fêmeas aparentemente “esquecidas”, no mercado de elite, começaram a se valorizar, pelo menos nesses últimos anos? Na opinião do criador, sim, principalmente quando se trata de doadoras (fêmeas de alto valor genético, que se transformam em doadoras de embriões). A FIV, segundo ele, uma das ferramentas que oferece uma multiplicação e uma seleção mais rápida, ou seja, que abrevia um trabalho de 50 anos para cinco, fez com que toda base principal de todo criatório passasse a ser a de fêmeas. “Uma vez que vai ela será aspirada e os seus oócitos fecundados com sêmen dos machos provados, isto no caso de Gir, Guzerá leiteiro e Guzerá corte, que são raças que crio”, pontua Villefort.
A mesma opinião é do pesquisador da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, em Brasília (DF), Maurício Machain Franco. Segundo ele, as vacas ganharam mais destaque porque usando essas tecnologias de reprodução conseguem-se produzir mais filhos durante sua vida reprodutiva. “Como são animais de alto mérito genético, produzem muitos filhos de alto mérito genético e se bem acasaladas, com touros recomendados, de alto valor de mercado”, frisa o pesquisador.
Na fazenda do criador Virgílio Villefort, as doadoras produzem a peso de ouro, mas o foco são os reprodutores. “Em meu criatório já tive doadora com produção de 86 bezerros ao ano. Ainda assim, a produção das fêmeas é limitada, enquanto que os machos podem produzir mais de três mil doses por mês, ou seja, perto de 18 mil filhos por ano, já descontados os índices de infertilidade”, revela.
Assim, mesmo produzindo muito, as doadoras têm um limite, enquanto que a produção dos reprodutores é muito maior. Daí a vantagem do macho sobre a fêmea. “Ano passado, vi anúncio de reprodutor Gir com mais de 200 mil doses vendidas”, ressalta o criador. Ele ainda diz que existem exceções em toda raça. No Gir, o reprodutor Radar dos Poções, morto há muitos anos, atingiu o valor de R$ 18 mil a dose de sêmen. “O mais importante neste momento é a doadora. Prova disto é que reprodutores provados com preço acima de R$ 100 mil são poucos por ano e doadoras acima de R$ 100 mil são vendidas quase todos os dias”, afirma.
Neste aspecto, a vaca sai na frente e o touro vem logo atrás. Porém, nesse impasse, não dá para dizer ou, tem de se dizer da importância de um bom reprodutor. Apesar da média das fêmeas da raça Angus, por exemplo, na Expointer 2010, ser de R$ 6,5 mil, número superior aos R$ 4 mil comercializados ano passado. “Macho e fêmea têm importância exatamente igual, ou seja, 50% dos genes de um produto vem do reprodutor e o restante da vaca. A doadora de qualidade é sempre a base de um bom rebanho, mas a forma mais prática e usual para se evoluir um rebanho e por meio da utilização de machos superiores, uma vez que eles deixam muitos descendentes. Então, num processo de melhoramento progressivo de um rebanho, onde você parte da base que se melhora esses animais de geração a geração, o macho é o fator chave. Mesmo assim, ele contribui com apenas 50%”, defende Fábio Schuler Medeiros, médico veterinário – D.Sc. e gerente do programa de Carne Angus.
A mesma opinião é compartilhada pelo pesquisador da Embrapa – instituto responsável pelos estudos no campo da genética – ele afirma que, geneticamente os dois têm a mesma contribuição, pois a progênie (os filhos) tem a metade dos cromossomos (DNA) do pai e a outra metade da mãe. “Mas como o touro pode ter muito mais filhos (devido à possibilidade da inseminação artificial) do que uma vaca, ele dissemina muito mais seus alelos (genes) na população. Portanto, tendo uma contribuição mais evidente”, afirma o pesquisador.
Na lida dia a dia com o campo, essa diferença entre macho e fêmea vai muito mais longe. A realidade é bem diferente. O macho tem a sua reputação reconhecida e em alguns casos bem acima da fêmea. “Falamos agora de um outro universo, o de produção. Aqui a fêmea, a gente nunca deixa de lado, porém, o foco são machos produtivos, a partir de uma boa avaliação genética. Usamos touros com acurácia de 45%”, revela Frederico Pavão, zootecnista e gerente das Fazendas Quilombo e Perdizes, sendo que a primeira fica localizada em Indaiatuba (SP) e a outra na cidade de Campo Grande (MS).
Neste caso, reforça ele, o mercado está centrado no sêmen de reprodutor e dele irá depender suas características. “O produto de touro mais novos, que ainda não são comprovados, tem um valor, e os mais velhos com validação, tem outro. No mercado de elite é diferente, os animais reconhecidos são valorizados e multiplicados ao extremo Existe hoje valor no mercado surreal”, pondera o gerente da fazenda. Aliás, habituados a exposição e ao mercado de elite durante longos 25 anos, a Fazenda Quilombo / Perdizes deixou esse ramo neste ano, para seguir para o mercado de produtividade, ou seja produzir animais geneticamente provados a campo, com acasalamento dirigidos para produção de matrizes e reprodutores. Hoje, por exemplo, na propriedade de Campo Grande, há sete mil hectares e atualmente tem 5.000 cabeças em produção. “Nós fizemos um direcionamento, pois o mercado de elite da raça está se esgotado”, pontua o gerente.
Não foi essa a impressão que se tem no mercado de Angus, principalmente no Sul do País. Durante a Expointer 2010 a raça bateu recordes. No Leilão Seleção Angus, realizado na mostra, as médias foram superiores a de R$ 7,1 mil. Ao comparar com os índices obtidos no ano anterior, quando as médias foram de R$ 4 mil, os números superação expectativas. De acordo com o presidente da Associação Brasileira de Angus, Joaquim Francisco Bordagorry de Assumpção Mello “foram vendidas 80% da oferta e isso confirmou o crescimento na comercialização de 15%”. Hoje, na raça, o sêmen de um animal passa a valer na média de R$ 12 reais a dose. “Um preço bastante acessível, já o sêmen de elite já é uma questão de disponibilidade do que aquele animal está fazendo nas pistas ou até o que seus filhos estão fazendo. Com isso, o valor vai longe. Tem sêmen ofertado por R$ 2 mil, a dose de sêmen”, justifica Medeiros.
Sêmen X Oócitos
Já que se falam tanto de sêmen, como é o mercado dos oócitos? De acordo com o pesquisador da Embrapa, além da vaca, os oócitos se tornaram ferramentas de valor. Hoje é avaliando morfologicamente um oócito, qual tem mais chance de produzir um embrião de maior qualidade. “Mas na prática, todos eles (independente de suas características morfológicas) aspirados de uma doadora são levados para a fecundação in vitro. Com relação a acasalamentos, o correto é este ser feito dentro do contexto de um programa de melhoramento, levando-se em conta as qualidades do touro e da vaca (mérito genético) e o quanto eles vão se complementar. Mas na prática, na produção de embriões in vitro, um outro fator que é muito levado em conta é a fertilidade do sêmen dos touros no sistema in vitro. Hoje sabemos que há uma variação muito grande na fertilidade in vitro entre touros e isso é evidente no sêmen sexado. Com isso, talvez a utilização mais intensa de determinado touro seja também pela sua fertilidade e não só pelo seu mérito genético”, justifica ele.
O valor de uma boa mãe
Vacas destinadas às “mães de aluguel”, que não necessitam ter alto valor genético cuja função é “só” parir a cria, que nasce com o nível dos pais, esse é o papel da receptora. O pecuarista seleciona novilhas com melhor aptidão materna, utilizando sêmen sexado de touros que transferem precocidade e aptidão maternal para produzir novilhas. “Hoje, os fazendeiros durante a estação de monta, procuram vacas que são 80% férteis. Não adianta aquela que dá leite e aquela que gera bezerros grandes, ela precisa dar pelo menos um bezerro por ano para ser considerada uma boa mãe”, enfatiza o gerente da fazenda.
Já para o gerente do programa de Carne Angus, as receptoras precisam ser animais bem adaptados ao ambiente. “Elas precisam ser boas mães, no que diz respeito à produção de leite, uma vez que amamentará um animal de alto valor zootécnico. Nesta questão, a receptora mais valorizada tem sido a da Raça Angus. Hoje é a principal para cruzamentos, pela habilidade materna que possui. No Brasil Central, elas têm sido usadas com cruzado com zebu, por ser precoce e fértil. E no Sul do País, a fêmea pura Angus chega a valer 16% acima, dentro do Programa de Carne Angus certificada. Virou o pão quente do momento”, brinca Medeiros.
O pesquisador da Embrapa, enfatiza que as exigências são poucas para uma receptora, mas ela deve ter uma condição sanitária adequada. “Além disso, ela precisa ter uma boa estrutura corporal, para ter a capacidade de parir sem problemas e alimentar bem a cria”, descreve. Neste caso, as mais usadas habitualmente são receptoras cruzadas, ou seja, uma mistura de duas raças. “Por exemplo, girolanda (cruzamento de Gir com Holandês), ou uma receptora cruzada utilizando uma raça zebu de corte com uma europeia que tem a capacidade de produzir leite”, ressalta.
Já quando o assunto são as doadoras, o assunto muda de figura. O preço então nem se fala, o que dependerá da doadora. “Normalmente se vende uma aspiração ou prenhez próximo a 10% e 20% do valor da mãe. Já em comparação o macho, o valor do sêmen é avaliado em função da qualidade dos filhos do animal”, diz o criador Virgílio Villefort.
Essas vacas são especiais, provadas que já produziram bons animais e recebem o status de doadoras. “O ideal é que ela já tenha resultado, por exemplo, uma vaca que já teve um bezerro bom e queremos repetir e multiplicar essa possibilidade”, pondera Medeiros.