Agricultura

Trigo: a colheita do fracasso

Quando foi entrevistado, em janeiro deste ano, o agricultor Darci Lago Decian, da região de Dourados (MS), apontava os fatores climáticos como os principais causadores dos prejuízos ocasionados nas lavouras de soja, trigo e milho, no decorrer do ano passado. Na época, o produtor ainda reforçou que o milho e o trigo não sinalizavam melhora nos preços. Este último, no caso nem comprador tinha.

No mesmo mês, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) mostrava que o trigo era um produto que estava com maior dificuldade de comercialização. Dados do órgão do governo indicavam ainda que restava produto da safra passada e o da safra atual tinha sido pouco comercializado.

Os produtores aguardavam vender a metade da safra de 2009. Mais de 500 mil toneladas de trigo da safra ainda esperavam comprador, por exemplo, nas cooperativas do Paraná, maior produtor de trigo do País.

De lá para cá, o cenário não mudou muito. Apenas alterou num requisito: uma nova safra chegará em breve aos moinhos. Com esse fato, resta para os agricultores paranaenses armazenarem o excedente da última safra em pátios e esperar. Para o presidente do Sindicato Rural de Londrina (SRL), Narciso Pissinatti, o encalhe é absurdo, já que o Brasil produz só a metade do trigo que consome. “Há pedidos para que os estoques possam ser comercializados. Estamos com a safra para sair e não temos a quem vendê-la”, revela.

Fatores como a alta carga tributária, o preço mínimo e a importação de trigo pelos moinhos – que já contam com bons estoques – são os problemas que a entidade aponta como explicação para a comercialização quase zero do trigo do Paraná.

Na última safra, a produção nacional de trigo foi de cerca de 5,9 milhões de toneladas e o Paraná respondeu por mais da metade dessa quantidade. Este ano, quase toda a safra está prevista em cinco milhões de toneladas, mesmo com a diminuição de 13% da área plantada em relação à safra anterior.

Para agravar a situação no mercado, nem mesmo o volume abaixo do esperado – consequência da redução de área e das doenças causadas pelo excesso de chuvas na colheita do ano passado, que derrubaram a safra em mais de um milhão de toneladas – conseguiu ajudar a melhorar o preço do grão para o agricultor. Dados da Federação da Agricultura do Estado do Paraná (Faep) apontam que o custo da saca com 60 quilos de trigo está em R$ 33, mas o preço de mercado não passa de R$ 23. Mesmo com preços já abaixo do custo de produção, os produtores não conseguem arranjar compradores nacionais, já que muitos têm preferido importar o produto de países como a Argentina.

Com tudo isso, os especialistas já advertem: esse será mais um ano de comercialização complicada, com larga oferta de trigo no mundo inteiro. “O produtor nesta safra está numa encruzilhada. Ele enfrenta o problema da super safra, dos preços baixos no mercado mundial e o câmbio nada favorável. A expectativa é que a safra mundial colhida gire em torno de 200 milhões toneladas. Com esse montante, os preços não têm condições de subir. Não há perspectiva de alta no trigo como ocorreu no passado. Isso não irá repetir-se em 2010 e infelizmente nem 2011”, aponta Lawrence Pih, presidente do Moinho Pacífico, atualmente a maior processadora individual de trigo da América Latina.

Atualmente, a situação do mercado é a seguinte: o produtor só consegue comercializar a produção pelo preço mínimo e só quando o governo faz algum programa de compra, os chamados Prêmios de Escoamento da Produção (PEPs). Em outras palavras, são os famosos leilões realizados pelo governo para garantir ao produtor o preço mínimo e uma alternativa encontrada para valorizar comercialmente o grão e viabilizar o escoamento da produção. No entanto, no caso do trigo há uma ressalva. Para os Estados do Nordeste do País, por exemplo, compensa mais importar o trigo argentino do que comprar o produzido no Paraná. Até o frete fica bem mais barato a partir do país vizinho, acostumado a exportar o produto.

Na opinião do presidente do Moinho Pacifico, o governo federal continuará apoiando o setor por meio dos prêmios. Para Pih, o governo investirá em leilões. Entretanto, ele justifica que deve haver uma cautela de como irá alocar os recursos para a próxima safra. “O mercado mundial tem o preço do trigo em queda. O ideal seria equilibrar o preço mínimo nacional com o mundial, o que acarretaria queda na produção”, argumenta.

A mesma opinião é compartilhada pelo vice-presidente do Sindicato da Indústria do Trigo no Estado de São Paulo (Sindustrigo), Christian Saigh. Ele acrescenta que falta uma política definida, inclusive nas regiões produtoras. Nem mesmo os dois últimos leilões de PEP, solicitados pelos produtores paranaenses, foram confirmados pela Conab. Além disto, há pouca intervenção do governo em leilões para garantir preço mínimo competitivo ao trigo. “O modelo do governo para escoamento da safra precisa ser planejado. O governo ainda não pagou as compras. Recentemente realizamos uma reunião com câmara setorial cobrando o Ministério da Fazenda e a Conab, porém, eles não têm nenhum prazo. Aguardamos o pagamento para poder dar um andamento nas próximas safras”, adverte Saigh.

O panorama do trigo nacional em 2010 deve reproduzir cenário semelhante ao ano passado, com o possível agravante de o Brasil, este ano, competir com a Argentina na importação do produto. Um cenário nada favorável aponta o vice-presidente do Sindustrigo, que enfatiza ser um ano complicado para a cultura se comparado ao do ano passado. “Os moinhos esperavam uma safra boa, mas o clima não ajudou. O trigo colhido no mercado nacional está de péssima qualidade, com isso houve quebra de um milhão de tonelada. O produto em grande parte foi destinado à ração. Perdemos em quantidade e qualidade”, ressalta Saigh. O executivo ainda estima que o Brasil deve importar, este ano, uma média de 6 a 6,5 milhões de toneladas de trigo. “Os moinhos estão focando nos Estados Unidos e Canadá”, diz.

Cenário dos Preços

Se por um lado os compradores argumentam que a qualidade caiu por conta do excesso de chuvas na colheita, os produtores afirmam que ainda tem muito trigo bom sem preço. No entanto, o fato é que diminuição dos custos de produção é o caminho que os agricultores têm usado para enfrentar a baixa rentabilidade.

O presidente do Sindicato Rural de Londrina, filiado à Faep, diz que não sabe se o governo federal quer que o País ainda plante trigo. “A saída são as PEP, uma vez que os moinhos não têm interesse nas compras. Eles estão com os estoques bons, uma vez que tiveram o benefício da importação do produto”, pontua. “Daqui a 60 dias o trigo já está todo colhido e até o final serão 500 mil toneladas armazenadas”, alerta Pissinatti.

“A situação é dramática. Se o governo custear a produção haverá problemas com relação aos cofres públicos. Nesta safra será um bilhão de reais para arcar com o prejuízo esse é o grande desafio tanto para o produtor quanto para os consumidores e as indústrias. Se o governo não paga o prejuízo na certa sobrará para o produtor”, Lawrence Pih, presidente do Moinho Pacífico.

Mercado sinaliza o quê?

No mercado internacional, os preços de venda do trigo estão nos níveis mais baixos do ano e no Brasil, são os menores já registrados pelo Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) desde 2004, em termos reais. Quanto aos estoques de passagens, estão nos maiores patamares históricos. Com a estimativa de que a produção seja maior que o consumo, os estoques mundiais devem aumentar, o que pode reduzir as cotações. No Brasil, praticamente não há negócios, nem variações nos preços. Na Argentina, o clima não favoreceu o avanço do plantio nas últimas semanas. (Fonte: Cepea)

A posição do Governo

O Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento confirmou no dia 23 de junho que o preço mínimo do trigo foi reduzido em 10%. A decisão foi tomada em reunião do Conselho Monetário Nacional (CMN). Segundo o ministro da Agricultura, Wagner Rossi, o preço mínimo estava muito acima do praticado no mercado, após reunião dele com cerca de 40 representantes da cadeia produtiva do trigo para analisar as políticas de curto e médio prazo para o setor.

Há um ano, foram estabelecidos os preços mínimos de R$ 441 por tonelada do trigo tipo brando, considerado de pior qualidade, de R$ 530 para o tipo pão e de R$ 555 para o tipo melhorador. A intenção era estimular a produção nacional, que atualmente atende apenas à metade do consumo da população. O novo valor máximo pago aos produtores pela Política de Garantia de Preços Mínimos (PGPM), com essa medida, será de R$ 499,50.

Essa é a primeira vez que há uma redução de valores na PGPM desde que ela foi criada, em 1943. O secretário adjunto de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Gilson Bittencourt, disse que a tese defendida para adoção dessa medida é que é preciso reduzir os preços mínimos quando for possível para elevá-los com agilidade quando for preciso.

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