Agricultura

Lavoura: o trio do futuro

A ideia de unir boi a pasto, lavoura e árvores, aos poucos, ganha os moldes para se tornar o jeito mais viável de se produzir carne a partir da linha de pensamento ‘agroecologicamente correto’.

Não é de hoje o conceito, mas depois que muitas ocorrências de ordem climática e ambiental acabaram por se desequilibrar pelos quatro cantos do mundo, em função da interferência humana, a ordem agora é a busca pela tal sustentabilidade. Ela pode ser representada a partir da união de três linhas de pensamento: (1ª) a econômica, pela melhor utilização dos recursos e uso da terra, diversificação e maior estabilidade das receitas e diminuição dos riscos;

(2ª) a ambiental, pela utilização de práticas conservacionistas e de melhor uso da terra, além da utilização de manejo e insumos adequados às recomendações oficiais; e por fim, (3ª) a social, por ser aplicável a qualquer tamanho de propriedade, aumentar e distribuir melhor a renda no campo, além de incentivar a competitividade do agronegócio do País.

Na bovinocultura de corte do País, um outro trio é alvo de vários estudos que deverão mostrar que a atividade possui todas as características para ser gerida sustentavelmente – e não se trata de uma grande novidade, mas sim, de uma prática bastante discutida e que visa o melhor aproveitamento da área.

Distribuir o boi pelo capim, através de um sistema de rotação na qual entra a produção de grãos, numa área sombreada por árvores – que podem servir posteriormente para exploração madeireira – é a ideia em questão. A Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF), ou Sistema Agrossilvipastoril, é o que poderá tomar conta da produção de carne, ou mesmo, leite, no Brasil, e tem como objetivo unir as várias atividades desenvolvidas no campo para o incremento na produção de alimentos, fibras, energia e madeira.

O projeto Transferência de Tecnologia em ILPF – uma parceria da Embrapa com a empresa multinacional Bunge – possui pelo Brasil, 26 centros de pesquisa para avaliar esse sistema de produção das mais variadas formas possíveis nos biomas Amazônia, Cerrado, Caatinga, Mata Atlântica e Pampa. Além da Integração Lavoura-Pecuária-Floresta, também são estudados os sistemas de Integração Lavoura-Pecuária (Agropastoril), Pecuária-Floresta (Silvipastoril) e Lavoura-Floresta (Silviagrícola).

A partir dessa iniciativa, dos cerca de 50 milhões de hectares (ha) de pastagens degradadas que são considerados agricultáveis no País, estima-se que 36 milhões de ha poderão ser abrangidos pelo projeto.

Mais carne em menos área

Duas pesquisas correm juntas na Embrapa Pecuária Sudeste, em São Carlos (SP), e fazem parte do Projeto de ILPF – uma avalia a recuperação de área de pastagens degradadas com o estabelecimento de uma cultura anual consorciada a uma forrageira com objetivo de engorda e terminação de gado de corte; a outra busca saber que espécies florestais nativas da região mais se adaptariam ao sistema de criação de gado de corte a pasto.

Ao que tudo indica, os dois sistemas demonstraram eficiência para a produção de carne, recuperação de pasto degradado, além de apresentar uma receita maior ao produtor que pode faturar com a lavoura produzida ou mesmo com o potencial madeireiro da silvicultura.

“Quando nós iniciamos o trabalho aqui na nossa área a gente tinha 20 animais sendo manejados, hoje nós temos 70, isso mostra o aumento da capacidade de suporte da área”, destaca Alberto Carlos de Campo Bernardi, pesquisador da Embrapa Pecuária Sudeste e especialista em fertilização do solo e implantação do Sistema Integração Lavoura-Pecuária. Graças à promoção de melhoria de fertilidade do solo, ao manejo adequado com a pastagem, com a troca de uma variedade de baixa produção e baixa capacidade de suporte para uma mais eficiente à adubação, e com melhor capacidade de suporte, foi possível perceber o aumento da lotação do pasto.

O estudo começou em 2005, com a implantação de uma unidade experimental da Embrapa aos moldes de uma autêntica propriedade para fazer também toda a avaliação econômica do sistema em questão.

Numa área de 21 ha de pastagem de Brachiaria decumbens, na qual era estabelecido o manejo extensivo de criação e já com sinais de início de degradação, foi estabelecido todo um trabalho de reforma de pasto para, gradativamente, aumentar a produtividade da forrageira. “Uma pastagem degradada, a gente sabe que tem um sério risco de erosão, e a baixa capacidade de suporte obriga a ocupação de cada vez mais áreas para produzir a mesma quantidade de carne. Então, ao intensificar a produção, numa área menor, nós estamos tendo uma maior produção de carne, com a melhoria das características físicas, químicas e biológicas do solo”, avalia o pesquisador.

A Brachiaria brizantha cultivar Piatã foi a escolhida para ser consorciada ora com o milho, ora com o sorgo num sistema de rotação. “Nossa ideia quando nós implantamos essa unidade demonstrativa era mostrar que era viável a implantação do Sistema Lavoura-Pecuária aqui para a nossa região”, declara Bernardi. “No verão nós fizemos o plantio após a reforma, com o preparo e a correção de solo necessários. Colhida a cultura anual, nós temos a área reformada, com o solo corrigido e a pastagem reformada e implantada, então, essa é uma das vantagens que a gente já enxerga nesse sistema. Numa área que a gente só tinha pasto, a gente tem também uma renda de grãos ou produção de silagem.

Menor impacto ambiental

O semiconfinamento foi o escolhido para a produção na unidade experimental da Embrapa, e agregou outras vantagens, especialmente quando o assunto é o impacto ambiental inerente à pecuária de corte. “Nós fizemos estimativas de emissão de metano, com base nos resultados que estamos tendo nessa área”, explica o pesquisador, “e essas estimativas foram baseadas em modelos que haviam sido desenvolvidos pela nossa equipe na Embrapa e os resultados têm mostrado que, com o aumento do ganho de peso dos animais e a melhoria da qualidade da oferta de alimentos, há uma tendência a se produzir menos metano por área”.

Outro fator positivo está relacionado à diminuição da idade de abate dos animais, que influi diretamente na emissão de metano – quanto menos tempo o rebanho estiver no pasto, menos metano produzirão.

Já sobre a questão dos dejetos, como a urina e as fezes dos animais, de acordo com Bernardi, esse material é distribuído durante o pastejo, sem que haja concentração, e por isso o risco é menor em termos de emissão de gases de efeito estufa (GEEs) – o contrário, com a concentração dos dejetos, poderia ocasionar em mais emissão de metano pela fermentação.

Manejo nutricional

As respostas ao sistema de produção se deram a partir do segundo ano. Como a área foi divida em três partes, no primeiro ano havia somente a lavoura anual mais a forrageira. No segundo já havia a área de pasto, e outra com lavoura mais forrageira, e no terceiro, duas áreas de pastagem e outra com o consórcio de sorgo e forrageira para a produção de silagem, completando, assim, a totalidade da área.

No verão os animais são criados a pasto e no inverno são mantidos com a silagem produzida pelo consórcio lavoura-forrageira, além de outros insumos. Ao fazer a reforma nesse sistema, observou-se que é possível manter o ganho de peso e às vezes até aumentá-lo num período seco do ano.

Parte dos animais que já estão próximos de dois anos, são confinados, e lá recebem como volumoso a silagem produzida na área de reforma feita durante o verão. “Então o sistema está fechado de tal maneira que a gente consegue reformar a pastagem, ter uma oferta de alimentos para os animais na época seca, e ainda ter uma sobra de alimentos para fazer o confinamento, e aí a terminação chegando com um peso de abate aos dois anos de idade”, afirma Bernardi.

Além de tudo isso, ainda há um excedente de volumoso que, aos moldes de uma propriedade rural, pode ser negociado e comercializado – ou seja, uma renda a mais ao produtor. E ainda é possível – se for favorável – a produção de grãos ao invés de silagem, o que diversificaria ainda mais a renda no final das contas.

A favor da mata nativa

Os tradicionais sistemas de silvicultura implantados nas regiões Sul e Sudeste, para associação à pecuária, levam em conta a produção do Eucalipto, do Pinus, ou mesmo da Grevilha. No entanto, no sentido de valorizar o que o bioma da Mata Atlântica e do Cerrado têm a oferecer, tanto em ganhos pela exploração madeireira e como para ajudar na reforma de pastagem, os estudos da Embrapa Pecuária Sudeste começaram a avaliar espécies nativas desses dois biomas numa área de 7,7 ha – é o segundo experimento conduzido pela unidade, o Sistema Silvipastoril.

Sete árvores fazem parte do estudo, o Angico-branco (Anadenanthera colubrina (Vell.) Brenan), a Canafístula (Peltophorum dubium), o Pau-jacaré (Piptadenia gonoacantha), o Ipê-felpudo (Zeyheria tuberculosa), o Jequitibá-branco (Cariniana estrellensis), o Mutambo (Guazuma ulmifolia) e o Capixingui (Croton florisbundus). “O que a gente pretende aqui, é associar a produção florestal com a produção pecuária”, frisa Maria Luiza Nicodemo, pesquisadora da Embrapa especialista em sistemas silvipastoris. “Desde o desenho que a gente faz dessa combinação até o manejo utilizado para o desenvolvimento desse sistema visam manter benefícios para esses dois lados para a produção florestal e para a produção do gado”.

O estudo ainda é recente – tem um pouco mais de dois anos e meio – e, por tratar de espécies que ainda não têm relatos consolidados em aplicação econômica, os resultados, até agora, são poucos. Segundo Nicodemo, a pesquisa poderá servir de ponta-pé inicial para estudos de melhoramento genético dessas espécies nativas – fato que veio muito antes para o Eucalipto, e o consagrou a grande opção para muitos produtores. “O que a gente nota é que, com essas espécies nativas, não há nenhuma seleção e nenhum melhoramento genético, e isso faz com que elas têm uma variabilidade de crescimento muito grande. Por exemplo, no caso do Ipê-felpudo, você pode encontrar indivíduos de 40 centímetros (cm) ou até mesmo com três metros (m) de altura. Isso vai envolver um trabalho importante de seleção e melhoramento futuro das espécies que são de interesse para a produção”, acredita.

Mesmo com pouco tempo de estudo, o Sistema Silvipastoril da unidade da Embrapa em São Carlos, já apresenta algum resultado. Inicialmente, três espécies merecem o destaque por terem alto valor comercial, como é o caso da Canafístula, do Ipê-felpudo e do Jequitibá-branco. “Outra que merece atenção, é o Angico, que é uma espécie que fixa nitrogênio no solo e assim atua na melhoria de fertilidade dele. Há colegas nossos de Minas Gerais e do Rio de Janeiro que têm trabalhado com o Angico para a recuperação de pastagens degradas. Temos também o Pau-jacaré, que é outra leguminosa que fixa nitrogênio e produz um carvão de excelente qualidade”, atesta Nicodemo.

Manejo silvícola

De modo geral, o espaçamento adotado pela Embrapa, entre linhas e faixas de árvores, costuma ser de 15 m a 40 m, dependendo da situação. Uma faixa, com três linhas de árvores, corre lateralmente com a área destinada à pastagem. As faixas de árvores são protegidas com cerca elétrica, para favorecer o desenvolvimento e o crescimento delas – caso contrário os animais causariam muito dano às plantas, prejudicando o potencial que elas teriam nesse sistema.

“A gente espera que, quando as árvores estiverem com seis a oito cm de diâmetro da altura do peito, quer dizer, 1,30 m de altura, a gente já possa deixar os animais pastejando junto às árvores”, estima Nicodemo.

No geral, o que a pesquisadora observa no sistema é o favorecimento do bem-estar animal, por trazer mais conforto ao rebanho e, com isso, ele gastaria menos energia para manter a temperatura, usando esse potencial para a produção de mais carne, ou leite, ou mesmo a melhora na fertilidade, na produção de mais bezerros. “Além disso, você produz madeira, que é um adicional de renda, e da forma como trabalhamos, não há redução na produção de matéria seca da pastagem”.

No entanto, não é só porque é uma árvore que o produtor plantará, isolará e pronto. São necessários cuidados com as plantas, manejo e intervenções necessárias quando for preciso. “Então você faz a desrama das árvores, corta alguma quando for preciso mais luz entre elas – não é um sistema que você deixa a planta e esquece. Tudo tem de ser bem planejado, com as espécies que mais se adaptam à tua região e às tuas necessidades. E ainda, se o tipo de capim que queira utilizar, ou já usa, tolera um certo grau de sombreamento – há muitas braquiárias e panicuns que são adequados, e assim você consegue muitos bons resultados”, conclui Nicodemo.

No futuro, todos

Inicialmente, na unidade de São Carlos da Embrapa, são avaliados dois sistemas separadamente. No entanto, pelo maior apelo e demanda por mais informação sobre a integração dos sistemas agropecuários, a pretensão é chegar a implantar, lado a lado, quatro sistemas distintos: (1) o de Integração Lavoura-Pecuária, que já está em estudo; (2) o de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta; (3) o de Pecuária-Floresta, com pasto e árvores plantadas na área e que também é alvo de estudos na instituição de pesquisa; (4) e o último de pastagem sob manejo intensivo, para servir de comparação com os demais.

“Foram cinco anos de levantamento de dados tanto técnicos como econômicos aqui do sistema de Integração Lavoura-Pecuária”, diz Bernardi, “e agora nós estamos fazendo uma nova reavaliação e chegamos à conclusão que a gente deve aumentar. Então, para melhor serem demonstrados, vamos fazer uma nova redistribuição da área para abrigar todos esses sistemas. A partir dessa ideia, poderemos ter todas as variações possíveis desses sistemas e, assim, teremos mais respostas ao produtor”.

Avaliação do Sistema Agropastoril em 3 anos estudo

Características
21 hectares
Recria e engorda de Canchim
Pastagem Capim-Piatã (Brachiaria brizantha)
Culturas anuais para silagem: milho (Zea mays) e sorgo (Sorghum bicolor L. Moench)

Margem bruta de lucro obtida (por hectare)
1º ano: R$ 251,62*
2º ano: R$ 124,34*
3º ano: R$ 923,41

* Resultados superiores aos verificados pelo Anualpec 2008 e 2009 em propriedades de recria e engorda extensivas e intensivas, com lucro/ha de R$ 59,90 e R$ 84,10 e de R$ -36,50 e R$ -29,20, respectivamente.

Fonte: Alberto Carlos de Campos Bernardi (et al.), 2009

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