Otimizar a produção sem a necessidade de explorar novas áreas e reduzir a emissão de Gases de Efeito Estufa (GEEs) são alguns dos pontos chaves da questão. Mas afinal, o que é preciso saber e o quanto é necessário investir para aumentar a eficiência na produção e implantar o sistema de sustentabilidade nas fazendas? E Quem pagará essa conta?
Vilã ou heroína? Problema ou solução? Quando o tema é preservação ambiental, as opiniões sobre o real papel da pecuária são controvérsias. A questão tem norteado debates em todo o mundo e, se por um lado, ambientalistas acusam a exploração da atividade como uma das maiores responsáveis pela emissão de Gases de Efeito Estufa (GEEs)
– levando em conta o desmatamento para formação de pastagens, queimadas e quantidade de animais que provoca a fermentação “entérica” e os seus dejetos (pois da deructação, ou arroto, e da urina do boi são emitidos dois gases principais: o metano CH4 e o óxido nitrososo N2O, ambos responsáveis pela retenção de calor na Terra) – , por outro, especialistas têm demonstrado através de estudos quais os são impactos do setor sobre o meio ambiente e como é possível minimizá-los, aliando produção e preservação ambiental. No Brasil, há uma preocupação constante no setor de se elevar o nível desse debate. Entidades como a Associação dos Profissionais da Pecuária Sustentável (APPS), que reúne técnicos e cientistas, têm desenvolvido uma série de ações, como congressos e treinamentos, para levar conhecimento à sociedade e mostrar de que forma os pecuaristas devem conduzir seus projetos de forma sustentável.
O engenheiro agrônomo e presidente da associação, Rodrigo Paniago, explica que muitos pseudo-especialistas têm tratado o assunto apresentando apenas uma visão parcial que, veiculada pela mídia e repetida inúmeras vezes, acaba confundido a interpretação das pessoas. “A sustentabilidade na pecuária é responsabilidade de todos. Por isso, temos realizado palestras voltadas aos produtores rurais para que eles possam entender o que realmente significa o termo sustentabilidade e que não é preciso temê-lo, pois todas as iniciativas a serem implantadas na fazenda visando à produção correta podem tornar seu negócio muito mais interessante para ele e o resto do mundo”, destaca, falando que em longo prazo a APPS deve interagir diretamente com escolas de ensino fundamental visando que professores e alunos possam ter um censo mais crítico sobre esse contexto.
Para José Olavo Borges Mendes, presidente da Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ), o produtor rural está cada vez mais consciente de que é peça-chave no processo da busca pela sustentabilidade, já que são eles os maiores interessados em preservar o meio ambiente, pois, afinal é da terra que tiramos nosso sustento. Ele cita o melhoramento genético do rebanho como uma das principais saídas para aumentar a produção sem aumentar a área de pastagem. “Quando se usam animais de maior qualidade genética, é possível reduzir o tempo de abate, aumentar a qualidade da carne e do leite, entre outras ganhos para a produção e o meio ambiente. Estudos apontam que o melhoramento genético, com o ganho precoce de peso para o abate, pode reduzir em até 60% a emissão de metano”, diz.
Aplicando as soluções
Para criar sustentabilidade, muitos especialistas têm recomendado a adoção das seguintes práticas: rotação de pastos e culturas, integração lavoura-pecuária, conservação de solo, sementes melhoradas e investimentos em nutrição e melhoramento genético. No caso desse último item, o presidente salienta que os preços praticados nos leilões têm permitido que um número cada vez maior de criadores adquira animais geneticamente superiores. Ele acredita que as feiras de tourinhos também estão garantindo a democratização da genética zebuína para pequenos e médios produtores, exemplificando que desde 2006, a ABCZ, em parceria com vários governos estaduais e a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater), desenvolve o projeto Pró-Genética, cujo objetivo é fazer com que pequenos e médios produtores tenham acesso à genética zebuína de qualidade. Feiras de touros são realizadas nos municípios e os criadores têm oportunidade de comprar esses animais utilizando linhas de crédito com juros baixos e maior tempo de pagamento. Na opinião do presidente, a iniciativa está permitindo às pequenas e médias propriedades aumentarem a produção e melhorarem a qualidade de seus rebanhos.
Sobre a importância da recuperação e da reforma das pastagens na busca pela sustentabilidade na pecuária, Welles Pascoal, diretor de marketing da Dow AgroSciences, analisa os reais ganhos que uma propriedade pode obter com investimentos voltados a tal fim, já que áreas mais produtivas de pastagens podem trazer maior rentabilidade ao pecuarista, por meio do aumento do volume de carne produzido por área e por ano. De acordo com ele, a introdução de novas gramíneas – híbridos de braquiária e uso de herbicidas para controle eficaz das plantas invasoras serão críticos neste processo. “No país, a genética e a saúde animal já são bastante desenvolvidas, mas a área onde realmente se pode ter um grande salto na produtividade é a relacionada à disponibilidade de pastagens para alimentação do gado. Isto por meio da baixa capacidade de lotação das nossas áreas de pastagens, média nacional menor que 1 UA (unidade animal) por hectare. Existe um potencial de otimização desta média entre 50% e 100%, dependendo das gramíneas utilizadas nas pastagens”, diz. Para Welles Pascoal, na tecnologia disponível atualmente em pastagens no Brasil, apenas os materiais mais básicos são acessíveis à maioria. As novas soluções ainda necessitam de maior trabalho de desenvolvimento e divulgação.
Segundo José Olavo, quanto mais se investe em genética, pastagem e sanidade, mais qualidade a carne brasileira terá e novos mercados poderão ser alcançados. Uma preocupação é o fato do produtor rural ser obrigado a arcar praticamente sozinho com os custos de uma produção ecologicamente correta. Por isso, é preciso ainda encontrar uma solução para o problema da falta de crédito rural e do endividamento do setor, que vem se arrastando desde a década de 1980. Diante da necessidade de desenvolver uma pecuária sustentável, o financiamento precisa contemplar outras áreas como, por exemplo, a abertura de linhas de crédito para recuperação de pastagem. No intuito de atender aos agricultores e pecuaristas menos favorecidos em sua área de atuação, o Banco do Nordeste, em parceria com o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), criou em 2005 o AgroAMIGO – Programa de Microcrédito Rural produtivo e orientado. Em função da vocação natural da Região Nordeste, o AgroAMIGO financia diversas atividades, com destaque para a pecuária.
O programa tem o objetivo de trazer maior agilidade no processo de concessão do crédito; expansão, qualitativa e quantitativa, do atendimento aos agricultores familiares, com redução de custos, tanto para o cliente como para o Banco; maior proximidade com os clientes da área rural de pequenos empreendimentos e atendimento integral ao cliente buscando a identificação das necessidades de serviços financeiros e bancários. Desde 2005, quando foi implantada essa metodologia de atuação, até abril de 2010, foram aplicados valores superiores a R$ 1,3 bilhão; e contratadas em torno de 914,6 mil operações de crédito. Os valores contratados apresentaram crescimento real de 123,3% ao ano e as operações contratadas tiveram crescimento de 108,4% ao ano, de 2005 a 2009. Até junho de 2010, estava prevista a contratação de cerca de 1 milhão de operações.
Não apenas o mercado consumidor, mas também os frigoríficos estão atentos à produção ecologicamente correta no Brasil. Fernando Sampaio, coordenador de Sustentabilidade da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec), cita que a discussão ambiental chegou em um momento em que o Brasil ainda tem grande parte dos recursos inalterados e preservados, mas existem desafios a serem vencidos. “Uma pesquisa da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) aponta a intenção do mercado em pagar mais por alimentos produzidos de forma sustentável. A indústria tem feito sua parte, focando a rastreabilidade, monitorando desmatamento, além de levar em conta critérios sócios-ambientais na seleção de seus fornecedores e incentivando boas práticas na produção”, aponta ele, indicando os seguintes desafios a serem superados no Brasil: desmatamento ilegal; insegurança jurídica, ambiental, trabalhista e fundiária; clandestinidade; controle sanitário; infra-estrutura; incentivos financeiros e extensão rural e protecionismo.