O algodão que chegou tímido as lavouras do cerrado como alternativa de rotação para outras culturas torna-se uma oportunidade de bons negócios para os grandes produtores brasileiros em um momento em que a eficiência na produção faz toda a diferença.
Década de 1990, após um período de dificuldades ocasionadas, principalmente, por conta da praga bicudo, a cultura do algodão muda quase toda de endereço, passando das tradicionais regiões produtoras até então – como o Nordeste e Estados do Sudeste como São Paulo e Paraná, por exemplo – para o cerrado brasileiro.
Segundo a unidade Algodão da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), foi nesse bioma que o algodoeiro encontrou condições adequadas ao seu desenvolvimento, como clima favorável, terras planas, que permitem mecanização total da lavoura, programas de incentivo à cultura implementada pelos Estados da região e, sobretudo, o uso intensivo de tecnologias modernas. Atualmente, a produção nacional está bem concentrada em áreas no Mato Grosso, norte do Mato Grosso do Sul, Goiás e oeste baiano, regiões em que grandes produtores da fibra têm demonstrado o dinamismo e empreendedorismo do setor.
Walter Horira, da Horita Empreendimentos Agrícolas, foi um dos investidores que apostou no potencial do algodão no cerrado baiano. Na safra 1999/2000, o produtor iniciou o cultivo, motivado por fatores econômicos, basicamente na análise da rentabilidade, após realizar estudos sobre a cultura, mercado e participar de dias de campo. “Não fomos pioneiros no cultivo da fibra, porque preferimos esperar os primeiros resultados nas lavouras da região. O preço estava bom, os custos eram menores naquela época e o retorno, sem dúvida, interessante”, aponta ele que já plantava soja e milho desde 1984. As lavouras do Grupo Horita estão localizadas no município de São Desidério, que é recordista nacional na cultura (fibra). O algodão, na safra 2009/2010, representou 60% na matriz produtiva do Grupo e a variedade Delta Opal é a principal, mas, há ainda FMT 701, FM 993, FM 910, convencionais, e a NU Opal, que é transgênica.
Segundo o produtor, a estimativa de produção do Grupo Horita para a safra 2009/2010 é de 40 mil toneladas de pluma, com produtividade de 340 arrobas por hectares. Cerca de 20% maior que na safra anterior. Hoje, aproximadamente 70% do algodão produzido lá, segue para exportação, tendo como destino principal o Sudeste Asiático, Indonésia, China, Coréia, Japão e Paquistão. Os outros 30% ficam no mercado interno, suprindo basicamente o parque têxtil Nordeste. Para Walter Horira, o valor de mercado nesta safra 2009/10 foi 30% melhor que no ano passado. “São preços acima da média. Agregar valor na cotonicultura é cuidar desde o campo – na fase do desenvolvimento da lavoura e a colheita, até o beneficiamento. Temos de atender a mercados muito exigentes”, sinaliza, ressaltando ainda que diferentemente da pecuária, na qual o produtor investe em melhoramento genético na propriedade, os cotonicultores já compram estes pacotes das empresas, pagando – às vezes, bem caro – por isto. “São as multinacionais, instituições de pesquisa, como a Embrapa que fazem estes investimentos, desenvolvem tecnologias. Aqui na Bahia temos um grande apoio da Fundação Bahia, uma empresa privada de pesquisa mantida majoritariamente com recursos dos produtores, que desenvolve variedades adaptadas para as condições do cerrado baiano”, acrescenta.
Outra que chegou em solos de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Bahia e Maranhão, foi a SLC Agrícola que tem praticado a rotação de culturas entre soja, milho e algodão. A empresa, que atua na cotonicultura desde 1997, apresentou na safra 2008/2009 o plantio de 458 mil hectares de algodão o que resultou na colheita de 240.005 toneladas de algodão em caroço. Para a safra 2009/10, está previsto o plantio de 64.717 mil hectares de algodão e a colheita de 270.008 toneladas de algodão em caroço, que está em franca realização neste período do ano. “Para o ano safra 2010/11 estimamos também que haverá um novo aumento da área plantada de algodão. Vale lembrar que o algodão adapta-se ao clima do cerrado brasileiro, onde as chuvas são escassas nos meses de colheita (junho, julho e agosto). Quando a maçã do algodão se abre, expondo a pluma, não podem ocorrer chuvas para que ele mantenha sua qualidade”, afirma Ivo Marcon Brum, diretor financeiro e de Relações com Investidores da empresa.
Os clientes de algodão da SLC Agrícola têm variado a cada safra. Neste ano, por exemplo, os compradores majoritários são a Cargill Cotton, Toyoshima, Noble, Olam, Glencore, Louis Dreyfus e Vicunha Têxtil. A produção tem sido vendida através de tradings para exportação e também diretamente para indústrias têxteis do mercado interno. De acordo com Ivo Marcon, o algodão tem sido a cultura com maior receita e que tem oferecido as maiores margens para a empresa, com preços altamente correlacionados com o crescimento econômico. “A retomada da economia mundial gerou o aumento da demanda ao passo que sua produção tem caído ano após ano nos países que são grandes produtores. Esse descasamento permitiu que os preços ficassem altos no ano-safra corrente. Para o próximo ano-safra as entidades já projetam um aumento de área dessa cultura”.
Problemas da cultura
Tanto na opinião de ambas propriedades, quanto na do presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa), Haroldo Rodrigues da Cunha, a questão da logística é apontada como o maior gargalo para o produtor brasileiro. Segundo eles, o algodão tem perdido competitividade devido ao custo do frete se comparado a outros países. Walter Horita, pontua que os problemas são crônicos nesse sentido e envolvem desde a falta de infraestrutura no escoamento da safra até o porto, como a inadequação dos portos para exportar o produto, que é uma commodity, especial e requer alguns cuidados para não comprometer a sua qualidade. “Isso o produtor não consegue fazer, precisa do Governo Federal. Nosso papel é produzir bem, no que hoje somos referência. Produzir mais significa excedente, e, consequentemente, exportação. O que fazemos é, através das nossas entidades de representação, deixar claro ao Governo que precisamos de estradas, portos, ferrovias e batalhar por isso”, defende.
Do lado de dentro da porteira, a maior adversidade está na tentativa de redução de custos de produção sem afetar o nível da produção, o que passa, necessariamente, pela questão de preços conforme explica Haroldo da Cunha. Para ele, o setor vive uma etapa boa, com preços interessantes no mercado interno e externo e uma produtividade satisfatória, mas ainda há uma deficiência de variedades transgênicas. “A biotecnologia está ligada a esse desafio. São poucos materiais disponíveis tanto em quanto a resistência a insetos quanto a tolerância a herbicidas. O Brasil precisa acelerar o processo e as empresas necessitam disponibilizar novas tecnologias o mais rápido possível para que o produtor tenha opção de plantar algodão convencional ou transgênico e buscar melhor alternativa, melhor relação de custo beneficio para ele. Isso irá nos colocar, sem dúvida nenhuma, em um nível de igualdade, de competitividade no cenário internacional”, aponta o presidente, ressaltando que na atual safra em apenas cerca de 10% das lavouras estão sendo cultivados algodão geneticamente modificados.
Dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), apontam que a colheita na safra 2010/2011 está estimada em 3.176,8 mil toneladas de algodão em caroço. Em pluma, a previsão é de 1.238,8 mil toneladas, contra 1.213,7 mil toneladas da safra 2008/2009 estabelecendo incrementos de 2,1%, na oferta brasileira da fibra. Na SLC Agrícola, por exemplo, a safra corrente conta com 6% da produção geneticamente modificada. A empresa tem testado constantemente novas variedades em suas fazendas antes de plantá-las em grande escala.
O presidente da Abrapa ressalta, no entanto, que apesar da falta de variedades, as que estão disponíveis já representam um avanço muito importante pelo alto rendimento. Além disso, afirma que tem sido observado no País um crescimento interessante do plantio adensado, que visa o cultivo de mais plantas em menos área. O sistema tem se tornado atrativo principalmente quando se considera a possibilidade do algodão como uma segunda safra. “Não se tem o algodão como segunda safra em nenhum outro lugar do mundo. Enquanto em alguns outros países a única preocupação é produzir um algodão barato, aqui está sendo visto o algodão adensado, mas buscando a qualidade, as melhores alternativas de colheita e também adequações no sistema de beneficiamento, de descaroçamento do algodão para garantir a qualidade da fibra”.
Bicudo, um caso a parte
Os produtores, independentemente do tamanho, têm demonstrado preocupação quanto à eficiência. Em questões técnicas, o combate ao bicudo tem sido uma das principais prioridades. O recente acordo fechado entre o Brasil e os Estados Unidos, aprovado pelo Conselho de Ministros da Câmara de Comércio Exterior (Camex) no mês de junho, deve trazer benefícios nesse sentido, garante Haroldo da Cunha. Pelos termos firmados, está suspensa a sanção autorizada pela Organização Mundial do Comércio (OMC) até a aprovação da próxima lei agrícola americana (Farm Bill) em 2012. Em agosto do ano passado, a OMC permitiu ao Brasil retaliar os Estados Unidos pelo apoio financeiro concedido pelo governo daquele país a seus produtores de algodão. “Isso significa que o Brasil continua em contato com os americanos, principalmente na questão de definição dos rumos dos programas na lei de 2012. Temos a possibilidade da compensação que vai ajudar a enfrentar alguns gargalos, como, por exemplo, a própria questão do combate ao bicudo, que é uma das possibilidades de atividades autorizadas pelo memorando de entendimento entre os dois países. Teremos mais recursos para acelerar o combate desse que é um dos grandes problemas que temos hoje do ponto de vista técnico e que tanto custa ao produtor brasileiro”.
Segundo a Abrapa, há um projeto em fase de conclusão a ser iniciado na próxima safra visando o controle dessa praga e desenvolvido em parceria com a Embrapa, fundações de pesquisas e associações estaduais, o próprio governo federal – por meio do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e a Secretaria de Defesa Vegetal. “É um projeto muito amplo que precisa do envolvimento de vários órgãos em diversas instâncias para que possamos ter um controle efetivo”, resume o presidente da associação, destacando a importância do acordo fechado entre o Brasil e os Estados Unidos, aprovado pelo Conselho de Ministros da Câmara de Comércio Exterior (Camex) no mês de junho e os benefícios que o mesmo deve trazer.