Agricultura

Trigo: produtividade no cerrado

Se para o setor político Brasília não serve de referência alguma no quesito produtividade, não se pode dizer o mesmo sobre a triticultura desenvolvida por lá. O cultivo do cereal responsável pelo ‘pão nosso de cada dia’ se encaixou muito bem às condições de clima, solo e altitude da região – e aliado à tecnologia de irrigação e à produção de cultivares adaptadas, o

Distrito Federal se consagra como grande campeão em produtividade de trigo. De acordo com o levantamento da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), na safra de 2007/2008 o rendimento médio foi de 5.225 quilos por hectare (kg/ha). Na safra de 2008/2009, com base em dados ainda preliminares, a média ficou em 5.246 kg/ha. A estimativa para esta próxima safra a ser colhida a partir de agosto, são 5.650 kg/ha.

Se por um lado a região do Cerrado se destaca com a alta produtividade, a qual também possui grande contribuição goiana – com uma média de rendimento estimada em 3.764 kg/ha para esta safra 2009/2010 – de outro está o volume produzido, que ainda é muito baixo. E nesse quesito o Sul chega na frente, com o Estado de Santa Catarina sendo responsável pela produção da metade do trigo produzido no País – a lavoura catarinense fica em terceiro lugar em termos de produtividade, com uma média de 2.420 kg/ha (estimativa da Conab para esta próxima safra).

Trigo melhorador

Na lavoura da Fazenda Minuano, propriedade de Rodrigo Barzotto Werlang, no Distrito Federal, a cerca de 70 quilômetros do centro de Brasília, a cultura de trigo está dentro de um sistema de rotação no qual entram a soja, o milho, o feijão, o trigo, o arroz e o sorgo. “Cultivamos o trigo irrigado aqui na propriedade desde 1988, e ultimamente estamos registrando rendimentos médios de 100 sacas de 60 kg por hectare”, destaca o produtor.

Houve ano em que a produção chegou a 120 sacas por hectare – e o produtor estima que esse seja o resultado da safra 2007/2008. “Produzimos tanto em qualidade quanto em quantidade. É justamente o trigo melhorador que a indústria pede”, frisa Werlang.

Em parte a responsabilidade desse crescente desempenho da triticultura brasiliense se deve ao trabalho em melhoramento genético desenvolvido em parceria com a Embrapa Trigo, em Passo Fundo (RS), e a Embrapa Cerrados, em Planaltina (DF). “Na década de 1970, com a necessidade de potencializar a cultura de trigo na região do Cerrado, fomos desenvolvendo variedades que fossem adaptadas às condições de clima e solo desse tipo de bioma”, explica o pesquisador e especialista em melhoramento genético de trigo, Julio Cesar Albrecht, da Embrapa Cerrados. “Nesse sentido desenvolvemos primeiramente, duas variedades, que estão em destaque até hoje, a Embrapa 22 e a 44. Em 2006, lançamos as cultivares BRS 254 e a 264, ainda mais produtivas e que podem alcançar até sete toneladas por hectare”, atesta.

E não foi só em nome de rentabilidade na hora da colheita que o trigo tornou-se uma opção aos produtores. “Trata-se de uma cultura ideal para se fazer um bom sistema de rotação, por ela ser uma grande aliada à supressão de doenças de solo, em especial a doenças fúngicas, que ocorre muito em cultivos de leguminosas”, destaca Albrecht.

Além de contar com as variedades melhoradas e com incremento fitossanitário que a lavoura deverá apresentar no solo, as condições que o Cerrado oferece também potencializam a produção de trigo, que é destinada aos cultivos de inverno. Temperaturas médias de 22°C, muita incidência de luz solar (poucos são os dias nublados), ausência de chuvas e com uma riqueza em água para ser feita a irrigação, a cultura se turbinou, e atualmente garante o trigo de melhor qualidade do País, com alto teor de glúten. De acordo com Albrecht, trata-se de um trigo melhorador, com uma média de 280 de força de glúten. “Produzimos no Cerrado um trigo de qualidade mundial, comparável a trigos canadenses”, assegura o pesquisador.

O período de cultivo ideal na região de Cerrado vai do dia 10 de abril a 30 de maio. Com um ciclo variável total que vai de 110 a 120 dias, a colheita fica nos meses de agosto a setembro. “Com isso, somos os primeiros a ter trigo colhido no País, e isso favorece preços melhores aos produtores”.

Um preço melhor é o que vem satisfazendo Werlang. “Como estamos unidos a uma cooperativa na região, que possui o próprio moinho, temos o incentivo de preços melhores dos praticados no Sul do País, por exemplo. Este ano o valor da saca é estimada em R$ 32 a R$ 33, ao passo que para o resto do País, esse valor variaria de R$ 21 a 22”, contabiliza.

Mesmo com um custo alto – que vai de R$ 1.800 a R$ 2.000, Werlang possui um grande rendimento com o trigo. Em duas propriedades a cultura fica disposta numa área de 100 ha – dois pivôs, um de 40 ha e outro de 60 ha. Para essa safra de inverno será cultivado o feijão, já que o trigo fora cultivado na safra anterior de inverno (seguindo o planejamento de rotação estipulado pelo produtor).

Outro item de importância para o estabelecimento da cultura está na altitude das terras em relação ao mar. Quanto maior, melhor a produtividade. O indicado são terras que estejam acima de 500 metros acima do nível do mar. No Distrito Federal há terras que chegam acima de 1.000 metros.

Manejo de irrigação

Num ciclo de 110 a 120 dias, Werlang estima que a lavoura dele receba de 600 a 650 milímetros (mm) de água, por meio dos pivôs centrais. A grande saída para a região central do Brasil, que permite o cultivo em época de seca e que ainda pode garantir a produção em período de chuvas, quando, ocasionalmente, ocorrer estiagem.

A técnica tem de estar de acordo com a demanda de necessidade da planta a cada estágio dela. [Confira esse dado pela tabela ‘A necessidade de água do trigo por estágio da planta’]. Nesse sentido, as irrigações devem ser efetuadas no momento certo e em quantidade adequada para suprir às necessidades hídricas da lavoura e permitir que estas expressem seu potencial produtivo, além de influenciar também o custo de produção.

Vários são os procedimentos utilizados para o manejo da água de irrigação. De acordo com as informações da Embrapa, teoricamente, o melhor critério seria aquele que considerasse o maior número de fatores determinantes da transferência de água no sistema solo-planta-atmosfera. Os critérios de manejo de água utilizados, de maior praticidade, se baseiam em medidas efetuadas no solo e na atmosfera.

Aqueles que se baseiam em medidas no solo fundamentam-se na determinação direta ou indireta do teor de água presente na terra. Os que consideram medidas climáticas baseiam-se na determinação da demanda atmosférica, variando desde medidas de evaporação de água de um tanque de evaporação até equações para estimativa da evapotranspiração.

As ferramentas mais indicadas para o manejo de irrigação do trigo são o tensiômetro, o tanque Classe A, e mais atualmente, um programa de computador disponível via Internet – trata-se do software online de Monitoramento de Irrigação, uma ferramenta versátil e de muita facilidade ao produtor, segundo Albrecht, e que pode substituir as outras duas ferramentas de manejo de irrigação. O programa foi desenvolvido pela Embrapa Cerrados em 2004, e tem por funcionalidade gerenciar esse manejo hídrico, com base em 22 anos de pesquisas sobre as relações solo-água-planta-atmosfera no bioma do Cerrado.

O programa é dinâmico, atualizado e enriquecido anualmente, com acessibilidade gratuita, segundo a Embrapa. A finalidade desse programa é fornecer aos produtores irrigantes, as lâminas líquidas de irrigação e os turnos de rega, para as cultivares de trigo indicadas para a região do Cerrado.

O outro lado da moeda

Mas nem tudo são flores nas lavouras de trigo do Cerrado – bem como nas demais existentes no resto do Brasil. O problema comercial é um dos entraves mais preocupantes que existe atualmente. “De que adianta produzir um trigo de excelente qualidade, ter um índice de produtividade alto se não há para quem vender depois?”, indaga Sylvio Gomes Ribas, produtor gaúcho, que há 28 anos vive em Brasília. Em cerca de 700 ha, o produtor cultivava o trigo irrigado na propriedade dele, a Fazenda Sossego, situada entre os municípios São João d’Aliança e Água Fria de Goiás (GO). Sem interesse da indústria, ele deixou de lado o cereal e destinará a área para o cultivo do feijão nesta próxima safra de inverno. “Os moinhos da região não quiseram fechar contrato, pois estão acostumados a comprar o trigo argentino ou mesmo o produzido nos Estados Unidos, e sem comprador em vista, não vou me arriscar”, declara Ribas.

Na propriedade que totaliza 4.500 ha, a diversidade é o que toma conta do negócio. O carro-chefe é a produção de semente de soja. Aliado a isso também há a produção de banana, café, milho e eucalipto.

O produtor lembra que havia até um pagamento diferenciado à qualidade de trigo produzida. O padrão exigido era de um produto que registrasse um pH 78, e a cada unidade superior a isso, havia uma bonificação de 1% a mais sobre o valor da saca. Um trigo que tivesse, por exemplo, um pH 85 tinha a saca valorizada 7% a mais. Com a venda desse moinho há uns dez anos atrás para um grande grupo do setor alimentício do País, essa bonificação parou, e isso desestimulou o produtor.
Sem estar vinculado ao sistema de cooperativa, Ribas ficava a mercê daquele único moinho, localizado no setor industrial de Brasília. Poucas são as opções dos triticultores por lá. O produtor contabiliza pelo menos quatro moinhos na região compreendida pelo Estado de Goiás e o Distrito Federal. Entre essas poucas opções, dois, instalados em Goiânia (GO), se tornam inviáveis para se estabelecer a comercialização pelo fato de estarem muito distantes, encarecendo assim o transporte da mercadoria.

“Já tive ano que cheguei a produzir 127 sacas por ha, do tipo de trigo melhorador. Minha média sempre foi 100 sacas por ha. A qualidade do trigo é fora de série. O custo pode ser um pouco alto, mas o retorno em produtividade também é alto. Só que não dá para produzir se não há para quem vender depois”, desabava Ribas.

Além de haver poucas unidades de beneficiamento do cereal, Albrecht destaca ainda a falta de uma melhor infraestrutura, em especial em relação às linhas de transmissão de energia. Com uma distribuição adequada da rede elétrica haveria mais possibilidade do uso de bombas d’água e, consequentemente, mais pivôs poderiam ser instalados. Isso incentivaria o incremento de área cultivada na região do Cerrado, pois, segundo o pesquisador, há a disponibilidade de água para isso, o que contribuiria para a autossuficiência de trigo do País.

No entanto a preferência pelo cereal é o feito em terras estrangeiras – mais baratos. O que se observa é de fato uma importação maior do que a produção. Em média, a importação fica em 57,7% sobre a média de trigo consumida no País – algo em torno de 10 milhões de toneladas, de acordo com o levantamento de março deste ano feito pela Conab. Já a média da produção nacional fica em 46,38% sobre essa média de consumo brasileira.

Controle hídrico online

O acesso ao programa se dá pelo próprio sítio de Internet da Embrapa Cerrados [www.cpac.embrapa.br]. E para o estabelecimento do manejo de irrigação proposto, é importante que o produtor siga alguns procedimentos:
1. Instalar, próximo a área irrigada, pelo menos um pluviômetro para medir o volume de chuvas e descontar as contribuições pluviométricas no cálculo das quantidades de água requeridas em cada irrigação.
2. Logo após a semeadura, as primeiras irrigações devem ser feitas conforme a indicação técnica;
3. Após o estabelecimento da cultura acesse pelo portal da Embrapa Cerrados;
4. Clique na logomarca que simboliza o programa, na
parte inferior do portal, ou no ícone “Serviços”, e depois “Monitoramento de Irrigação”, na parte superior do portal;
5. Na janela de entrada de dados selecione a tipo de variedade escolhida e o tipo de solo da área;
6. Selecione a data de emergência das plântulas (o estágio inicial da planta logo quando ela brota da terra), clique em calcular e observe, no relatório final, o turno de rega a ser adotado e a lâmina líquida a ser aplicada;
7. Caso ocorram chuvas, subtraia da lâmina líquida as contribuições pluviométricas e em seguida, calcule a lâmina bruta de irrigação com base na eficiência do sistema de irrigação;
8. Regule o sistema de irrigação para aplicar a lâmina bruta calculada;
9. Seguindo o turno de rega indicado para cada cultivar e tipo de solo, acesse o portal novamente na data da nova irrigação para calcular a lâmina de água que será necessária aplicar;
10. As irrigações devem ser suspensas seguindo as recomendações.

Opções de janelas

A altitude é um dos fatores preponderantes para o sucesso de uma lavoura de trigo. No Distrito Federal, por exemplo, há áreas que chegam a mais de mil metros acima do nível do mar.

Rica em rios e mananciais, a Região do Cerrado tem o sistema de irrigação o grande aliado para uma produção satisfatória e que não sofreria tantos riscos como as demais lavouras do País que dependeriam essencialmente da chuva.

A lavoura de trigo é uma opção de cultura de inverno para a região do Cerrado, e ótima aliada para o sistema de rotação da lavoura, pois garante a supressão de doenças de solo, em especial às causadas por fungos, que ocorrem em cultivos de leguminosas.

“De que adianta produzir um trigo de excelente qualidade, ter um índice de produtividade alto se não há para quem vender depois?”, indaga Sylvio Gomes Ribas.

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