Em um pequeno espaço do terreiro, em todas as propriedades rurais do Brasil, a criação de aves tornou-se uma tradição, seja para o consumo próprio como para pequenas vendas. A facilidade de manejo, por se tratar de uma criação “livre”, e o apelo do sabor da carne das aves propiciou o desenvolvimento de uma atividade muito lucrativa – a criação de galinha caipira, ou o frango “pé duro”, como é conhecido Brasil afora.
Originalmente, na produção, não havia aves próprias para um fim mais comercial, demoravam mais para a engorda, e com isso a carne se tornava mais dura. Hoje há granjas especializadas em preservação de espécies e produção de aves mais eficientes para a engorda, o que beneficiou muitos pequenos produtores.
Francisco Tedde Júnior, por exemplo, foi um deles. Ele sempre lidou com a criação da galinha caipira e tinha estima pelo galo “índio”. “Eu o criava porque gostava da raça, mas não para consumo porque a carne é muito dura, e ele demora mais para ganhar peso. O povo gosta dele para briga de rinha, mas o meu negócio mesmo é só ter o bicho”, explica o pequeno produtor de Jundiaí (SP).
Sob o gene da rentabilidade
No sítio Nossa Senhora Aparecida, há uns três anos, a criação de galinha caipira ganhou o status de atividade de geração de renda para a família de Francisco. Numa área de 300 metros quadrados (m²), toda cercada, ele recria e engorda, em média, 800 aves. “São 200 pintinhos por semana, e com um retorno 100% garantido”, avalia Tedde.
A genética da ave foi adaptada – o Pedrês Paraíso, desenvolvido pela Fazenda Aves do Paraíso, em Itatiba (SP) – e é a que ele usa para tocar a atividade. Na opinião de Tedde, a ave é própria para a produção caipira, pois é mais rústica e está pronta para venda já com cerca de 100 dias. “Eu compro cada pintinho a R$ 1,10 e vendo numa média de R$ 10 a R$ 12, vivo. Como eu faço a minha própria ração, meu custo com a alimentação dos frangos reduz bastante”, declara.
A propriedade é pequena assim como a produção da galinha caipira. A área onde são criadas as aves está cercada porque já houve ocorrências de ataque de animais aos frangos. Fora isso, não há muito de estrutura – dos 300 m², 100 são cobertos, e dentro dessa área ficam quatro alojamentos de pintinhos – as estruturas são fechadas e com iluminação a lâmpadas de 200 watts de potência para aquecê-los. Cada alojamento possui 16 m², e três lâmpadas, além de disponibilidade de água e uma ração concentrada. O espaço comporta cerca de 250 pintinhos por 30 dias e depois disso são soltos juntamente com os demais lotes de aves. “O ideal seria a separação desses lotes, para que nenhuma galinha maior machuque uma outra menor. É, talvez, um plano para o futuro aqui na propriedade”, aponta Tedde.
Cerco à produção
Tedde é um entre tantos outros produtores de galinha caipira que vê na atividade uma maneira simples de como ter renda no campo. No entanto, ele, assim como tantos outros mais pelo Brasil, ainda desconheciam a Instrução Normativa (IN) Nº 56, de 4 de dezembro de 2007 [no momento em que fazíamos a entrevista com Tedde, ele não havia mencionado nenhum problema de adequação com a atividade, nem mesmo com a preocupação da criação se tornar mais cara].
Já o pequeno produtor do município de Artur Nogueira (SP), Rosimaldo José Magossi, logo de início, apresentou a dúvida quanto à continuidade do negócio que recentemente havia começado (a pouco mais de seis meses) e que já se destacava como a segunda atividade mais rentável na propriedade dele, o Sítio São José.
“De acordo com essa normativa, a partir de dezembro deste ano, nós não poderemos mais vender ave viva”, explica Magossi. “Para isso será preciso ter a Guia de Transporte de Animais (GTA). Só que para eu vender, num município próximo, por exemplo, uma galinha somente, eu vou ter de pagar R$ 9 a nota – isso só de uma galinha… Se meu lucro líquido com a venda é de R$ 10, como então eu posso continuar na atividade? Só se eu vendesse mais de 20 galinhas, para assim tirar a nota, mas a venda é, geralmente, de uma a duas aves, e por isso complica para nós produtores”, analisa.
O mal necessário
A regulamentação da avicultura no País não é nova, a proposta vem sendo discutida desde 1998 com a IN Nº 4. Entre os temas, o de maior apelo, é o foco a uma produção sem riscos à saúde das aves e à saúde humana. “A IN Nº 56 visa um aumento da biossegurança dos estabelecimentos avícolas, objetivando a prevenção de enfermidades passíveis de ocorrerem em qualquer tamanho de criação”, declara Regina Célia Freitas D’Arce, médica veterinária e fiscal federal agropecuária do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). “Tais enfermidades representam um grande risco tanto para a sanidade avícola como para a saúde humana, como é o caso da influenza aviária e das salmoneloses. Cabe ressaltar que o prejuízo inerente a uma eventual ocorrência de uma das enfermidades citadas será muito mais impactante do que as adequações exigidas. É uma questão de blindarmos o sistema avícola contra eventuais desafios”, afirma.
Dilatação de prazo
O prazo de adequação, que era para dezembro deste ano, passou para 6 de dezembro de 2012, conforme o mais recente documento apresentado pelo Mapa, a IN Nº 59. Com isso tanto pequenos como grandes produtores de aves terão um tempo maior para se adequar às normas, além de estarem devidamente registrados junto aos órgãos estaduais de Defesa Sanitária Animal.
A fiscalização está nas mãos dos órgãos estaduais de Defesa Sanitária Animal, para os quais também devem ser encaminhados os registros dos estabelecimentos avícolas comerciais. Já para as unidades de reprodução, é o próprio Mapa que fará a fiscalização e o registro, através das superintendências Federais de Agricultura do órgão nos Estados e no Distrito Federal.
Pela nova IN, alguns parâmetros quanto à infraestrutura dos aviários destinados ao comércio de corte e postura também mudaram. Entre eles a preocupação com o isolamento da criação das aves. Pela IN, os aviários deverão ser totalmente fechados por telas de proteção com uma malha não superior a uma polegada ou 2,54 centímetros, à prova de entrada de pássaros, animais domésticos e silvestres. A área também deverá possuir uma cerca de isolamento de, no mínimo, um metro de altura em volta do aviário, com um afastamento mínimo de cinco metros, para que não haja o contato de animais de outras espécies com as galinhas.
Saída para os pequenos
A escolha da criação do frango caipira foi uma alternativa encontrada pela Casa da Agricultura de Artur Nogueira para melhorar a renda no município, já que na região se lida mais com culturas como a laranja e a cana-de-açúcar que não vem garantido bons resultados de ganhos, mesmo para quem já está estruturado na área. O projeto envolve 13 pequenos produtores – o qual Magossi faz parte. De acordo com a engenheira agrônoma responsável pelo órgão municipal, Roseli Borges, a criação de galinha caipira foi uma saída para manter esse produtor no campo, por ser uma atividade que já era desenvolvida, para consumo próprio, bem como pela facilidade de manejo com a ave.
A alternativa funcionou muito bem para os produtores que aderiram ao projeto – até vir a notícia da IN Nº 56, agora alterada pela IN Nº 59. A exemplo de Magossi, a proposta deu certo – na pequena propriedade dele, a produção de galinha caipira se encaixou bem com os cultivos de quiabo, abobrinha, laranja e cana-de-açúcar. O quiabo é a principal cultura de onde sai a maior parte da renda do produtor e o frango veio em segundo lugar. Com o apoio do município, Magossi e os demais produtores tinham o suporte técnico para a criação. A linhagem recriada era também vinda da Fazenda Aves do Paraíso. Agora o desafio é promover a adaptação entre os produtores, até para manter o produto “caipira”.
“Essa adequação, seguirá as normas do Mapa, e por isso vamos ter de fazer com que as propriedades inseridas dentro desse projeto tenham isolamento e um controle sanitário mais efetivo”, destaca o médico veterinário de Artur Nogueira, Alexandre Scatena. “E esse projeto vai ter de ser todo cadastrado no Mapa. (…) Então, às vezes, para o pequeno produtor isso vai ser inviável, em função até do custo que isso irá ter, mas é a medida que tem de ser seguida”, conclui.
Para saber mais
Esclarecimento de dúvidas quanto à criação de aves e os procedimentos para adequação o produtor pode ligar diretamente para o Canal de Relacionamento do Mapa pelo número 0800 704 1995. Outras informações também podem obtidas através do sítio de Internet www.agricultura.gov.br.
Quanto à compra de pintinhos e poder conhecer melhor linhagens de aves próprias para a criação da galinha caipira, o produtor pode ligar para a Fazenda Aves do Paraíso, (11) 4524-0057, ou pelo sítio www.frangocaipira.com.br.
O que diz a Instrução Normativa Nº 56?
Segue abaixo alguns pontos importantes sobre a normativa que regulamenta os procedimentos para registro, fiscalização e controle de estabelecimentos avícolas de reprodução e comerciais do País. O documento e os demais anexos podem ser obtidos pela Internet, no sítio do Mapa (www.agricultura.gov.br, no menu superior ‘Legislação’, e sub-menu ‘SISLEGIS – Sistema de Consulta de Legislação. Na janela de consulta que se abre, o produtor pode buscar pela normativa inserindo nos campos ‘Número’ e ‘Ano’, 59 e 2009, respectivamente. O documento em questão será o primeiro listado na tabela).
Para fazer o registro, os estabelecimentos avícolas deverão estar cadastrados na unidade de atenção veterinária local, do serviço estadual de defesa sanitária animal, e os proprietários deverão apresentar os seguintes documentos ao órgão responsável pelo registro:
Requerimento de solicitação ao órgão de registro;
Dados de existência legal de pessoa jurídica: (a) cópia do cartão de CNPJ; (b) cópia do registro na Junta Comercial do Estado ou do contrato social da firma, com as alterações efetuadas; (c) cópia do contrato de arrendamento ou parceria registrado em cartório, se houver;
Dados de existência legal de pessoa física: (a) cópia do CPF; (b) cópia do cadastro no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) ou cópia da inscrição do imóvel na Receita Federal; (c) cópia da inscrição ou declaração de produtor rural; (d) cópia do contrato de arrendamento ou parceria registrado em cartório, se houver;
Anotação de responsabilidade técnica do médico veterinário que realiza o controle higiênico-sanitário do estabelecimento avícola, nos moldes do Conselho Regional de Medicina Veterinária (CRMV);
Planta de localização da propriedade ou outro instrumento, a critério do Serviço Veterinário Oficial responsável pelo registro, capaz de demonstrar as instalações, estradas, cursos d’água, propriedades próximas e suas respectivas atividades;
Planta baixa das instalações do estabelecimento ou outro instrumento, a critério do Serviço Veterinário Oficial responsável pelo registro, capaz de demonstrar toda a infraestrutura instalada;
Licença emitida por órgão de fiscalização de meio ambiente municipal, estadual ou federal, de aprovação da área onde se pretende construir o estabelecimento;
Memorial descritivo das medidas higiênico-sanitárias e de biossegurança que serão adotadas pelo estabelecimento avícola e dos processos tecnológicos, contendo descrição detalhada do seguinte:
(a) manejo adotado;
(b) localização e isolamento das instalações;
(c) barreiras naturais;
(d) barreiras físicas;
(e) controle do acesso e fluxo de trânsito;
(f) cuidados com a ração e água;
(g) programa de saúde avícola;
(h) plano de contingência;
(i) plano de capacitação de pessoal;
(j) plano de gerenciamento ambiental; e
(l) plano descritivo da rastreabilidade de ovos incubados e destinação de ovos não incubáveis, exigido apenas para incubatórios e produtores de aves e ovos SPF (livres de patógenos) e produtores de ovos controlados para produção de vacinas inativadas;
Documento comprobatório da qualidade microbiológica, física e química da água de consumo, conforme padrões da vigilância sanitária, ou atestado da utilização de fornecimento de água oriunda de serviços públicos de abastecimento de água.