Seja com o uso da transgenia ou com o cruzamento convencional entre espécies, as pesquisas em melhoramento genético conseguem amenizar os danos da ferrugem, por exemplo, além de conferir resistência a herbicidas.
A cultura de maior importância econômica do País surgira como opção viável de cultivo para o verão, na década de 1960. Naquela época, o trigo detinha maior destaque, em especial na região Sul. Hoje, a safra do cereal (2008/2009) é estimada em um pouco mais de 6 milhões de toneladas, enquanto que a soja deve ficar em mais de 57 milhões de toneladas, de acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
A maior adaptabilidade no País e o crescimento pela demanda de farelo de soja, em função da produção de aves e suínos, promoveram a cultura do grão, que hoje é o carro chefe das exportações brasileiras, fechando o acumulado de janeiro a junho deste ano, com mais de US$ 10,1 bilhões – 32,3% do total comercializado para fora do País, segundo o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).
O maior apelo comercial também resulta em maior demanda na área de pesquisa para o desenvolvimento de cultivares adaptadas ao clima e às condições de solo de cada região do País, além de garantir variação de ciclos e resistência a pragas e herbicidas. Oficialmente, 668 cultivares de soja são cadastradas no Registro Nacional de Cultivares (RNC/Mapa). Destas, 201 são transgênicas.
Contra a ferrugem
Tecnologias de melhoramento genético tradicional, ou seja, obtidas através de cruzamentos de variedades distintas de soja, apresentam avanços no controle de uma das pragas que mais afeta a produção atualmente, o fungo Phakopsora pachyrhizi, causador da ferrugem asiática. De acordo com as informações da Embrapa Soja (Londrina/PR), a doença foi constatada pela primeira vez, no Continente Americano, no Paraguai, em 5 de março e no Estado do Paraná, em 26 de maio de 2001. Hoje é identificada em praticamente todas as regiões produtoras de soja do País, exceto no Estado de Roraima. A ferrugem asiática é favorecida pela alta incidência de chuvas e por temperaturas de podem variar entre 18°C e 26,5°C, no caso de infecção da lavoura – as perdas podem girar de 10% a 90%.
Duas tecnologias podem servir de ferramenta para o sojicultor para melhor controle da doença. A primeira, através da variedade desenvolvida pela Embrapa Soja em parceria com a Secretaria de Agricultura, Pecuária e Abastecimento do Estado de Goiás (Seagro) – a cultivar BRSGO 7560, e a segunda, a soja Inox, obtida por pesquisas da Fundação de Apoio à Pesquisa Agropecuária de Mato Grosso (Fundação MT) e da empresa Tropical Melhoramento Genético (TMG).
No caso da Embrapa, treze anos de pesquisa foram necessários para a obtenção de um exemplar que fosse resistente e que se adaptasse às condições do País (especificamente para as regiões do Distrito Federal, Goiás, Minas Gerais e norte do Estado de São Paulo) – a cultivar em questão é a soja BRSGO 7560, que deverá estar à disposição dos produtores dessas regiões para a safra de 2010/11. “Nós estamos desenvolvendo testes em Mato Grosso e em Mato Grosso do Sul, e para o Rio Grande do Sul, só daqui a uns três anos, mais ou menos, poderá ter uma variedade adaptada”, estima o pesquisador da Embrapa Soja, da área de genética e melhoramento, Milton Kaster. “Uma das grandes dificuldades em pesquisas como essa é o tempo para a obtenção de resultados, além da própria característica da praga estudada”, diz. A variabilidade genética que o fungo pode adquirir, em função das diferentes raças que pode apresentar, desafia a pesquisa em busca de resistência. De acordo com Kaster, foi por uma raça específica do fungo que deu base aos estudos e a obtenção de uma variedade resistente a ele. O que pode não funcionar com outra raça do fungo e por isso, a cultivar não é 100% imune ao ataque da praga. “Essa nova cultivar é mais resistente à doença, no entanto é importante que o produtor também faça o manejo tradicional de controle da ferrugem. Nesse caso, a diferença estará relacionada na economia de aplicação de fungicida, se antes se faziam duas aplicações, agora, com nova variedade, se faz apenas uma”, exemplifica.
A BRSGO 7560 apresenta um ciclo precoce que pode variar de 112 a 118 dias. O plantio recomendado segue o padrão da maioria das cultivares que é de 15 de outubro a 30 de novembro. De acordo com Kaster, o ideal é o plantio de 300 a 360 mil plantas por hectare. “Isso garante uma melhor população para fazer uma boa exploração econômica da atividade. Mais que isso pode fazer com que as plantas fiquem muito juntas e finas e, com isso, acabam deitando, o que dificulta na hora da colheita – é o que se chama de acamamento. O contrário, o plantio por hectare inferior a essa média de 300 a 360 mil plantas, acarreta no não aproveitamento da área e ainda permite o desenvolvimento de plantas invasoras no meio da lavoura”, alerta o pesquisador.
Associada a economia de aplicação de fungicidas, a cultivar pode render uma média de 3.035 quilos por hectare. “Considerando os benefícios dessa cultivar, esse resultado de produtividade está próximo das cultivares de alto padrão de produção, que podem variar de 3.300 a 3.400 quilos por hectare”, diz Kaster.
Inox
Resultado de sete anos de pesquisa através do Programa de Melhoramento Genético de Soja da Fundação MT e da empresa TMG, as variedades TMG 801 e TMG 803, as quais são caracterizadas pela “tecnologia Inox”, já foram disponibilizadas aos produtores de sementes nesta safra atual (2008/2009) e para a próxima safra, os produtores de grãos já vão poder fazer o uso dessa tecnologia. As cultivares são adaptadas para o cultivo no Estado de Mato Grosso.
Essa tecnologia Inox nada mais é do que a produção de uma variedade resistente ao fungo causador da ferrugem asiática. “As cultivares foram obtidas por cruzamentos artificiais com plantas que possuem alguma forma de resistência”, explica o pesquisador da Fundação MT, Sérgio Suzuki. “Buscamos avaliar o maior número possível de cultivares, linhagens, e outros genótipos disponíveis para identificar aqueles que apresentassem algum nível de resistência à ferrugem”. Foi a partir desse trabalho, destacando às plantas mais resistentes que se chegou na obtenção de duas variedades que, além da resistência a ferrugem asiática, apresentam resistência ao cancro da haste e a mancha olho-de-rã: uma precoce, a TMG 801, com um ciclo de 122 dias em média, com o cultivo recomendado de 15 de outubro a 19 de novembro, e que apresenta uma produtividade média de 68,33 sacas por hectare; e a outra, a TMG 803, de ciclo semi-tardio (132 dias em média), com recomendação de plantio do dia 15 de outubro a 26 de novembro, e que, ao final, de acordo com as pesquisas, pode render em média 69,33 sacas por hectare.
Assim como a cultivar BRSGO 7560, as TMG 801 e 803 não são totalmente imunes ao fungo, e por isso se faz necessário o controle fúngico contra a ferrugem. “O produtor deverá fazer no mínimo uma aplicação de fungicida na soja Inox devido ao risco de seleção de novas raças de ferrugem”, destaca Suzuki. “Além disso, há outras doenças, diferentes da ferrugem, que ocorrem na cultura da soja, as quais ainda necessitam de controle por meio da aplicação de fungicidas”.
O grupo de pesquisadores formado pela Fundação MT e a TMG já estimava a constante atualização da cultivar e, por isso, já estuda uma segunda e terceira geração de cultivares a partir dessa tecnologia Inox. Se a geração I já possuía um gene de resistência, a geração II combinará este com outros mais na mesma planta, e assim também na geração III. “Assim, se o fungo quebrar a resistência da geração I, teremos a geração II, e se quebrar a resistência da geração II, teremos a geração III”, explica Suzuki.
A seleção transgênica
A matriz de todas as 201 cultivares transgênicas comercializadas no País possui a característica de tolerância ao herbicida à base de glifosato, que impede o crescimento de plantas daninhas que competem com a cultura da soja. O gene foi resultado da pesquisa da Monsanto, empresa multinacional de biotecnologia, a qual desenvolveu o herbicida Roundup Ready (RR) – este que garantiu tolerância às cultivares que levam o RR no nome. A licença comercial da soja Roundup Ready saiu em 1º de outubro de 1998, com o aval da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), órgão vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT).
“Ao ser tolerante ao herbicida à base de glifosato, que aplicado sobre a cultura principal controla apenas as plantas invasoras, a soja RR permite a substituição de grandes doses de herbicidas das classes I e II (os mais agressivos para o meio ambiente e para a saúde do trabalhador) por somente um produto – o glifosato – de baixo grau toxicológico (classes III e IV)”, destaca o gerente de marketing de soja da Monsanto, Sandro Rissi.
Com a marca Monsoy, a empresa apresenta dois lançamentos, a M7639RR e a M8230RR. A primeira cultivar citada é caracterizada pelo rendimento médio de xxx quilos por hectare, superprecocidade (xxx dias), e ideal para a abertura de plantio. Já a M8230RR, com uma produtividade média de xxx quilos por hectare, é caraterizada por um ciclo precoce (xxx dias em média). Ambas cultivares são resistentes ao nematóide de cisto e adaptadas às regiões de São Paulo (Norte), Minas Gerais (Triângulo Mineiro e Noroeste), Goiás (Leste, Sudoeste e Noroeste), Mato Grosso (Sul, Leste, Médio Norte e Noroeste) e Mato Grosso do Sul (Norte e Sul).
“A Monsanto acaba de ingressar na CTNBio com o pedido de liberação comercial da soja Bt RR2, que combina a tecnologia Bt e a nova geração da tecnologia Roundup Ready. A proteína, proveniente da bactéria Bacillus thuringiensis (Bt), introduzida na semente, controla os ataques às lavouras por pragas, enquanto a tecnologia Roundup Ready2Yield, confere à planta tolerância à herbicidas à base de glifosato, permitindo um melhor manejo das plantas daninhas”, atesta Rissi.
Segundo o porta-voz da empresa, essa nova tecnologia deverá oferecer uma vantagem sobre a produtividade da planta. “A soja BtRR2 é a primeira tecnologia desenvolvida pela Monsanto fora dos Estados Unidos. Com isso, a empresa atenderá a uma necessidade dos agricultores brasileiros e de outros países da América do Sul por novas ferramentas para o controle efetivo da lagarta da soja”, diz Rissi.
Uma nova classe de transgênicos
O segundo gene transgênico que pode influir na soja brasileira pode sair de uma pesquisa desenvolvida pela BASF em parceria com a Embrapa Soja. A cultivar geneticamente modificada será tolerante aos herbicidas da classe dos compostos químicos imidazolinonas. “Essa soja deverá ser usada pelos agricultores em alternância com os outros sistemas, com isso diminui-se a dependência de um só sistema de controle de plantas invasoras na soja”, declara o gerente de Biotecnologia da BASF, Luiz Carlos Louzano. “Nossa expectativa é que essas novas cultivares cheguem ao produtor de sementes em 2010 ou 2011 e para o agricultor a partir de 2012”.
A obtenção dessa nova cultivar foi possível com a introdução do gene Ahas ao genoma da planta. O gene pertence originalmente à planta Arabidopsis thaliana, da família das Brassicaceae, a qual também pertence a mostarda, e ele acabou conferindo tolerância ao herbicida à base de imidazolinonas. “Após a inserção do gene foram feitos demais estudos para assegurar a segurança da cultivar. Os resultados foram apresentados à CTNBio que deverá dar o parecer final”, explica Louzano.
A médio prazo, dentro de cinco a seis anos, a BASF pretende aprimorar outros aspectos agronômicos do grão, como resistência a seca e a nematóides. A longo prazo, de 10 a 12 anos, o foco das pesquisas devem garantir cultivares que apresentem melhor teor ou qualidade no óleo da soja.
Campo aberto à pesquisa
As pesquisas em melhoramento genético, sejam por via de cruzamento convencional ou por transgenia, se concentram na obtenção de resultados. Ainda mais sob um cenário de mudanças climáticas e de regiões que agora limitam a produção, o que leva o produtor a uma maior exigência no trato com a lavoura ou, pior, a uma sequência de perdas consideráveis.
“A gente sempre fica correndo atrás de soluções para a lavoura, no desenvolvimento de novos produtos e na difusão dessa tecnologia”, diz o pesquisador da Embrapa Soja, Milton Kaster. “E o produtor está bem atento a isso, vai aos dias de campo e já nos questiona sobre outros aspectos da produção e produtividade ou mesmo sobre controle de outras pragas. Daí que são feitos os estudos, adequando à realidade do produtor brasileiro, mas para isso, leva-se um bom tempo para chegar a um resultado”, explica.
Nesse sentido a unidade de pesquisa de Londrina (PR), da Embrapa, também estuda uma variedade que seria resistente a nematóides – que apresentam sérios danos à lavoura. Outra preocupação, especificamente na região do Brasil Central, é a doença mofo-branco, causada pelo fungo Sclerotinia sclerotiorum, que atinge haste, vagem e semente da planta. A Embrapa Soja também começa a estudar uma forma de controle para amenizar os danos da doença, com cultivares melhoradas que possam resistir ao ataque do fungo.
Seca dá mais prejuízos que a ferrugem na safra
O impacto da seca, que atingiu praticamente todos os estados brasileiros, na safra 2008/2009, foi mais prejudicial à produção do grão do que a própria ação da ferrugem asiática na lavoura. Essa foi a constatação apresentada na reunião do Consórcio Antiferrugem, realizada no início de julho deste ano, em Londrina (PR). O Consórcio, instituído desde setembro de 2004, é uma parceria de instituições públicas e privadas no combate à ferrugem asiática da soja, e conta com especialistas das mais variadas regiões do País e do Mercosul, com o objetivo de levar ao agricultor todas as informações disponíveis sobre a doença e capacitá-lo em como manejá-la corretamente.
A doença fúngica é caracterizada pela ação severa de infecção, a qual estimula a desfolha precoce da planta, impedindo a completa formação dos grãos. Entre as medidas de controle podem-se destacar a aplicação de fungicidas e o vazio sanitário, período que varia de 60 a 90 dias sem o plantio de soja na entressafra.
No País, o saldo do custo médio na safra passada (2008/2009), contabilizado pelo Consórcio, ficou em US$ 1,97 bilhões para o controle químico da doença, com custo médio de US$ 43,00 a aplicação por hectare. Mesmo com o aumento de 33% no número de focos da doença – de 2.106 (2007/2008) para 2.884 (2008/2009) – o que se observou foi uma menor agressividade da doença nas lavouras, em função da agilidade de identificação da ferrugem e tratamento.