O sequenciamento genético do boi abre caminhos para animais melhores e mais produtivos. Recentemente 300 cientistas de 25 países, entre eles o Brasil, acabaram de dar uma contribuição relevante ao mundo da pecuária. O grupo de pesquisadores concluíram o sequenciamento do genoma bovino, um avanço que pode permitir diversas melhorias na produção pecuária.
O estudo, mais completo feito até hoje, proporciona novas informações sobre a evolução da espécie bovina e aponta novos caminhos de pesquisas que podem gerar maior sustentabilidade da produção de carne e leite aos países produtores, como o Brasil. A pesquisa, conduzida por pesquisadores do Centro de Sequenciamento do Genoma Humano do Baylor College of Medicine (EUA) e que contou com a participação de cientistas da Universidade Estadual Paulista (Unesp), descobriu que o genoma bovino é constituído por pelo menos 22 mil genes.
As informações foram obtidas a partir do sequenciamento de uma vaca da raça Hereford e o estudo levou sete anos para ser finalizado.
Agora, os bovinos fazem parte de um pequeno grupo de animais – entre eles, os humanos, outros primatas e roedores – que tiveram seus genomas decodificados. “A partir de agora, diversos projetos e pesquisas serão dedicados a desvendar outras características do genoma bovino. Esse foi só o começo”, argumenta o pesquisador da Unesp de Araçatuba (SP), José Fernando Garcia, especialista em genômica e integrante do consórcio internacional.
O pesquisador compara o sequenciamento a uma abertura de uma caixa-preta, repleta de informações anteriormente desconhecidas. “Os benefícios desta descoberta são inúmeros. Isso funciona como uma lista telefônica, no qual sabemos o nome e número de cada gene, mas sem saber sua funcionalidade. O desafio a partir deste momento é conhecer esta função e, principalmente como as diferenças entre os indivíduos alternam nesses genes e causam a grande variedade de fenótipos, aquelas características, que observamos no rebanho”, diz.
De acordo com o pesquisador, conhecendo essas diferenças é possível explorá-las na seleção daqueles animais que possuem características de grande interesse ao pecuarista, como ganho de peso e produção de leite. Além de que a tecnologia favorecerá na avaliação de traços de difícil mensuração, como: maciez e sabor da carne, conversão alimentar, resistência a doenças, entre outros.
Do campo à mesa, a pesquisa pode trazer avanços para toda a cadeia. “Hoje, existe muita variação. Se você compra uma peça de picanha, no mesmo lugar, para fazer um churrasco para os amigos, você pode ter uma que está muito boa e outra que está dura demais. Não existe uniformidade”, argumenta Garcia. “Com essa informação genética, será possível elevar a qualidade e trazer para o Brasil essa uniformidade que já existe em outros países, como a Argentina, famosa por sua picanha. A cadeia de leite poderá ter suas vantagens, uma vez que é possível selecionar vacas resistentes às mastites, evitando assim o uso de antibióticos, outro benefício para o consumidor”, esclarece.
Com isso, explica Garcia, será possível elevar a qualidade do gado de corte e leiteiro e transformar o que já é um grande produto de exportação numa mercadoria de alto valor agregado.
Para o pesquisador da Unesp de Araçatuba (SP), o mapeamento do genoma bovino também pode ajudar em pesquisas sobre a saúde humana e doenças. “Descobrimos que os bovinos são muito mais parecidos conosco. A semelhança e as particularidades dos genes do sistema imunológico podem de alguma ajudar no entendimento dos processos que regulam a defesa imunológica de seres humanos. O bovino pode ser utilizado como modelo para o estudo de doenças genéticas humanas e vice-versa. O boi como ruminante, precisa conviver ‘pacificamente’ com a flora microbiana ruminal. Os humanos não têm essa resistência, mas agora a chave da resistência pode ser procurada em meio ao genoma do boi”, exemplifica.
Do campo ao laboratório
Na prática, com a decodificação do genoma é possível também identificar com precisão as pequenas diferenças genéticas que determinam porque um animal é mais resistente a doenças e outro não, por exemplo. “As informações moleculares conhecidas como marcadores de DNA, a variação que ocorre na sequência de nucleotídeos do DNA de um indivíduo, permitem a avaliação dos animais a partir de um único exame”, explica o pesquisador José Fernando Garcia.
O conhecimento desse mapa sequenciado poderá determinar as características do boi, a serem usadas como uma ferramenta poderosa para aumentar a produtividade, e baratear o custo de programas de seleção genética. No melhoramento genético clássico, as informações de cada animal são geradas a partir da observação fenotípica e do resultado da produção de seus filhos. Os dados levam algum tempo para a conclusão e existem gastos para o sustento de todos os animais e de suas crias. “A junção dos programas de melhoramento com esta nova descoberta poderá fortalecer ainda mais a seleção genética. As provas de ganho de peso e as DEPs ponderais, as diferenças esperadas na progênie, vão se tornar uma ferramenta indispensável. Creio que ocorrerá mudanças nos procedimentos adotados atualmente. Talvez será possível usar um menor número de animais para testes”.
Não é a primeira vez que o genoma do boi tenta ser desvendado. Algumas empresas do setor já realizavam pesquisas. A diferença em relação ao feito está no detalhamento de informações. “Até o momento a comunidade estava apenas estudando pontos do genoma. Mas, essa força tarefa permitiu a compreensão do conjunto como um todo. O esforço foi muito bem sucedido”, conclui o pesquisador.
Na qualidade de maior rebanho, o Brasil poderá sair à frente na seleção de características de interesse econômico e padronização da produção de carne. “Só esperamos que a cadeia da carne como um todo entenda o que pode obter com essa tecnologia e, portanto, a insira na cadeia de forma a beneficiar a todos, de forma equilibrada. Se não for assim, corremos o risco de não nos posicionarmos no setor”, conclui o pesquisador José Fernando Garcia.
Passo a passo do sequencimento:
1) Escolhido o animal Hereford;
2) Retirada amostra para purificar o DNA;
3) O DNA é “picotado” em pedaços grandes e distribuído entre laboratórios do mundo;
4) Redução em pedaços menores e redistribuição para o sequenciamento;
5) Cada pedaço é sequenciado, sendo feita nova verificação em diferentes laboratórios;
6) Informações são reunidas com auxílio da bioinformática para a montagem do quebra-cabeça.
7) Conclusão do genoma após seis anos.