Esse foi o prejuízo tomado pelos fruticultores da região do Vale do São Francisco, reflexo da crise financeira mundial.
A tal “marola” – uma ondulação na superfície do mar, ou mesmo, figuradamente, uma pequena onda – teria o mesmo impacto que a crise financeira mundial na economia brasileira, segundo as perspectivas do presidente, Luiz Inácio Lula da Silva.
A marola provou ser maior que um tsunami – termo que vem do japonês (“tsu”, porto, ancoradouro; e “nami”, onda, mar) que significa uma onda gigante gerada por distúrbios sísmicos, de alto poder destrutivo quando chega à região costeira.
A destruição, em questão, foi estimada em R$ 300 milhões. As vítimas: os produtores de frutas da região do Vale do São Francisco – a grande maioria, produtores de uva da região de Petrolina (PE) e de manga, da região de Juazeiro (BA). Não há números exatos de quantos foram prejudicados pelo impacto da crise financeira mundial lá na região, mas, só para se ter uma ideia, no Vale, são estimados cerca de 8 mil produtores de frutas – produção que também comporta as culturas de goiaba, banana, melão, melancia, acerola e maracujá, de acordo com Ivan Pinto da Costa, presidente da Câmara de Fruticultura do Vale do São Francisco, que faz parte do Fórum Permanente de Debate da Associação Comercial Industrial e Agrícola de Juazeiro (ACIAJ).
Foram 87.248 toneladas de uva, da safra de setembro a novembro de 2008, e mais 102.770 toneladas de manga, da safra total, que tiveram de ser comercializadas a um preço muito abaixo do mercado, segundo Costa. A uva, por exemplo, saiu de um preço médio de US$ 2,40 o quilo para US$ 0,80 a US$ 1,20 o quilo. Com a crise, os mercados compradores, Estados Unidos, que ficaram com 25% da produção, Inglaterra (25%) e demais países europeus (50%), declararam não poder sustentar a compra. A saída dos produtores foi à drástica redução do preço das frutas.
O que era doce se tornou realmente amargo. A produção para a exportação era a via mais rentável para o Vale. A quantidade e a qualidade das frutas superavam às das safras anteriores, segundo o relato de Edmilson Alves dos Santos e Ana dos Santos, que fazem parte de uma cooperativa de fruticultores da região de Petrolina.
Ana, que há 10 dez anos está na atividade, jamais passara por uma situação igual. Os prejuízos tomados por ela somam cerca de R$ 500 mil reais, que em grande parte foi causado pela uva – toda a produção dela foi destinada à exportação. O resultado: deve diminuir a área da produção e demissão de metade do quadro de funcionários que estavam com ela.
Já a produção de Edmilson não teve quebra total, porque destinou parte da produção ao mercado interno. “Tive uma produção de uvas com semente, que totalizou 35 toneladas por hectare, que garantiu um bom preço no mercado interno, numa média de R$ 2,30 o quilo”, diz. O produtor que trabalha numa área de 10 hectares (ha), destinou quatro ha, para a uva sem semente – essa destinada à exportação, totalizando 30 toneladas por hectare. Nos seis restantes, foi a produção da variedade com semente, que o segurou da força da marola presidencial. O prejuízo, contabilizado pelo produtor ficou, mais ou menos, na ordem de R$ 150 mil.
Janela de mercado
Além de uma produção de primeira qualidade e quantidade, o Brasil ainda tinha uma grande vantagem, era o único país no mundo que tinha, em novembro do ano passado, o produto a oferecer. Sem concorrentes, a receita era certa. Isso é o que os produtores chamam de “janela”, nesse mercado de exportação – uma oportunidade de negócio na qual um país se vê como o único exportador de uma determinada mercadoria – no caso brasileiro, a fruta. No Vale, em função da irrigação, é possível se produzir o ano todo, mas por conta dessa janela, a produção se concentra para venda justamente nesse período.
“Houve críticas de que a produção se excedeu à demanda e, por isso, houve essa queda de preço”, diz Ivan Costa, presidente da Câmara de Fruticultura do Vale do São Francisco. “Só que se esqueceram de mencionar que o montante produzido pelo País não chega nem aos pés da produção dos próprios EUA, com cerca de 800 mil toneladas de frutas, ou da África do Sul, com 400 mil, ou mesmo a do Chile, com 500 mil, por exemplo. Por isso não houve oferta excedente”, argumenta. O fato demonstra o quanto a exportação, apesar dos ganhos e dos benefícios à economia, pode trazer riscos à produção brasileira.
Perspectivas para safra 2009
Depois do impacto dessa onda, os produtores parecem estar mais reticentes em relação à safra desse ano. Em função do próprio pagamento desses R$ 300 milhões e o custeio da próxima safra que deve girar em torno de R$ 200 milhões. Segundo o presidente da Câmara de Fruticultura, os bancos, Banco do Brasil e Banco do Nordeste, estão de acordo sobre o auxílio do parcelamento da dívida em cinco anos. Apenas o Banco do Brasil fará um estudo caso a caso para liberação do crédito aos produtores, para destinar essa linha de financiamento justamente àqueles que sofreram com a crise.
O mercado de exportação de frutas dá sinais de melhoria, de acordo com Costa. A câmara está fazendo monitoramento do fluxo de venda e preços no mercado internacional. A fruta chilena, por exemplo, era comercializada em março de US$ 12 a US$ 14 a caixa – índices de preços considerados bons, o que sinaliza a volta ao consumo de fruta. Consumo esse que é o grande chamariz às exportações. “Lá fora, a fruta faz parte do cardápio das pessoas, tão importante quanto qualquer outro alimento, como a carne. Isso faz a exportação ser um mercado atraente. Já no Brasil, infelizmente a fruta não tem todo esse peso, e por isso o volume de consumo por habitante é menor”, destaca Costa.