Agricultura

Brasil é o país que menos subsidia a agricultura

Por Charlene de Ávila* e Néri Perin** –  Não se espantem meus caros, com o título da resenha. Realmente, o produtor rural brasileiro é o que menos subsídios tem quando comparado aos produtores rurais europeus. Em compensação, o nosso agronegócio não deixa de fazer bonito quando o assunto é exportação, e o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) não nos deixa mentir. Vejam só:

As exportações do agronegócio em outubro de 2022 foram recordes e atingiram a cifra de US$ 14,25 bilhões de dólares, sendo que o valor foi 61,3% superior na comparação com que foi vendido ao exterior em outubro de 2021, representando 48,5% do total de vendas externas no período. Querem mais?

O principal setor exportador do agronegócio brasileiro (complexo soja) exportou US$ 3,68 bilhões, sendo a grande estrela a soja em grãos, com um registro recorde para os meses de outubro de US$ 2,49 bilhões. As vendas externas de carnes chegaram a US$ 2,28 bilhões. Maravilhoso, não é mesmo? Entretanto, será que poderíamos replicar aquela frase infeliz tão propalada nos meios de comunicação que dizia: “Perdeu, mané”, para os subsídios agrícolas do país?

Vamos explicar: há quem pense que o agronegócio só é bem sucedido porque tem subsídio do governo. Ledo engano, não é verdade. Segundo dados da OCDE – a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, organizados pelo Insper Agro Global, o Brasil é um dos países do mundo que menos subsidia a produção agrícola, com cerca de 1 a 2% em relação à receita bruta do produtor. Estados Unidos e China têm mais de 10%, e União Europeia tem quase 20% de subsídio em relação à receita bruta do produtor. O Brasil realmente perde em não assegurar um subsídio direto aos agricultores aos moldes da União Europeia, uma vez que muitos desafios que se colocam ao setor agroalimentar, tanto atuais como futuros, como a concorrência mundial, as crises económicas e financeiras, as alterações climáticas e os custos voláteis de fatores de produção dos combustíveis ou dos fertilizantes impactam diretamente o produtor rural como toda sociedade.

Pois bem: Através de apoio direto aos produtores rurais, a Política Agrícola Comum (PAC) da União Europeia garante aos agricultores apoio ao rendimento que proporcionam a estabilidade dos rendimentos e remuneram os agricultores por praticarem uma agricultura respeitadora do ambiente e por prestarem serviços públicos que os mercados não costumam remunerar, como a salvaguarda do espaço rural.

A PAC garante também as medidas de mercado (market mesures), para fazer face às condições de mercado difíceis, como uma quebra súbita da procura devido a uma emergência sanitária ou uma queda dos preços em consequência de uma oferta excessiva no mercado e, por fim, garante medidas de desenvolvimento rural (rural development), que consistem em programas nacionais e regionais que visam dar resposta às necessidades e desafios específicos das zonas rurais. Além dos preços garantidos, há ainda, pagamentos pelos regimes de pousio1. Os Agricultores são remunerados para não cultivar seus campos por determinados períodos, podendo utilizar as terras em pousio obrigatório tanto para pastoreio como para produção de proteína vegetal.

Não bastasse, atualmente os produtos do setor agrícola na União Europeia recebem US$ 540 bilhões por ano em subsídios, quantia equivalente a 15% do valor total de produção da área. No Brasil, nas últimas duas décadas, o suporte direto ao produtor rural ou políticas agrícolas reduziu de US$ 13,81 bilhões em 2000 para US$ 1,96 bilhão em 2020, queda de 86% no período (OECD, 2021). Quando tomado em relação à receita bruta da agropecuária (RBA), a relação PSE2/RBA, que era de 9,08% em 2000, passou para apenas 1,35% em 2020. A título de comparação, na União Europeia, a relação PSE3/RBA foi de 19,33% em 2020 e, nos países membros da OCDE, de 18,07%, enquanto na China, Estados Unidos e Rússia as relações foram de 12,17%, 11,03% e 6,68%, respectivamente, (OECD, 2021). Assim, a ajuda como parte da receita bruta do agricultor brasileiro caiu de 7,60%, entre 2000 e 2002, para 1,50% de 2018 a 2020. Em comparação, os subsídios da União Europeia (UE) garantem 19% da renda do produtor. Nos EUA, o percentual é de 12% ao ano, em média, (OECD, 2021).

No Brasil, o crédito rural e o seguro rural como principais instrumentos de políticas agrícolas não guardam relação com os propósitos da PAC da EU. Vejamos outros programas que fazem parte do seguro rural que servem de suporte aos agricultores, mas não se trata de subsídio direto: o Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR); o Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro); o Proagro-Mais; e o Programa Garantia Safra.

Os dois primeiros programas são destinados a agricultores comerciais e concentram seus recursos na região Centro-Sul do País e na produção de grãos, sobretudo soja. Os dois últimos estão vinculados à agricultura familiar e produtores de pequena escala. Não podemos esquecer que a mesma agropecuária brasileira que lidera rankings de produção, exportação e produtividade é também a agropecuária caracterizada por disparidades estruturais, regionais, produtivas e socioeconômicas, que têm nos instrumentos de política agrícola e social o principal caminho para mitigar suas carências e aumentar o nível de bem-estar social, seja de quem vive no meio rural e depende dele para produzir, seja de quem consome os bens e serviços oriundos do meio rural.

No entanto, o Brasil investe pouco com sua agropecuária, seja com relação aos outros importantes players do agronegócio no mercado internacional, seja com relação aos produtores rurais. Se mesmo com baixos níveis absolutos e relativos de suporte o Brasil consegue tornar uma parcela de seus produtores extremamente competitivos e leva hoje a denominação de “celeiro do mundo”, imagine o potencial brasileiro se as condições basilares de produção e reprodução socioeconômica estivessem acessíveis a cada um de seus produtores rurais. Desse modo, o jargão “perdeu mané” se aplica perfeitamente na comparação entre as medidas protetivas de subsídios entre o Brasil e União Europeia.

E mesmo assim, mostramos resiliência e eficiência produtiva.

Somos “Manés” competitivos…

(*) Charlene de Ávila é Advogada. Mestre em Direito. Consultora Jurídica em propriedade intelectual na agricultura de Neri Perin Advogados Associados

(**) Néri Perin é Advogado Agrarista especialista em Direito Tributário e em Direito Processual Civil pela Universidade de Passo Fundo (UPF). Diretor Administrativo da Néri Perin Advogados Associados

Foto: Adobe Stock

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