A Embrapa Cerrados e a Agência Goiana de Assistência Técnica, Extensão Rural e Pesquisa Agropecuária (Emater-GO) lançam, no dia 9 de novembro, em Goiânia (GO), seis cultivares de pequi – três com espinhos no endocarpo (caroço) e três sem espinhos. É a primeira vez que estão sendo lançadas cultivares de uma fruteira nativa arbórea perene do Cerrado. Os novos materiais alinham elevada produtividade e qualidade de polpa, atendem a necessidades de agroindústrias e de consumidores e contribuem para a preservação da espécie.
“Chegamos a esse resultado com muito trabalho, esforço, ciência e tecnologia”, afirma o pesquisador da Embrapa Cerrados Ailton Pereira. Foram 25 anos de pesquisa e de trabalho em parceria, conduzidos pelas duas instituições, com a participação também de produtores.
As cultivares foram registradas no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) para cultivo em pequena escala na região de Goiânia e em outros locais com condições edafoclimáticas semelhantes, mediante avaliações prévias. A partir de agora, produtores rurais poderão plantar o pequizeiro em pomares comerciais, utilizando um adequado sistema de produção, com garantia de uniformidade, qualidade, precocidade e produtividade.
GOBRS 101, GOBRS 102 e GOBRS 103 são os nomes das cultivares sem espinhos. Já as cultivares GOBRS 201, GOBRS 202 e GOBRS 203 possuem espinhos. Essas últimas são mais produtivas do que as sem espinhos. A GOBRS 201 é a mais produtiva delas, alcançando produtividade média anual de 85 kg por planta. A variedade que possui a polpa mais espessa é a GOBRS103 (sem espinhos). Ela apresenta uma espessura média de polpa de 7 a 8 mm, característica que favorece a produção agroindustrial.
Diversificação genética
“Estamos lançando seis cultivares ao mesmo tempo pela necessidade de diversificação genética da plantação”, esclarece Pereira. Segundo ele, o objetivo é favorecer a fecundação cruzada e o aumento da produção de frutos. “Trata-se também de uma medida preventiva contra futuras doenças ou pragas. É uma estratégia que deve ser adotada para minimizar o risco fitossanitário”, alerta.
Com o lançamento de variedades sem espinhos, o consumo desse fruto de aroma e sabor marcantes e que faz parte da culinária e da cultura regional, principalmente dos estados de Goiás, Minas Gerais, Tocantins e do Distrito Federal, deve aumentar, na opinião do pesquisador. Além de evitar acidentes ao consumir e manusear o produto, essa característica favorece a mecanização do processo de extração da polpa e facilita o acesso à amêndoa. “Outra vantagem do pequi sem espinhos é que a polpa dele possui sabor mais suave o que, com certeza, vai agradar ao público que hoje tem resistência ou mesmo rejeita consumir o fruto”, acredita.
Histórico da pesquisa
A pesquisa visando ao cultivo do pequi começou no final dos anos 1990 com os estudos de produção de mudas por sementes (propagação sexuada) e por reprodução vegetativa (propagação assexuada). “Coordenamos o primeiro projeto relacionado à propagação do pequizeiro. Naquela época, havia muita demanda especialmente da agricultura familiar. No entanto, os agricultores não conseguiam ter sucesso no plantio, pois o pequi, assim como outras espécies do Cerrado, tem problema de germinação”, explica a pesquisadora da Emater Goiás Elainy Pereira.
O trabalho de multiplicação começou, então, a partir da propagação sexuada (por semente), inicialmente para atender os agricultores que buscavam essencialmente recuperar áreas degradadas. “Foi necessário, antes de tudo, desenvolver tratamentos para superar a dormência do pequi e, assim, aumentar a porcentagem de germinação. Em seguida, foram conduzidos estudos relacionados a substratos, adubação, pragas e doenças; tudo isso buscando produzir uma boa muda.”
No entanto, segundo a especialista, plantas resultantes de propagação sexuada apresentam alta variabilidade genética, o que é desejável quando o plantio é feito para recuperação ambiental, mas não para a formação de pomares comerciais. “Foi então que decidimos que teríamos que fazer clones”, contou a pesquisadora. Segundo ela, dessa forma, quando fosse identificada uma planta com as características consideradas ideais, seria feita a clonagem para que as demais fossem idênticas à planta mãe.
Assim, foi desenvolvido pelos pesquisadores o método mais adequado de propagação assexuada. “Existem vários tipos, mas o melhor que se encaixou, nesse caso, especialmente por sua simplicidade, foi a enxertia (por borbulhia de placas)”, explicou o pesquisador Ailton Pereira. Segundo ele, essa fase da pesquisa serviu de base para o que viria depois. “Uma vez dominada a técnica de propagação, nos tornamos aptos a garimpar o Cerrado em busca de matrizes de pequizeiros nobres para clonar e montar uma coleção de trabalho com fins de melhoramento genético.”
Com isso, os pesquisadores partiram para a prospecção de pequizeiros na natureza, de modo que eles fossem introduzidos nas instituições de pesquisa e, assim, pudessem ser avaliados. “A participação do agricultor nessa etapa foi fundamental. Muitos nos procuravam dizendo que tinham muitos pés de pequi, mas poucos eram bons e que eles queriam ‘tirar a raça’ (multiplicar) daqueles considerados melhores, para que não se perdessem. Íamos, então, até à propriedade, clonávamos a planta, deixávamos mudas para o produtor e trazíamos outras para plantarmos nos nossos campos experimentais”, detalhou Elainy Pereira. “Percorremos mais de sete mil quilômetros em busca desses pequizeiros bons”, contou Aiton Pereira.
O trabalho de avaliação e seleção dessas seis variedades que estão sendo lançadas teve como base os bancos de germoplasma (coleção de diferentes acessos ou genótipos da espécie) implantados na Embrapa Cerrados, em Planaltina (DF), e na Emater Goiás, em Goiânia e em Anápolis (GO). Em Goiânia, o local de 10 hectares abriga mais mil plantas com características diferentes e foi montado a partir de genótipos produzidos na Embrapa Cerrados, por meio de sementes e mudas, e de outros selecionados na natureza.
As avaliações genéticas de seleção de clones avançados terão continuidade em novas áreas nas estações experimentais da Emater Goiás em Anápolis e em Porangatu (GO), e no campo experimental da Embrapa Cerrados. O objetivo é validar dados de pesquisa e dar prosseguimento ao processo de seleção de novas cultivares geneticamente superiores e sua recomendação para diferentes regiões do Cerrado. “Na Embrapa Cerrados vão ser testados 70 clones de pequi com espinhos e 30 sem espinhos. A implantação do experimento será ainda em 2022 e a previsão é que a produção comece daqui a três anos”, afirma o pesquisador Carlos Lazarini, responsável pela condução desse trabalho.
Árvore símbolo do Cerrado
Frutífera nativa do Cerrado, o pequizeiro (Caryocar brasiliense Camb.) é a árvore símbolo do bioma. É encontrado em quase toda a Região Centro-Oeste do Brasil e em parte das Regiões Sudeste, Norte e Nordeste do País. O pequizeiro é uma espécie arbórea e pertence à família Caryocaraceae. A frutificação ocorre entre os meses de outubro a março e sua colheita é feita quando os frutos maduros caem no chão.
Muitas famílias, especialmente de pequenos agricultores, geram renda a partir da comercialização dos frutos que são coletados no campo. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a extração do pequi no Brasil em 2021 foi de mais de 74 mil toneladas, sendo Minas Gerais o estado responsável por mais da metade da produção nacional. Esses números, no entanto, podem ser ainda maiores, uma vez que a maior parte da comercialização do fruto ocorre no mercado informal.
Foto: Fabiano Bastos / Embrapa Cerrados