Já imaginou produzir camarão em água salgada, mas há vários quilômetros do mar, bem próximo dos principais mercados consumidores do Brasil? E melhor: produzir nessas condições alta densidade de estocagem, ou seja, vários camarões por m³ de água? Pesquisador do Instituto de Pesca (IP-APTA), da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, em conjunto com a iniciativa privada, está estudando essa possibilidade. O objetivo do estudo, que já rendeu quase uma tonelada de camarões, é verificar a viabilidade financeira da atividade e responder a importante questão: como produzir nessas condições e ganhar dinheiro , entregando produto de alta qualidade para os consumidores?
Segundo o pesquisador do IP e responsável pelo projeto, Fabio Sussel, a produção de camarão em água salinizada, ou seja, salgada com os mesmos sais que contém a água do mar, porém, longe dos oceanos, já é uma realidade em diversas partes do mundo, inclusive no Brasil. A novidade e o desafio são a alta estocagem, ou seja, a produção de um volume considerável de camarão nesse ambiente de forma saudável para o animal, sustentável para o ambiente e também rentável para o produtor rural.
“A tecnologia para produção de camarão nessas condições já é conhecida. Porém, hoje, nos locais em que se produzem dessa forma, são criados 50 camarões por metro cúbico de água. Neste projeto estamos tentando viabilizar a produção de 300 camarões por metro cúbico de água, o que renderia o total de três quilos de camarão por m³”, afirma o pesquisador do IP, que tem entre parceiros de projeto um grupo de investidores do interior de São Paulo, a Fremê Pescados.
Os estudos realizados pelo IP em Jaguariúna, em um local com capacidade de até 200 mil camarões por ciclo de 90 dias, se iniciaram em janeiro deste ano. Sussel explica que até o momento, o grupo tem tido bons resultados, conseguindo superar os desafios de “criar água”. Para alcançar esses primeiros resultados, os especialistas fizeram uso de decantadores de sólidos e biofiltro, onde por meio de grande concentração de bactérias benéficas, as quais quebram as moléculas de amônia e de nitrito, formadas a partir da ração disponibilizada para os camarões. “Essas substâncias são tóxicas para os camarões. Através da tecnologia que estamos adaptando para as condições do interior paulista, temos transformado essas moléculas em nitrato, dando condição ideal de qualidade água para a produção dos crustáceos”, explica o pesquisador.
SP é o maior mercado consumidor de camarão do Brasil
Quem lê sobre esse projeto pode se perguntar: Mas para quê tanto esforço em produzir camarão no interior, longe dos oceanos? A resposta é bastante simples: maior demanda do principal mercado consumidor do produto no Brasil, o estado de São Paulo.
De acordo com Sussel, quase 90% da produção de camarão do Brasil vem da região Nordeste. Porém, São Paulo é o principal consumidor do produto, principalmente, por conta dos restaurantes do Estado. “Produzir o camarão aqui, é muito interessante do ponto de vista de logística e também de sustentabilidade”, conta.
Sobre a sustentabilidade, Sussel explica que em todo o processo de produção é utilizado água captada da chuva e não há descarte da água para o meio ambiente. “Com isso, produzimos uma proteína de alta qualidade com a otimização dos recursos hídricos e temos uma grande quantidade de alimentos produzidos em uma área reduzida”, afirma o pesquisador.
Camarão com gosto de camarão!
Além das vantagens do ponto de vista econômico e ambiental, a produção do carinhosamente chamado “Camarão Caipira” traz mais um ponto positivo a seu favor: o sabor! Segundo Sussel, o camarão produzido em Jaguariúna tem gosto original de camarão, ou seja, um sabor delicado e levemente adocicado e a textura chega a ser crocante.
“A grande vantagem desse produto é o seu frescor. Ele é congelado assim que abatido, por isso, dizemos que é um produto muito fresco, que mantêm preservadas todas as características originais. Ao contrário do que muita gente pensa, o bom camarão não tem aquele sabor salgadinho de mar. Isso acontece por conta das condições de pesca e conservação do produto até ele chegar à mesa do consumidor. O camarão fresquinho, abatido e conservado de maneira adequada, tem um sabor bem delicado”, conta.
Sussel lista como mais um diferencial do produto a sua textura, considerada até mesmo crocante. “É uma fibra mais tenra, que dá uma textura diferente do que estamos acostumados com o produto. Além disso, esse camarão é muito fácil e rápido de ser preparado, também por conta da sua conservação de qualidade”, afirma.
Trabalho de formiguinha
Mostrar esse produto para os consumidores potenciais t êm sido outro desafio para a equipe envolvida no projeto. A ideia é mesmo nessa fase experimental verificar as opiniões de chefes de cozinha, donos de restaurantes e consumidores de camarão para verificar o que acham do sabor, textura e até mesmo do modo de preparo do camarão caipira.
O pesquisador do IP tem feito degustações para esses públicos no próprio local de produção, em Jaguariúna. Lá, é possível conhecer todo o processo produtivo e também aprender a limpar o produto e até mesmo a prepará-lo.
“Isso também é uma etapa importante do processo de pesquisa. Nossa proposta é o aproveitamento integral do camarão, inclusive com o consumo da cabeça, que corresponde a 30% do tamanho do produto. Nesses encontros é possível conversarmos a respeito e a entender o que esperam os nossos potenciais consumidores. Além disso, temos percebido que esse tipo de ação pode ser interessante do ponto d e vista do turismo rural, principalmente, na região turística conhecida como circuito das águas paulistas, que têm grande riqueza de nascentes e rios e agora inovação tecnológica em água salinizada”, explica Sussel.
Estas primeiras fases do estudo devem ser concluídas até o final de 2022. Depois disso, os resultados obtidos sobre a viabilidade técnica e comercial, obtidos de forma prática, serão apresentados aos produtores rurais e a toda a sociedade.
Foto: Arquivo Revista Rural