Como parte da estratégia de diversificação de variedades para atender aos anseios do setor produtivo do Centro-Sul do País, a Embrapa lança a mandioca de mesa (aipim) BRS 429 para São Paulo e Paraná. É a primeira variedade de mesa da Empresa recomendada para o estado paulista. Já os mandiocultores paranaenses contam, desde 2015, com as variedades BRS 396 e BRS 399 oriundas, assim como a BRS 429, de cruzamentos realizados pela Embrapa Cerrados (DF) e validadas no Centro-Sul pela equipe da Embrapa Mandioca e Fruticultura (BA) que atua em campo avançado na região. A contribuição da nova cultivar, que se destaca pela boa qualidade culinária e sabor, é de 49,76% de superioridade média de produtividade de raízes comerciais, quando comparada ao desempenho das variedades tradicionais das regiões, com potencial para superar 60 toneladas por hectare.
O lançamento aconteceu no dia 7 de junho, na Fazenda Escola do Campus Regional do Noroeste da Universidade Estadual de Maringá (UEM/CRN), localizado em Diamante do Norte (PR), e, posteriormente, está programada uma série de ações de promoção da variedade em áreas de instituições e produtores parceiros nos experimentos nos dois estados. A previsão é de que no segundo semestre haja também a extensão de recomendação para o Cerrado, inicialmente Distrito Federal e entorno — alguns ensaios já indicam, por exemplo, 30% a mais de produtividade em relação às variedades locais.
Altamente produtiva, precoce e saborosa
De acordo com o pesquisador da Embrapa Mandioca e Fruticultura Marco Antonio Rangel, que coordenou os experimentos no Centro-Sul, a cultivar reúne um conjunto de características que a tornam um produto superior. Além de ser altamente produtiva (no Paraná, a produtividade média da BRS 429 foi superior em 25,7% em relação às variedades tradicionais e, em São Paulo, a superioridade alcançou 53,9%); apresenta raiz cilíndrica, mais longa e uniforme, o que confere um aproveitamento comercial maior (no Paraná, 10,5% superior à média dos padrões e, em São Paulo, 4,3% superior); precocidade (podendo ser colhida aos oito meses); e moderada resistência às principais doenças que atingem as regiões (bacteriose e superalongamento). Apresenta polpa de coloração amarela intensa (preferida dos consumidores), bom tempo de cozimento (média de 20 minutos), textura farinácea, adequada tanto para o consumo mais usual (cozida e frita) como também para a obtenção de massa de boa qualidade, e sabor superior.
“Essa variedade tem características muito boas que atendem todo o tipo de produtor, sendo excelente para aquele mais tecnificado, que quer plantar áreas com plantadeiras, devido ao porte ereto da planta, facilitando os tratos culturais. Também se destaca pela qualidade da raiz, que, por ser mais cilíndrica, confere um aproveitamento comercial melhor, e pelo sabor, diferencial muito positivo. Utilizamos em nossas avaliações sensoriais categorias de sabor. As boas variedades de mesa se enquadram na categoria ‘sabor característico’. Essa se enquadrou na categoria ‘sabor superior’, um degrau acima”, conta o pesquisador.
Ele acrescenta que a cultivar BRS 429 é recomendada para plantio em solos de alta e média fertilidade — a expectativa é que se adapte bem a regiões diferentes, tanto que já vem sendo testada também, como afirma Rangel, no Rio Grande do Sul. O espaçamento pode variar entre 0,8 e 1,0 m entre fileiras e entre plantas, com o uso de maiores distâncias entre as plantas em solos de maior fertilidade.
Histórico da obtenção da variedade
Desde 2007, a Embrapa avalia mais de três mil clones de mandioca nos estados do Mato Grosso do Sul, Paraná e São Paulo, em campos experimentais de instituições e produtores parceiros. Parte dessa coleção é gerada pelo programa de melhoramento genético de mandioca da Embrapa Cerrados, sob a responsabilidade do pesquisador Eduardo Alano Vieira, e parte pelo programa da Embrapa Mandioca e Fruticultura, coordenado pelo pesquisador Vanderlei Santos. A coleção da qual fazia parte a BRS 429 foi enviada para o Centro-Sul em 2013 e introduzida inicialmente na Embrapa Agropecuária Oeste (MS). Depois de selecionado, o material foi levado para áreas de instituições e produtores parceiros em São Paulo e no Paraná, formando uma ampla rede de experimentos.
“Uma variedade de mandioca não é algo que se consegue em curto período de tempo. Requer ciclos de recombinações e validações. O que está se colhendo hoje, foi plantado muito lá atrás. No que se refere à BRS 429, o trabalho foi iniciado em um campo de cruzamento estabelecido em 2008/2009. Em 2009, obtivemos a semente. A primeira seleção aconteceu em 2009/2010, depois 2010/2011 e 2011/2012. Foram, portanto, três safras aqui na Embrapa Cerrados. Em 2013, o clone que deu origem à BRS 429 seguiu junto com outros materiais para o Centro-Sul”, conta Eduardo Alano.
De acordo com o pesquisador, no processo de seleção buscavam-se cinco características: resistência à bacteriose, principal doença que ocorre tanto no Cerrado quanto no Centro-Sul; material de polpa amarela, relacionada à quantidade de betacaroteno, precursor da vitamina A; alta produtividade; elevada altura da primeira ramificação, para favorecer o plantio mecanizado; e, por fim, boas qualidades culinárias, ou seja, material de mesa tem que cozinhar bem.
“Essas foram as principais características que consideramos aqui em função dos nossos trabalhos de anos que vêm sendo conduzidos, fazendo esse intercâmbio, ou seja, materiais do Cerrado sendo validados de forma concomitante no Centro-Sul do País”, diz Alano. Rangel também salienta a importância do trabalho conjunto entre as Unidades da Embrapa para seleção dos materiais em regiões diferentes. “Conseguir selecionar o mesmo material para o Centro-Sul e para o Cerrado é fruto de um trabalho muito sério dos nossos melhoristas e desse diálogo que existe entre o melhoramento e a cadeia produtiva.”
Sobre o trabalho de validação na região, Rangel acrescenta que as redes de experimentação de mandioca de mesa são pouco menores que as de indústria, haja vista as parcerias muito maiores no segmento industrial. Apesar de mais limitados, os locais são, como destaca o pesquisador, bem representativos. “Por exemplo, em Diamante do Norte, o solo é originado do arenito. Já Marechal Cândido Rondon (PR) está na área de solo mais argiloso. Esses resultados comprovam que a variedade mostrou uma estabilidade muito grande e se manteve altamente produtiva em todos os ambientes testados”, ressalta.
A opinião dos parceiros
A Embrapa e as instituições parceiras têm um foco muito grande, como frisa Rangel, no trabalho de inclusão dos pequenos produtores de mandioca de mesa de maneira profissional no mercado. Não à toa, a Fazenda Escola da UEM em Diamante do Norte — que contabiliza 15 anos de parceria com a Embrapa, disponibilizando área e equipe de campo para a condução dos ensaios, e faz um trabalho de extensão com produtores da região noroeste do Paraná — foi escolhida para abrigar o evento de lançamento da nova cultivar. Marcos Paulo Alberto Pereira, técnico administrativo da UEM, que trabalha no apoio às atividades de campo na Fazenda Escola, diz que as mandiocas de mesa envolvem atividades importantes de pesquisa dentro da unidade, contando com nove variedades plantadas em dois hectares, sendo quatro materiais da Embrapa, entre eles, a BRS 429, que Pereira destaca ser “bastante promissora”.
“Essa variedade tem se demonstrado bastante versátil para o plantio de forma mecanizada, por apresentar uma haste longa, com o engalhamento acima de 90 cm, 1 m de altura. Percebemos ainda que, em comparação com outras variedades, recebe menos ataque e não tem apresentado problema com podridão. Tem demonstrado também excelente produtividade e um padrão de raiz muito interessante. Não tem aquelas raízes muito finas ou muito grossas, é bastante padrão, e isso favorece o produtor, porque, na hora que ele vai, por exemplo, embalar para comercializar, o pacote fica com aspecto muito bom. Ela tem um diâmetro que cabe bem no pacote, aproveita bastante a raiz”, avalia.
Quanto aos aspectos sensoriais, Pereira afirma que se trata de uma mandioca de pouca fibra e muito saborosa. “Cozinha bem e tem uma coloração bonita, em um tom amarelo gema de ovo e também é saborosa. Os testes de cozimento feitos pela equipe têm se mostrado bastante positivos. Também o desenvolvimento de quantidade de raízes da produção por espaço é muito bom. Vem se sobressaindo em relação às outras”, acrescenta.
Em uma parceria com a Secretaria da Educação e do Esporte do Estado do Paraná (Seed), o campus abriga o Colégio Agrícola, com 250 alunos em regime de internato. “Temos essas variedades para mostrar as diferenças para os alunos, servindo de unidade didática pedagógica para que eles possam complementar o conhecimento teórico de sala de aula”, informa Pereira. Ele conta que, dentro desse trabalho de extensão, há a atuação também junto aos produtores. “A região tem uma característica bastante voltada para a cultura da mandioca. É muito forte a mandioca industrial, mas também temos grande quantidade de pequenos produtores de mandioca de mesa. Então a melhoria da variedade para esses pequenos produtores é imprescindível.
Fazemos a transferência de material de qualidade para eles. Hoje temos a mandioca de mesa como nosso principal produto aqui no campo”, salienta. Segundo ele, o próximo passo é buscar o licenciamento da unidade para organizar a atuação como multiplicador desses novos materiais.
“A aliança entre UEM/CRN e Embrapa Mandioca e Fruticultura desde 2014, quando firmamos convênio e iniciamos os nossos trabalhos com o objetivo entre as partes de gerar informações e desenvolver tecnologias adequadas ao sistema de produção de mandioca de mesa para a nossa região, só nos proporcionou ganhos. Desde então, temos uma parceria bem-sucedida com profissionais comprometidos e cientes de suas responsabilidades. Os ganhos e benefícios em relação à parceria têm sido positivos e pensamos sempre em renovar o convênio”, completa a diretora do UEM/CRN, Alciony Andréia Alexandre.
Já o produtor Fabio Dias da Rocha, do município Cândido Mota (SP), estabeleceu o primeiro contato com a equipe da Embrapa Mandioca e Fruticultura em janeiro de 2020, na Coopershow, evento realizado pela Coopermota – Cooperativa Agroindustrial, quando começou a integrar a rede de validação da nova variedade.
“No mês seguinte, comecei a plantar um canteiro com cerca de meio hectare. Com sete, oito meses, já fiz a primeira colheita. Fui bastante surpreendido, porque as raízes são uniformes. Não há diferenças significativas entre grandes e pequenas. É uma mandioca que vai surpreender o mercado. É bastante produtiva também. Em comparação com a variedade plantada ao lado, a BRS 429 foi cerca de 20% mais produtiva. Com um manejo adequado, acredito que dê umas 80 toneladas por hectare, especialmente se for integrada a um microaspersor para fazer a irrigação, por exemplo”, pontua Rocha.
No que se refere a doenças, a BRS 429 se mostrou, de acordo com o produtor, mais tolerante do que as variedades tradicionais da região. “É bem diferenciada comparada a outra variedade de mesa que colocamos lado a lado. A outra apresenta bastante broca, doença de solo, e essa foi bem resistente, não tive problema com doença.”
Outro aspecto interessante mencionado por Rocha é que a variedade apresentou bom cozimento mesmo tendo passado por período de geada. “A maioria das variedades não cozinha depois de geada e essa me surpreendeu. E tem uma coloração amarela bem forte, que é a preferida aqui na região”, conta o produtor.
Em busca de novos materiais
A Embrapa trabalha para lançar mais materiais de mandioca, tanto de mesa quanto para indústria — os próximos lançamentos previstos são duas variedades de uso industrial também para o Centro-Sul do País (de 2016 para cá, já foram lançadas para a região as mandiocas para indústria BRS CS01 e BRS 420). A ideia, como salienta Rangel, é obter muitas variedades, mas isso não significa que concorram entre si, pois cada uma tem características que vão agradar segmentos específicos de produtores. “Nenhuma variedade vai agradar a todos. O que acontece é uma acomodação natural dos materiais.
Por isso é tão importante diversificar, pois um tende a atender mais um segmento de determinada região, outro atende a outro e por aí vai. Devemos saber posicionar os materiais e acompanhar naturalmente o que vai acontecendo”, ressalta.
Eduardo Alano complementa que o objetivo é conferir opções de variedades de mesa para o produtor. “O interessante é que, na região do Paraná, sempre pensamos em mandioca para obtenção do amido, principalmente para polvilho, e temos visto uma grande profissionalização dos produtores de mandioca de mesa. Aqui no Cerrado, a grande maioria são horticultores que prezam por um produto de qualidade. Então vemos cada vez menos a mandioca sendo comercializada em casca e cada vez mais sendo minimamente processada, descascada, sanitizada, embalada a vácuo para comercialização. Isso exige características diferentes, e o melhoramento tem que oferecer isso aos produtores. Quando o produtor tem um produto de qualidade diferenciado, ele consegue comercializar com valor mais elevado e aumenta a renda de sua propriedade”, analisa o pesquisador.
Garantia genética e fitossanitária
O analista Helton Fleck, do Setor de Gestão de Transferência de Tecnologia da Embrapa Mandioca e Fruticultura, gestor dos ativos relacionados à cultura da mandioca, destaca que um dos pontos importantes no trabalho da Embrapa é fazer com que as variedades desenvolvidas cheguem ao produtor com a identidade genética preservada, além de alta qualidade e vigor. Para isso, licenciam-se parceiros multiplicadores antes do lançamento. “Adquirindo mudas e manivas de parceiros licenciados da Embrapa, o produtor pode iniciar sua multiplicação com confiança em bons resultados. Com os devidos cuidados nas lavouras, o material se manterá por algumas gerações com a qualidade desejada”, afirma.
Foto: Divulgação / Embrapa