Por Fábio Kagi* – A legislação brasileira determina que defensivos agrícolas só podem ser produzidos, comercializados e utilizados com registro prévio em órgãos federais específicos. Essa mesma lei versa sobre pesquisa, experimentação, embalagem e rotulagem, transporte, armazenamento, propaganda comercial, destino dos resíduos e das embalagens, classificação, controle, inspeção e fiscalização dos produtos. Como o Brasil é signatário de diversos tratados internacionais, o processo de obtenção de registro e condução de testes é alinhado ao que é adotado nos países membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), entidade que hoje reúne 38 países-membros.
Para a obtenção de um registro, o interessado deve apresentar ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) os dados definidos pela legislação para cada tipo de pleito. Ao analisar os resultados dos testes, os órgãos de governo decidem se o produto tem riscos aceitáveis à saúde humana e ao meio ambiente, bem como se possui eficácia e praticabilidade agronômica. Caso um dos órgãos entenda que o produto não está apto para o registro, o pleito é indeferido. Se o pleito for deferido pelos três órgãos, cabe ao Mapa emitir o certificado de registro. Para os produtos químicos, além do registro do produto formulado (aquele que será comercializado), o interessado deve obter o registro de um produto técnico (destinado ao uso industrial, com alto teor de pureza) que será utilizado na composição do produto formulado.
Todos os testes devem ser conduzidos de acordo com as boas práticas e normas definidas em legislação. Além disso, o Brasil utiliza o chamado critério da equivalência adotado nos países-membros da OCDE, o que dispensa a apresentação de dossiê completo em todos os pleitos de registro de produtos técnicos envolvendo essas nações, bem como dos testes de eficácia e resíduos nos produtos formulados que utilizem produtos técnicos equivalentes – conhecidos popularmente como “genéricos”. E o processo não para por aí. Para ser comercializado, o produto ainda precisa ser cadastrado nos estados brasileiros. A etapa de cadastramento não é prevista pela legislação federal, mas é prevista em legislações estaduais de quase todas as unidades da federação.
De acordo com dados elaborados pela Spark Consultoria Estratégia para o Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg) com base em informações concedidas pelo Mapa, o processo de registro de um produto químico no Brasil tem levado de 5,7 anos (caso dos equivalentes) e 7,7 anos (situação dos produtos à base de ativos ainda não registrados no Brasil). Já o registro de biológicos tem sido obtido, em média, 1 ano após a submissão do pleito.
Se o cenário atual não é dos mais favoráveis em relação ao tempo para a obtenção de registros, a projeção de cenário futuro é ainda mais preocupante para os produtos equivalentes. Apesar do aumento no ritmo de análises que saíram de um patamar de 180 registros concedidos desde 2016 aos aproximadamente 500 pleitos em 2021, as filas têm aumentado ainda mais nos últimos anos. Apenas em 2020, foram solicitados 1.083 pedidos de registro. Em 2021, de janeiro a agosto, foram 576. Contudo, respectivamente, só foram concedidos 493 e 351 pleitos nesses períodos. Assim, como a submissão de pleitos não pode ser controlada por qualquer órgão do governo, uma vez que é direito de um interessado solicitar o registro – desde que se pague as taxas e sejam submetidos os documentos adequados –, o cenário de registros do Brasil tende a ser cada vez mais caótico.
É notável que ao longo dos últimos anos os órgãos têm adotado medidas que aumentam a celeridade na análise de pleitos sem perda de qualidade regulatória. Uma delas é a priorização da análise de pedidos de registro mediante o atendimento a alguns critérios como a indicação para as culturas e pragas consideradas de maior importância econômica para o Brasil. O Sindiveg considera importante que a industrialização (fabricação e formulação) em território seja considerada um dos critérios do estabelecimento de prioridades na próxima listagem. O Brasil é grande importador de defensivos agrícolas, com déficit na balança comercial do setor de agroquímicos da ordem de US$ 5 bilhões em 2019. No mesmo ano, entretanto, as indústrias operaram com 61% de ociosidade, em média, em relação à capacidade produtiva de produtos formulados.
Esta é uma situação delicada que teve seu primeiro passo para ser corrigida com a simplificação do registro para exportação de produtos à base de ingredientes ativos e componentes já registrados no Brasil, instituída pelo recém-publicado Decreto 10.833/2021, o que deve estimular o desenvolvimento de um parque fabril de formulação e reduzir a vulnerabilidade do país.
Com investimentos e melhorias regulatórias, o Brasil tem condições de deixar de ser um importador de produtos para ser um exportador. Ressalte-se que, ao discutir a produção local, não está sendo debatida a justa e livre oferta de produtos fabricados no exterior. Trata-se apenas de um arrazoado sobre a permanência no mercado e o crescimento de empresas já instaladas no Brasil e, também, sobre um estímulo para que investidores estrangeiros tenham segurança legal para realizar investimentos em parques fabris no país. Além do estimulo à industrialização nacional, o Sindiveg considera de suma importância a previsibilidade e a redução de prazos para análise e padronização de critérios de análise de pleitos; a adoção de medidas de otimização regulatória; e transparência, isonomia e fortalecimento das decisões dos órgãos federais.
(*) Fábio Kagi é gerente de assuntos regulatórios do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg), engenheiro agrônomo e especialista em gestão estratégica e econômica de projetos.
Foto: Divulgação Sindiveg / Texto Comunicação