A pandemia de Covid-19 tem exigido mudanças de comportamento também nas propriedades criadoras de caprinos e ovinos. Porém, poucos criadores do Semiárido brasileiro têm se preocupado com as boas práticas, conforme notou um grupo de pesquisadores da Embrapa que está auxiliando e incentivando essa adoção no âmbito do Programa AgroNordeste.
Entre as recomendações preconizadas está a restrição de acesso ao rebanho de pessoas não relacionadas à criação; a proteção das instalações para evitar invasões de animais externos; a separação do rebanho por faixa etária; a limpeza das instalações com produtos adequados e várias outras.
De acordo com os pesquisadores que têm visitado as propriedades, observa-se poucas mudanças em relação ao manejo dos animais e ao comportamento doméstico. “Não percebemos muitas alterações. Muitos manejadores não usam máscara e nem fazem a limpeza e higienização das mãos. Apenas procuram evitar aglomeração de pessoas nas instalações dos animais”, afirma Selmo Fernandes Alves, pesquisador da Embrapa Caprinos e Ovinos (CE).
Rizaldo Pinheiro, também pesquisador da Empresa, explica que até o momento não existem relatos na literatura sobre contaminação de pequenos ruminantes com o vírus SARS-CoV-2. “Entretanto, não é aconselhado que pessoas com o vírus ou apresentando sintomas da Covid-19 trabalhem com os animais”, ressalta.
Ele afirma que algumas medidas sanitárias são necessárias não apenas para a proteção das pessoas em relação à Covid-19, mas também para a proteção dos animais e dos manejadores contra diversas enfermidades, chamadas zoonoses, que podem ser transmitidas dos animais para os humanos. Entre elas estão tuberculose, brucelose, raiva, febre aftosa, linfadenite caseosa, ectima contagioso, entre outras. As três primeiras podem representar risco à vida humana.
Exemplos positivos
Os especialistas também perceberam que alguns criadores têm no dia a dia a preocupação com a sanidade. Cleuza Aparecida da Silva, do município de Zabelê (PB), afirma que existe um cuidado com os manejadores. “Tomamos todas as medidas de proteção, usando álcool em gel, máscaras, viseiras e sempre que termina o manejo, eles tomam banho e já colocam a roupa para lavar”, relata.
A presidenta do Sindicato dos Trabalhadores Rurais Agricultores(as) Familiares de Tauá (CE), Elisandra Gonçalves Lima, afirma que os criadores da região adotaram novas rotinas em função da pandemia, como limpar semanalmente os espaços físicos dos animais (apriscos, currais etc.), cuidados com vacinas rigorosamente em dia, higienização das mãos ao cuidar dos animais, tirar leite e vacinar, por exemplo.
Os pesquisadores afirmam que essas medidas sanitárias devem ser adotadas para prevenir não apenas a Covid-19 entre os trabalhadores, mas também diversas outras enfermidades que podem afetar os animais e os manejadores.
“São medidas básicas, mas existem outros cuidados que devem ser observados nas propriedades”, ressalta Alves, referindo-se a uma lista de recomendações de especialistas. Ele acredita que nem todos os criadores estão totalmente preparados para lidar com a nova realidade e ressalta que é necessário um trabalho de capacitação continuada com técnicos e produtores.
“É fundamental a adoção de boas práticas agropecuárias, ambientais e sociais, como orientação para prevenir ou mitigar o aparecimento de problemas sanitários nos animais e nos seres humanos”, defende.
Práticas sanitárias recomendadas pelos especialistas
· As instalações devem ser funcionais para facilitar os manejos e minimizar o contato entre os animais e as pessoas que não sejam da propriedade, proporcionando ambiente seguro, além de evitar o acesso de outras espécies de animais às instalações de caprinos e ovinos.
· O criador deve fazer anotações zootécnicas e sanitárias, documentando qualquer incidente ou caso de doença, que deverá ser tratado adequadamente com a colaboração do médico veterinário.
· Deve-se fazer a limpeza das instalações, superfícies e equipamentos com o uso de água de qualidade e desinfetantes adequados.
· É importante ter áreas específicas para cada faixa etária dos animais ou um local de transição de entrada e saída destes.
· As pessoas que trabalham no manejo devem ter um local próprio para deixar suas vestimentas e calçados, para fazer a higiene pessoal e um espaço adequado para o preparo de alimentos.
· Atenção especial deve ser dada ao local de armazenamento dos alimentos e o descarte correto das sobras, que atraem roedores e insetos, potenciais vetores de doenças. Esse é um ambiente ao qual os animais não devem ter acesso.
· Deve-se fazer o controle de visitas para evitar aglomerações, além de impedir a entrada e permanência de pessoas com alimentos e bebidas nas instalações.
· É importante realizar a seleção consciente dos resíduos sólidos e líquidos (lixo) e removê-los para destino adequado, evitando assim contaminação das pessoas e do ambiente. Cuidado também quanto aos resíduos alimentares dos animais, que podem ser contaminantes. Um grande problema ainda recorrente nas propriedades é o acúmulo do lixo e o hábito de queimá-lo.
AgroNordeste
O AgroNordeste abrange 230 municípios dos nove estados do Nordeste, além de Minas Gerais, beneficiando 12 territórios e uma população rural de 1,7 milhão de pessoas. É direcionado a pequenos e médios produtores que já comercializam parte da produção, mas ainda têm dificuldades para expandir o negócio. Entre os objetivos do plano estão aumentar a cobertura de assistência técnica e extensão rural (ATER), ampliar o acesso e diversificar mercados, promover e fortalecer a organização dos produtores, garantir segurança hídrica e desenvolver produtos com qualidade e valor agregado.
As ações da Embrapa são realizadas em parceria com o Projeto Dom Helder Câmara (PDHC), dentro do programa desenvolvido pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), e financiadas pelo Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (Fida), no âmbito do Programa AgroNordeste.
Impactos econômicos provocados pela pandemia
O aumento do valor dos insumos para alimentação dos rebanhos e as dificuldades para escoar os produtos e acessar os pontos de comercialização causaram grande impacto nos sistemas de produção de caprinos e ovinos. Muitos desses problemas foram causados pela falta de mobilidade com o uso de barreiras e o fechamento da maioria das instituições.
Segundo o pesquisador Rizaldo Pinheiro, o aumento dos insumos (especialmente alimentos e medicamentos) causa transtorno ao produtor. “Os preços atuais da soja e do milho têm preocupado muito os criadores. Eles estão reduzindo fortemente o rebanho e relatam que, se perdurar essa situação, vão abandonar a atividade”, alerta.
De acordo com dados do Centro de Inteligência e Mercado de Caprinos e Ovinos (CIM), o preço da saca de 50 quilos do farelo de soja, que era comercializada por R$101,75, em média, no início de 2020, chegou a custar cerca de R$160,00 em maio de 2021. Os preços das vacinas e medicamentos também subiram.
“Um dos principais problemas é o preço das rações, que está subindo todos os dias. Aí não podemos alcançar a produção desejada”, afirma a criadora Cleuza da Silva. “A pandemia gerou uma carestia muito grande de ração e de alimento para os humanos. Em termos de produtividade, o que a gente tira de lucro não dá para nada, nem para alimentar os animais”, confirma Luciano de Oliveira Sousa, produtor de Sumé (PB).
Criadores enfrentam ainda dificuldades de escoamento dos produtos e acesso aos compradores. Tanto quem recebia os clientes na propriedade quanto aqueles que vendiam em feiras e mercados sentiram-se prejudicados.
“A principal dificuldade foi o comprador deixar de nos visitar, de vir buscar o que a gente produz na propriedade. E a pandemia nos restringiu também a buscar mercado. O que facilitou um pouco foram as redes sociais”, afirma o produtor Francimar Batista Almeida, de Tauá (CE). Elisandra Lima acrescenta que essa situação impactou a renda das famílias, dificultou a chegada de assistência técnica nas propriedades e o acesso ao crédito bancário.
As mesmas dificuldades foram sentidas na região de Betânia (PI), onde a feira municipal não funcionou de março a outubro do ano passado, por exemplo. “Parou muita coisa, até a comercialização. O pessoal tinha medo de viajar de um lugar para o outro, tivemos dificuldade no transporte das cargas”, explica o produtor Ambrósio Macedo Cavalcante.
Foto: Divulgação / Embrapa