O sistema de criação de bezerras leiteiras é basicamente dividido em duas fases: Pré-desmama = período que compreende do nascimento até o desmame (dieta baseada somente em alimentos sólidos) e a Recria = período que compreende do desmame até o início da vida reprodutiva do animal. Especificamente, o período de pré-desmama pode ser considerado um dos períodos mais desafiadores dentro da vida do animal, devido a série de acontecimentos e manejos que ocorrem nessa fase. Por exemplo, a separação da mãe após o nascimento, amochamento ou descorna, mudança de lote/ambiente, vacinação e reagrupamento com outros animais, são apenas exemplos de manejos obrigatórios que podem tirar os animais da sua zona de conforto (homeostase), conferindo estresse aos mesmos.
Sendo assim, o sistema de criação de bezerras leiteiras pode ser considerado intenso, pois estão envolvidos diversos manejos no período pré-desmama. Na maioria das vezes, os impactos do estresse podem passar despercebidos pelos olhos dos produtores e técnicos, mas podem gerar consequências negativas. Em bezerras leiteiras, o estresse pode provocar uma queda no desempenho dos animais (ganho médio diário – GMD) e maior susceptibilidade e incidência de doenças, resultando em prejuízos econômicos.
De maneira geral, o estresse pode ser caracterizado como qualquer situação que tira o animal de sua zona de conforto. Nesse sentido, a Nutricorp buscou elencar algumas situações de estresse que podem acontecer no sistema de criação de bezerras no período de pré-desmama, além de estratégias e tecnologias para reduzir os efeitos negativos do estresse.
Separação da bezerra recém-nascida, é uma técnica de manejo muito comum nas propriedades de leite, que pode gerar estresse tanto para a vaca quanto para o neonato. Estudos apontam que a vaca e a prole (bezerra ou bezerro) desenvolvem um vínculo lento entre horas ou dias após ao parto. Seguindo esse racional a separação precoce (em até 24 horas após o parto) minimizaria as respostas de estresse agudo tanto para a vaca, quanto para a bezerra. Além do mais, sabe-se que a separação imediata ou precoce da bezerra promove o melhor controle do consumo da quantidade e qualidade de colostro, conferindo maior imunidade (imunoglobulinas) e consequentemente mais saúde aos animais.
Amochamento ou descorna, baseia-se na retirada dos chifres dos animais, para facilitar o manejo e evitar estressores durante a vida produtiva. A diferença entre as nomenclaturas é o momento e técnica em que o procedimento/manejo é feito. O amochamento consiste na destruição das células queratogênicas que ainda não se fundiram ao crânio e é realizado em animais com até dois meses de idade; já descorna é considerada um processo cirúrgico realizado após os dois meses de idade, que tem por objetivo amputar o corno já formado e fundido. Os métodos de amochamento ou descorna devem ser escolhidos de acordo com cada fazenda, mas os mais comuns são o ferro quente/elétrico ou a cauterização química (uso de pastas cáusticas). As práticas são de certa forma agressivas e causam intenso estímulo térmico, mecânico ou químico devido à lesão tecidual aplicada de forma aguda, gerando desconforto ao animal. Como esse manejo é muitas vezes inevitável, sempre que possível, devemos utilizar fármacos e métodos adequados de realizar o procedimento, para amenizar o estresse e a dor dos animais com o objetivo de assegurar o bem-estar.
Mudança de ambiente/instalação ocorre em vários momentos da vida da bezerra, dependendo da propriedade e do sistema de produção. Se levarmos em consideração o recém-nascido, logo após a separação da mãe, o neonato segue para um sistema de criação que pode ser isolado ou agrupado com outros animais. Independentemente do sistema da propriedade, sabemos que qualquer mudança de ambiente/instalação pode provocar estresse para o animal. Essa prática de manejo é inevitável e acontece em todas as fazendas leiteiras, mas podemos utilizar algumas técnicas para que a bezerra consiga se adaptar melhor ao novo ambiente. Em primeiro lugar, devemos sempre adotar práticas de bem-estar animal, manejando a bezerra da forma correta e segura para a nova instalação. Segundamente, podemos utilizar novas tecnologias para facilitar a melhor aclimatação dos animais ao novo ambiente, juntamente com técnicas de sanidade e nutrição adequadas para atingir o máximo desempenho dos animais.
O reagrupamento pode ser antes ou após a fase de desaleitamento. Em um primeiro momento, o reagrupamento dos animais pode causar estresse, devido a interação social, estabelecimento da hierarquia e mudança de ambiente, mas a longo prazo ele pode trazer muitos benefícios aos animais. Estudos relatam que o comportamento mais agressivo dos animais dentro de um grupo, está normalmente associado com a alimentação. Eles demonstraram que o comportamento agressivo é mais intenso quando os animais recebem quantidades restritas de leite, resultando em maior competição entre os animais, podendo reduzir o tempo de alimentação e a quantidade de leite ingerida. Em uma revisão de literatura, relatou-se que a socialização dos animais pode melhorar o consumo da dieta sólida antes do desaleitamento, ajudar a aumentar o ganho de peso das bezerras e estimular o desenvolvimento cognitivo dos animais. Apesar dos benefícios do reagrupamento, vale salientar que o estresse envolvido no reagrupamento é de ordem aguda e/ou crônico, pois perdura até que a hierarquia social esteja restabelecida e os animais aclimatados, além de cuidados com a sanidade devido ao contato direto entre os animais.
Desmama ou desaleitamento, é um processo caracterizado pela substituição total da dieta líquida por uma dieta sólida que ocorre dentro do sistema de criação de bezerras. A idade e peso dependem muito do objetivo de cada propriedade e de cada sistema produtivo, mas recomenda-se que seja feito em torno de 75-90 dias com um peso de 90-120kg. O desaleitamento é considerado uma das fases mais estressantes para a bezerra, observando-se principalmente efeitos fisiológicos (redução no consumo de alimento, redução no crescimento, disfunções gastrintestinais, maior susceptibilidade à incidência de doenças) e alterações comportamentais (inquietação e vocalização). Na prática, podemos citar algumas práticas que podem ajudar a minimizar o estresse no processo de desaleitamento:
– Realizar a desmama gradual, diminuindo gradativamente a quantidade da dieta líquida até o desmame completo.
– Se possível, manter a bezerra na mesma instalação por alguns dias.
– Fornecer quantidade adequada de dieta sólida e água de boa qualidade.
– Não realizar outros manejos com o desmame (mudança de ambiente, vacinação, descorna).
Com base nos cenários citados acima, percebemos que o estresse está presente em diversos eventos durante o início da vida de uma bezerra leiteira. Na maioria das vezes, os impactos do estresse podem passar despercebidos, mas podem gerar impactos negativos na produtividade dos animais. Logo, a adoção de práticas de manejo associadas às novas tecnologias, podem minimizar os efeitos negativos ocasionados pelo estresse, com uma consequente melhoria no desempenho e saúde das bezerras nesse período crítico.