A nanoemulsão de cera de carnaúba, usada para conservação de frutas, vem despertando o interesse de setores produtivos de países da América Latina e da Europa e já está nos planos de uma multinacional alemã para desembarcar na Ásia. A tecnologia é resultado de uma pesquisa em inovação aberta, da conexão entre um centro de pesquisa, iniciativa privada e academia.
A inovação aberta é um modelo considerado essencial para acelerar o desenvolvimento de uma pesquisa, alavancar a entrada do produto no mercado e adoção pelo setor produtivo.
Entre os fatores que contribuíram para a rápida inserção estão o desenvolvimento sustentável, funcionalidade, facilidade de uso, flexibilidade, inovação, forte conexão com o setor produtivo e segurança. A tecnologia é uma das que serão apresentadas por ocasião dos 48 anos da Embrapa, cuja data é comemorada no dia 26 de abril.
Desenvolvida dentro do ecossistema de inovação da Embrapa Instrumentação (São Carlos – SP), em parceria com a QGP/Tanquímica, com sede em Laranjal Paulista (SP), e a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), a tecnologia está sendo adotada como uma alternativa às ceras convencionais.
Peru e Chile, com forte e crescente presença no mercado internacional de frutas frescas, são alguns dos países atraídos pelos benefícios da nanoemulsão, à base de carnaúba, extraída das folhas da carnaubeira, espécie natural e abundante na região Nordeste do Brasil. A relação dos países latinos com a tecnologia caminha da fase experimental para a adoção incremental em seus produtos.
A nanoemulsão mantém as propriedades sensoriais do fruto, reduz a perda de massa, proporciona maior brilho, preserva a qualidade e prolonga, em média, em 15 dias a vida útil das frutas, comparada ao revestimento convencional. O impacto na forma sustentável de produzir e de consumir reflete na redução de perdas e desperdício de alimentos que, em 2019, chegou a quase um bilhão de toneladas, segundo a Organização das Nações Unidades (ONU). A tecnologia ainda está alinhada com o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que visa reduzir pela metade o desperdício de comida até 2030.
Ganhos como esses, de caráter ambiental e socioeconômico, foram decisivos para a alemã Lemon Fresh aplicar o produto em 15% das frutas beneficiadas diariamente. A empresa está revestindo o popular limão Tahiti e exportando para a Europa e Oriente Médio – região da Ásia formada por 15 países.
De acordo com diretor comercial, Luís Carlos Rugeri, a expectativa da empresa é utilizar a tecnologia em 100% do fruto, ampliar a participação no mercado europeu e entrar em todo o continente asiático, o mais extenso e populoso do mundo, com quase cinco bilhões de pessoas.
“Observamos que a nanoemulsão reduz a perda de peso da fruta, aumentando em até três vezes a vida útil em armazenagem refrigerada, além de melhorar a qualidade do suco e a coloração”, afirma o diretor.
Para o pesquisador da Embrapa Instrumentação, Marcos David Ferreira responsável pela pesquisa, o desenvolvimento e comercialização da nanoemulsão de cera carnaúba somente foi possível em curto espaço de tempo, devido à integração de uma equipe multidisciplinar, por meio de parceria público-privada, em inovação aberta.
É uma conexão que fortalece a pesquisa, acelera a saída da tecnologia do laboratório e encurta o caminho até o setor produtivo. “Esse diálogo e interações constantes foram fundamentais para essa conquista com ganhos para todos”, avalia o pesquisador.
Da ideia ao produto
A tecnologia consumiu cerca de sete anos de pesquisa e foi executada conforme metodologia internacional utilizada pela Embrapa para avaliar os níveis de maturidade tecnológica de um projeto de inovação. Classificadas em nove escalas, a última sinaliza a obtenção do desempenho em ambiente operacional, em estágio de industrialização e comercialização, caso da nanoemulsão de cera de carnaúba.
Do Laboratório Nacional de Nanotecnologia para o Agronegócio (LNNA), sediado na Embrapa Instrumentação, veio o suporte técnico e científico para transformar a cera de carnaúba em partículas ultrafinas, capazes de manter a estabilidade mecânica e as propriedades sensoriais do fruto. A pesquisa recebeu apoios da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
“Além dos impactos positivos já mencionados, a utilização da cera de carnaúba, em escala nanométrica, tem algumas vantagens adicionais pelo fato da nanoemulsão ter maior estabilidade à separação gravitacional e a agregação, comparadas às emulsões convencionais”, conta o engenheiro de materiais, Daniel Souza Corrêa, envolvido diretamente na pesquisa, que se tornou um produto comercial.
De olho no Brasil e no mundo
No Brasil, terceiro maior produtor mundial de frutas, com grande diversidade de espécies cultivadas, os produtores rurais de base empresarial e empresas de beneficiamento pós-colheita de frutos são os principais contemplados pela tecnologia. A distribuição e comercialização, nacional e internacional, da nanoemulsão de carnaúba está sendo realizada pela empresa AgroFresh.
“Eles são especialistas em pós-colheita e estão em vários países, podendo distribuir a tecnologia com pessoal capacitado”, comenta a gerente de laboratório de pesquisa e desenvolvimento da QGP/Tanquímica, Marilene de Mori Morselle Ribeiro.
A expansão nos negócios, gerada pela produção e comercialização da nanoemulsão, dentro e fora do país, está ajudando a QGP/Tanquímica, com filiais em Franca (SP) e Novo Hamburgo (RS), a alavancar o produto, mesmo diante do cenário da pandemia do novo coronavírus, e a gerar royalties para a Embrapa Instrumentação.