Com um cheiro característico, que muitos dizem reconhecer de longe, a goiaba é uma das faces da fruticultura no Brasil. Isso porque ela faz parte do seleto grupo de frutas nativas ‒ o qual inclui abacaxi e maracujá ‒, que têm cultivo comercial e números expressivos no mercado. O Estado de São Paulo se destaca no cenário nacional como o segundo maior produtor, com mais de 195 mil toneladas cultivadas em 6.634 hectares.
Em plena safra ‒ que vai de janeiro a março (goiaba de mesa) e de março a maio (goiaba para indústria) ‒, a fruta in natura pode ser encontrada em supermercados, feiras, empórios, bancas de rua e, atualmente, adquirida por delivery (modalidade adotada também por alguns produtores, durante o período de pandemia). Como suco ou sobremesas é destaque no cardápio de bares, restaurantes e lanchonetes, bem como na mesa da população.
Há décadas, a Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo contribui com os produtores e toda a cadeia produtiva, fazendo pesquisas, principalmente na área de fitossanidade, e, por meio da Coordenadoria de Desenvolvimento Rural Sustentável (CDRS), colabora com um amplo trabalho de assistência técnica e extensão rural (Ater) aos fruticultores. Entre as atividades realizadas pela rede de extensionistas estão a transferência de tecnologia e conhecimento; as capacitações sobre temas variados, englobando plantio, manejo, comercialização e gestão da propriedade; o apoio para acesso às políticas públicas; e a edição de publicações técnicas.
Outra frente de ações da CDRS está centrada nos seus Núcleos de Produção de Mudas (NPM), onde são produzidas e comercializadas, anualmente, mais de 10 mil mudas de goiaba das variedades Paluma, Tailandesa, Pedro Sato e Kumagai. “Adquirir mudas com qualidade e garantia de sanidade é um dos primeiros passos para se ter sucesso na implantação do pomar. Ao longo das últimas décadas, novas metodologias e tecnologias têm sido implementadas na produção. E a Secretaria de Agricultura também tem prezado pelo aprimoramento, fazendo investimento em câmaras de nebulização, estufas e viveiros com telas antiafideose e equipamentos de fertirrigação, o que resultou em plantas com garantia genética e livres de pragas e doenças”, explica Marcos Augusto Franco Junior, diretor do NPM de Itaberá, destacando a adoção de nova tecnologia, que mostra excelentes resultados. “Estamos trabalhando com uma metodologia de produção de minimudas enxertadas; uma nova técnica que diminui os custos de implantação de pomares e melhora a logística de transporte para os produtores”.
Valinhos: município é o centro da produção da goiaba de mesa
A história da cultura da goiaba se entrelaça com a de Valinhos, município de cerca de 132 mil habitantes, distante 80km da capital paulista. O motivo está ligado à grande representatividade da colônia japonesa na cidade. Relatos históricos mostram que, logo após a promulgação da municipalização de Valinhos, em 1953, as primeiras famílias japonesas mudaram-se para a Fazenda Macuco (atual bairro). “No início de 1954, formou-se uma pequena colônia japonesa, com várias famílias que se estabeleceram e se dedicaram ao cultivo do tomate. No entanto, logo perceberam que não seria rentável; então, buscando diversificar as atividades, apostaram na cultura da goiaba”, relembra Hélio Yonemura, membro da terceira geração da família, que foi uma das primeiras a se instalar em Valinhos e que produz a fruta há quase 50 anos, como principal atividade, fonte de renda e geração de emprego.
Ao longo dos anos, a produção foi aperfeiçoada e ampliada, o que garantiu a Valinhos o título de maior produtor de goiaba de mesa do Estado de São Paulo. “Em 1995, foi criada a Expogoiaba e incorporada à tradicional Festa do Figo, em função do crescimento da produção da fruta na cidade. Esse evento deu mais visibilidade à nossa fruta, impulsionando a comercialização, principalmente dos pequenos produtores”, comenta o produtor.
A cultura da goiaba em Valinhos sob a ótica da extensão rural
Atualmente, o município contabiliza 110 mil goiabeiras plantadas, ocupando uma área de 313,6 hectares, em 185 propriedades, em sua maioria de pequenos produtores, os quais produzem cerca de 13 mil toneladas. “Quase todas as goiabas do País são produzidas com técnicas de poda, irrigação e adubação desenvolvidas pelos japoneses, bem como as variedades desenvolvidas no município ‒ Sassaoka, Kumagai e Pedro Sato ‒ são muito plantadas”, informa José Henrique Conti, engenheiro agrônomo responsável pela Casa da Agricultura local, unidade ligada à CDRS Regional Campinas, complementando que a extensão rural tem um trabalho de parceria estreita com os produtores locais. “Além das tradicionais ações de Ater, junto com os fruticultores, buscamos sempre novos conhecimentos e tecnologias. Um exemplo é o experimento que estamos desenvolvendo no pátio da Casa da Agricultura, com o produtor Hélio Yonemura, de enxerto da goiaba Tailandesa (cultivar conhecida como gigante) no tronco da goiaba cascuda; atividade que retomaremos assim que for possível, por conta da pandemia”.
Do ponto de vista técnico, o agrônomo faz algumas considerações interessantes para os interessados na cultura.
• Cultivo: a goiaba se caracteriza por ser uma planta tropical, o que lhe confere a ampla adaptabilidade para implantação em qualquer região do Brasil. A safra normal da goiaba de mesa é de janeiro a março, no entanto ela pode ser produzida o ano todo. “Para isso, basta alterar a data de poda, adubar e irrigar a lavoura. Em Valinhos, os produtores trabalham com podas contínuas ou alternadas, onde cada um tem uma época de poda diferente, o que confere a possibilidade de colher frutas o ano todo. Além de manter um fluxo de caixa perene, ele recebe preços melhores, pois foge do pico normal da safra”.
• Tipos de poda e condução: a goiabeira tem que ser conduzida, desde o início, com podas, após a colheita dos frutos, de forma contínua ou alternada, para garantir uma arquitetura adequada (em Valinhos a mais utilizada é a alternada, pois facilita o controle de pragas e o uso adequado de defensivos agrícolas). As plantas devem ficar arejadas e baixas, garantindo menor incidência de doenças e melhor conforto na colheita.
• Tipos e variedades: há dois tipos de goiaba, a branca, que tem maior índice de produtividade, e a vermelha, que tem preferência no mercado consumidor, por isso alcançam preços melhores. Há alguns anos foi introduzida uma nova variedade de goiaba denominada Tailandesa, que está substituindo a variedade normal de goiaba cascuda, pois produz frutos maiores, que atingem preços convidativos ao produtor. No entanto são mais exigentes em água e adubação, além de mais suscetíveis a algumas pragas e doenças.
Região de Jaboticabal: centro de produção de goiaba para a indústria
A vocação de produção de goiaba para indústria está balizada pela concentração de agroindústrias na região. “As principais empresas são: Predilecta, localizada no Distrito de São Lourenço do Turvo, em Matão; Via Néctare, em Taquaritinga; Val Alimentos, em Vista Alegre do Alto; Fugini, em Monte Alto; e Cêpera, em Ibitirama. Essa configuração contribuiu fortemente para que a nossa região se tornasse a maior produtora de goiaba para processamento agroindustrial”, avalia Fabiana Ferreira da Costa Gouvêa, diretora da CDRS Regional Jaboticabal.
De acordo com Oracy Schuindt Júnior, engenheiro agrônomo responsável pela Casa da Agricultura de Taquaritinga ‒ município distante cerca de 340km da capital, o qual detém cerca de um terço da produção de goiaba para indústria (das cerca de 46 mil toneladas produzidas na região, a cidade responde por mais de 15 mil toneladas) ‒, a variedade mais plantada na região, voltada à indústria, é a Paluma. “A safra se inicia em março (pico da colheita), dependendo das chuvas e se é produção em sequeiro ou com irrigação, estendendo-se por, aproximadamente, dois meses. Nos pomares irrigados é possível adiantá-la um pouco. Entre o final do mês de julho e meados de outubro são realizadas as podas de maneira escalonada, para que as goiabeiras não produzam todas ao mesmo tempo, no período de safra”, explica Oracy, comentando que antes da safra há uma pequena produção das variedades Pedro Sato e Século XXI (as chamadas goiabas adiantadas), que costumam ser colhidas para o mercado. “Recentemente, também vem aumentando o plantio de uma variedade exclusiva para mercado: a Tailandesa”.
Em Taquaritinga, para se ter uma ideia da importância da cultura, como atividade geradora de renda e emprego, a fruta ganhou até um dia para chamar de seu. Na cidade, de cerca de 58 mil habitantes, o dia 20 de março agora é o Dia Municipal da Goiaba. “Essa data foi oficializada em fevereiro deste ano, por meio de um projeto de um vereador local, com o objetivo de incluir uma festa da goiaba no calendário oficial de eventos da cidade. Por conta da pandemia, neste ano a festividade não foi realizada, mas será lembrada como um marco para a intensificação de ações conjuntas entre produtores, poderes públicos estadual e municipal, bem como o Sindicato Rural, para que impulsionem ainda mais a produção e as agroindústrias”, explica Oracy, lembrando que, em Taquaritinga, a goiaba é cultivada em 170 propriedades (a maioria de pequenos produtores), nas quais cerca de 210 mil pés ocupam uma área de 1.066 hectares.
Nesse contexto, Oracy destaca que a Casa da Agricultura tem intensificado as ações de Ater (assistência técnica e extensão rural) juntos aos produtores. “Além disso, buscamos incrementar e diversificar os canais de comercializações para eles, com apoio e suporte para que acessem políticas públicas, como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), e, recentemente, o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) – Modalidade Doação Simultânea – Cesta Verde (executado pela Secretaria de Agricultura e Abastecimento, em conjunto com os Ministérios da Agricultura e da Cidadania, e, em Taquaritinga, com apoio da Prefeitura Municipal), por meio do qual são ofertados alimentos, entre os quais a goiaba, para as instituições de assistência social, como foi o caso, neste ano, do Lar Vicente de Paulo e da Vila Vicentina”.
Em Cândido Rodrigues, município de cerca de seis mil habitantes, distante cerca de 350km da capital paulista, a vocação da produção também é, em sua maioria, para a indústria. No entanto, há alguns anos, ao conhecer a variedade Tailandesa, alguns produtores passaram a investir mais na produção de goiaba de mesa. “Recentemente, alguns produtores descobriram as vantagens dessa variedade devido a uma série de características desejáveis: plantas que apresentam uma alta produtividade; tamanho dos frutos com uma média de peso de 350 gramas, podendo alguns frutos pesarem até 900 gramas; polpa espessa, com poucas sementes, melhor resistência à logística de transporte até os grandes centros de abastecimento, como a Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp), as Centrais de Abastecimento (Ceasas) e os atacadistas, bem como uma maior durabilidade no tempo de prateleira nos pontos de comercialização”, avalia Francisco Marucca (Chiquinho), engenheiro agrônomo responsável pela Casa da Agricultura local, ressaltando que essa cultivar vem ganhando a aceitação do consumidor, fato demonstrado pela demanda crescente nos pontos de venda.
Os irmãos José Donizete e Henrique de Grande são exemplos de produtores que estão investindo nesse nicho. O agrônomo Francisco explica que foram adquiridas mudas da cultivar BRS Guaraçá, para implantação de novos talhões em suas propriedades. “Classificamos esse porta-enxerto desenvolvido pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) como sendo de ótima qualidade, pois é resistente a nematoides e possui compatibilidade com as demais variedades utilizadas no município”, diz, sendo complementado pelos produtores: “Ao avaliarmos o material, junto com o extensionista da CDRS, que nos acompanha e orienta tecnicamente, vimos que a introdução desse porta-enxerto em nossa região é de extrema importância para a cadeia produtiva da goiaba. Os danos causados pelos nematoides nas goiabeiras estão tirando o nosso sossego, fazendo com que determinados produtores até optem pela mudança da cultura em alguns de seus talhões, em decorrência da alta incidência da infestação nos pomares, o que pode inviabilizar a produção, pois torna os frutos menores, causa o declínio e até a morte das plantas”, explicam.
Além de sabor, saúde na mesa!
Falar da goiaba dos pontos de vista alimentar e nutricional é um cardápio extenso. Nutritiva e versátil na dieta, além de in natura, pode ser consumida em diversas preparações na forma de vitaminas, geleias, sucos, compotas. “A goiaba é rica em carotenos, licopenos e carboidratos de baixo índice glicêmico. A união desses nutrientes reforça suas características nutracêuticas, com diversas propriedades medicinais como ação anti-inflamatória”, explica Denise Baldan, nutricionista da Secretaria de Agricultura e Abastecimento, que atua na CDRS.
Denise destaca, ainda, outras características. “Como a maioria das frutas, a goiaba é rica em fibras, o que aumenta a saciedade, facilita o trânsito intestinal (com a ajuda de água, para que a fibra consiga fazer seu papel), além de ajudar a manter a glicemia controlada. Pode ser um excelente lanche para diabéticos. É importante frisar que o ideal é sempre combinar a fruta com alguma fonte de gordura de boa qualidade ou de proteína; como, por exemplo, goiaba com iogurte natural”, informa, destacando também que a fruta é fonte de antioxidantes, vitaminas A e C, que ajudam a manter a saúde e o viço da pele, pois age no processo de renovação celular. “Outro nutriente abundante da goiaba é o potássio, fundamental para a saúde do coração, pois ajuda na diminuição dos níveis de triglicerídeos e colesterol. Ou seja, a goiaba é um excelente alimento para uma vida mais saudável”.