Os sistemas integrados de produção agropecuária (SIPA), também conhecidos como integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF), contribuem com a redução de doenças de plantas nas lavouras de grãos, tanto nas raízes quanto na parte aérea das plantas. Pesquisas desenvolvidas pela Embrapa, em parceria com a Universidade Federal do Paraná (UFPR) e conduzidas em um experimento de longa duração do Instituto Agronômico do Paraná (Iapar), concluíram que é possível, nas áreas manejadas com ILPF, reduzir a quantidade de agrotóxicos necessários para controle de doenças, pois o componente florestal é um fator importante na redução da sobrevivência de patógenos no solo, bem como reduz a intensidade de doenças foliares.
Os resultados desse estudo inédito foram publicados na edição de novembro de 2020 da revista internacional Agricultural Systems. Intitulado Plant diseases in afforested crop-livestock systems in Brazil, o artigo é assinado pelo engenheiro-agrônomo Alexandre Dinnys Roese, da Embrapa Agropecuária Oeste, em parceria com Erica Camila Zielinski e Louise Larissa May De Mio, ambas do Departamento de Fitotecnia e Fitossanitarismo da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Roese explica que o estudo foi direcionado tanto a doenças causadas por fungos que sobrevivem no solo quanto às foliares, cujos patógenos sobrevivem nos restos culturais e plantas voluntárias, podendo ser dispersos pelo ar, como é o caso das ferrugens. Os trabalhos de campo foram conduzidos em experimentos de longa duração no município de Ponta Grossa (PR), no período de 2013 a 2016.
Entre os avanços proporcionados por essa pesquisa, se destacam as contribuições relacionadas ao comportamento de doenças do solo nas lavouras de soja e milho e de doenças foliares nas lavouras de soja, milho e aveia.
A metodologia de pesquisa analisou três diferentes sistemas de produção: agrossilvipastoril (ASP), com rotação soja e milho no verão, pastejo bovino sobre aveia com azevém no inverno, todos situados entre fileiras de eucalipto com grevílea; sistema agropastoril (AP), com rotação soja e milho no verão e pastejo bovino sobre aveia mais azevém no inverno; e área-controle (CO), apenas com rotação soja e milho no verão e aveia mais azevém no inverno, porém sem pastejo animal. A área total do experimento ocupou 12 hectares.
Segundo Roese, há pouco estudo sobre o relacionamento entre o componente florestal e as doenças nas lavouras, e os cientistas queriam saber se a presença de árvores no sistema de produção influencia a ocorrência ou a severidade de doenças na lavoura, e como isso se daria. “Essa era uma suspeita baseada em observações empíricas a campo, de que nos locais com uso do sistema agrossilvipastoril, também conhecido como ILPF, ocorria redução de doenças. Por meio desse estudo, temos a certeza de que essa diminuição é verdadeira para a maioria das doenças. Esse aspecto foi comprovado cientificamente e agora compreendemos como isso ocorre”, comenta o cientista.
Ele comemora os resultados, que reduzem tanto as doenças do solo quanto as doenças foliares, ressaltando que no estudo as doenças foram usadas como modelos biológicos.
Microclima nas lavouras
Segundo Roese, as árvores proporcionam uma alteração no microclima, modificando inúmeros aspectos das lavouras, como: duração do molhamento foliar, temperatura, umidade do ar, velocidade do vento e incidência de luz.
O agrônomo enfatiza que as doenças são muito dependentes de microclima, e como as árvores alteram o microclima, acabam influenciando drasticamente as doenças de plantas nas lavouras, o que justifica a relevância dessa pesquisa.
“Os dados relacionados ao microclima foram monitorados no interior do dossel das plantas, em soja e em milho. Observamos que, com a presença das árvores, ocorre menor duração do molhamento foliar diário, menor intensidade luminosa, menor temperatura diurna, maior temperatura noturna, maior umidade do ar durante o dia e menor velocidade do vento”, relata Roese. Segundo ele, a menor duração do molhamento foliar ocorre em função da menor formação de orvalho, que, por sua vez, é influenciada pela menor redução da temperatura durante a noite, pois as copas das árvores formam uma barreira que reduz a perda de energia (temperatura) durante a noite.
Doenças de solo
Roese explica que as doenças de solo são causadas por microrganismos (fungos, bactérias e outros), habitantes naturais do solo, mas em desequilíbrio nesse ambiente. A microbiota presente no solo é responsável por equilibrar a presença desses agentes causadores das doenças.
A supressividade do solo aos patógenos é o nome dado à capacidade do solo de suprimir, total ou parcialmente, uma ou várias doenças, mesmo quando o agente causador da doença (patógeno) está presente no solo e todas as condições ambientais são favoráveis à doença.
As doenças de solo avaliadas foram o tombamento de plantas de soja, causado pelo fungo Rhizoctonia, e o mofo-branco, causado pelo fungo Sclerotinia. Em ambos os casos, o sistema agrossilvipastoril reduziu a incidência da doença ou a sobrevivência do patógeno. Esses resultados foram relacionados ainda com a maior atividade microbiana e maior presença de fungos benéficos no solo no sistema de produção que inclui árvores.
“A microbiota do solo é favorecida pela intensificação no sistema de produção, ou seja, o aumento do número de espécies cultivadas e a presença de animais. Assim, o componente florestal beneficia a microbiota, o que contribui diretamente com a redução das doenças, ” detalha o agrônomo.
Doenças foliares
O estudo buscou ainda identificar os benefícios do sistema agrossilvipastoril na redução de doenças foliares de soja e milho e sua relação com a presença de árvores na lavoura. As doenças foliares são aquelas que ocorrem na parte aérea das lavouras e que podem ser causadas por fungos, bactérias e outros microrganismos que ficam na palhada ou que sobrevivem em plantas hospedeiras alternativas. Elas são normalmente disseminadas pelo vento e respingos de chuva.
Em geral, todas essas doenças são controladas por meio da pulverização de agrotóxicos específicos. Por isso, pesquisas como essa contribuem com a redução desse tipo de insumo, o que é benéfico para o meio ambiente, para a saúde do trabalhador e para a redução dos custos de produção das lavouras.
Para a cultura da soja, o trabalho analisou ferrugem, míldio e oídio, bem como a dispersão de esporos de ferrugem e oídio no ar. Os resultados demonstram que a adoção do sistema de produção agrossilvipastoril proporcionou menor severidade de ferrugem e de míldio, apesar de aumentar a severidade de oídio.
Também foram avaliadas a mancha-branca, ferrugem, helmintosporiose e cercosporiose na cultura do milho. O sistema de produção agrossilvipastoril apresentou menor severidade de mancha-branca, de ferrugem e de cercosporiose. Quanto à helmintosporiose, não houve diferença na severidade e no número de lesões entre os sistemas de produção.
Para Roese, os resultados comprovam que a arborização reduz a maior parte das doenças nas lavouras. “No entanto, culturas agrícolas sujeitas a oídio devem ter cuidado redobrado em sistemas de produção arborizados. Essa doença teve sua severidade aumentada, inclusive no cultivo de aveia durante o inverno,” declara.
O especialista enfatiza que, apesar da relevância desses resultados, a maioria deles já eram esperados. “Quem defende sistemas agrosilvipastoris sempre menciona a redução de doenças de plantas como um de seus benefícios. No entanto, essa afirmação estava baseada nos conceitos do sistema, na sua maior proximidade com ambientes naturais e na expectativa de maior resiliência a estresses. Porém, ainda não havia resultados experimentais que comprovassem isso. E foi isso que fizemos,” conclui.
Cuidados na inserção de árvores
O professor do Departamento de Fitotecnia e Fitosanidade da UFPR Anibal de Moraes apresenta alguns cuidados em relação à inserção de árvores no sistema de produção integrada. Ele explica que planejamento é a palavra-chave do sucesso e acrescenta: “Não é uma decisão simples”. Anibal salienta que na etapa de implantação das árvores é preciso levar em consideração o tipo de implemento que será trabalhado na área.
Segundo ele, o produtor deve definir previamente os espaçamentos entre os renques de arborização, bem como a sua localização, priorizando o plantio em nível do terreno.
“Sobre espaçamento entre os renques existem algumas possibilidades que variam em função do interesse no uso do componente florestal. Se o objetivo for cultivo de árvores, busca-se uma maior densidade. Porém, se for o bem-estar animal e a qualidade do produto objetivo principal, prioriza-se a pastagem e então esse espaçamento entre as árvores deverá ser maior”, explica o professor.
Ele também destaca alguns cuidados no momento da implantação do componente florestal em pastagens e explica que “é necessário definir algumas estratégias, tais como uso de cercas elétricas para a proteção das mudas de árvores plantadas até que elas atinjam um tamanho e possam suportar o impacto que o animal pode proporcionar quando for, por exemplo, se coçar ou fazer algum romaneio na árvore. Assim, é conveniente aguardar, em média, cerca de dois anos para que haja possibilidade de ingresso de animas nas áreas arborizadas”.
Anibal sugere ainda que outra alternativa de implantação seria fazer a inserção de árvores junto a uma área de lavoura, mas isso requer um espaçamento entre renques bem maior, a fim de que após o terceiro ano dessas árvores, sua interferência seja mínima do rendimento da lavoura.
Ele sugere que após esse período, o produtor permaneça com as árvores em associação preferencialmente com a pastagem, que deve ser adubada anualmente, ou seja, ter seu manejo mantido de forma adequada.
Finalmente, o professor Anibal comenta sobre a etapa de retirada das árvores e explica que o custo de uma destoca é muito elevado. Ele sugere que é “interessante colocar as próximas árvores na mesma linha, mantendo o mesmo modelo de implantação inicial, o que evita o gasto com destoca e possibilita a manutenção do sistema integrado de produção de árvores com pastagens”.