Agricultura

Evolução do trigo gaúcho trouxe segurança e liquidez

Há 10 anos, o mercado de trigo gaúcho funcionava de um jeito diferente. A qualidade do que era produzido no Estado era sub aproveitada pelos moinhos, o que fazia com que as importações, principalmente da Argentina, fossem a saída. Atualmente, o cenário atualmente é outro porque a qualidade do trigo produzido no Rio Grande do Sul mudou a dinâmica do mercado e, hoje, há uma evolução significativa do que é entregue aos moinhos. Além de materiais melhores, esse avanço ajudou a valorizar e viabilizar o trigo nacional e abriu espaço para que a cadeia fosse melhor remunerada no Brasil, principalmente em um cenário de dólar elevado, que torna cara a importação de trigo para abastecer o mercado interno.

O Moinho Vacaria, localizado na cidade gaúcha de mesmo nome, trabalha há mais de 50 anos com moagem de trigo. Marta Accorsi é controller do Moinho e lembra de como era o mercado no passado. “Lá atrás o trigo gaúcho não possuía as características para atender o mercado de panificação, ou seja, não atendia a demanda da indústria. A gente precisava do trigo argentino para moer. Não existia, até 10, 12 anos atrás trigo de qualidade aqui”, recorda. O diretor Comercial do Moinho Viviana, de Camaquã/RS, Ronei Olson, concorda que houve uma grande mudança do que era para o que é atualmente. “Nós criamos uma dependência muito grande do trigo importado porque o segmento panificação é bem delicado e exigente”. A evolução do trigo gaúcho nos últimos anos foi grande, chegando a superar os materiais que vêm de fora. “Talvez no passado a qualidade do grão argentino era superior, hoje eu não vejo mais dessa forma”, avalia Ronei.

Nova dinâmica de comercialização

Algumas características são essenciais para que o produto seja considerado adequado para os diferentes objetivos. Nos moinhos, a força de glúten (W), a estabilidade (Est) e a cor (L*) mais clara são alguns dos principais pontos que precisam estar presentes na farinha para produzir bons pães. Para Marta, hoje o trigo gaúcho tem uma qualidade excepcional. “Nos últimos anos, com o avanço da genética, o que eles fizeram é uma coisa fantástica. Esse perfil de qualidade começou a mudar há 10, 12 anos. Nos últimos 4, 5 anos mais expressivamente ainda. Todo ano tem uma cultivar nova, uma melhora em relação ao ano anterior”, relata. Marta explica que essa evolução se expressa nos números do Moinho Vacaria. “Há uma década, 80% da produção era oriunda da importação de trigos. Nesta safra, a origem praticamente se inverteu”, relata.

Além do moinho, os trigos produzidos hoje no Rio Grande do Sul têm aberto novas oportunidades de negócio e melhorado a dinâmica de comercialização. Uma das dificuldades que existia era a incerteza de que a qualidade prometida seria a mesma no momento da venda. Alessandro Braucks, de Tenente Portela/RS, trabalha com trigo há 20 anos. Ele é agricultor e cerealista e percebe os impactos da evolução na comercialização. “Antes a gente trabalhava com materiais que tinham bons tetos produtivos, mas a qualidade industrial sempre era uma incógnita. Você ia vender o trigo e ficava sempre muito sensível em relação a qualidade industrial”, comenta.

Segundo ele, hoje, os materiais têm uma qualidade industrial muito superior, com estabilidade nos índices, tolerância maior às mudanças climáticas, incluindo especialmente um maior nível de resistência à germinação em pré-colheita, tema sensível para a cultura do trigo no sul do Brasil. “Além de força de glúten e estabilidade, temos trigos com uma qualidade no geral que geram muito mais segurança para quem está produzindo”, avalia.

O papel do melhoramento genético

Grande parte do avanço notado por Marta e Ronei nos materiais que recebem nos moinhos passa pelo melhoramento genético. As cultivares desenvolvidas nos últimos anos levam mais segurança ao produtor e ao restante da cadeia. Kênia Meneguzzi, supervisora de qualidade industrial da Biotrigo Genética, explica que há uma preocupação em identificar as necessidades do mercado e a partir disso criar cultivares com aptidão específica para cada demanda dentro do programa de melhoramento. “Hoje temos projetos especiais que visam segregação para entrega de cultivares com especificações bem distintas, como é o caso dos trigos branqueadores para panificação e para biscoito. A partir disso conseguimos identificar internamente quais as cultivares que atendem cada mercado e aí criarmos projetos específicos para atender a essas demandas buscando preservar a identidade daquilo que é diferenciado”, explica.

A demanda por trigos específicos para cada finalidade, como panificação, branqueadores, entre outros, sempre existiu. O que não existia era a distinção e programas que visavam segregação para apoiar a comercialização do produtor e também a utilização desses lotes pelo moinho. Segundo Kênia, o objetivo desse esforço é estruturar e organizar para que fique mais fácil a comercialização pelo produtor e a utilização pelo moinho. “E assim a indústria consegue farinhas específicas para produzir para o consumidor que está cada vez mais exigente. Sabemos que a segregação é um desafio e para aquelas cultivares que não estão em projetos especiais, estamos buscando evoluir criando um grupo mais homogêneo, quando se trata de panificação”, esclarece.

 

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