Os vinhos finos de inverno produzidos no Sudeste brasileiro estão ganhando cada vez mais espaço nas exigentes adegas internacionais. Prova disso é que mais uma vez nossa produção regional conquistou medalhas em uma das maiores e mais importantes competições de vinhos do mundo, a Decanter World Wine Awards.
O início da produção de vinhos finos no Sudeste foi possível graças aos trabalhos da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (EPAMIG). Há cerca de 20 anos, no município de Caldas (MG), o Núcleo Tecnológico de Uva e Vinho da EPAMIG implantou a tecnologia da dupla poda. Hoje, é possível colher na região uvas sadias, de maturação plena, com mais aroma e concentração de cor, o que contribui para o incremento da qualidade de vinhos apreciados dentro e fora do país.
A dupla poda consiste na inversão do ciclo produtivo da videira, que altera para o inverno o período de colheita das uvas destinadas à produção de vinhos. “O método consiste, ainda, na realização de duas podas, uma de formação dos ramos no mês de agosto, e outra de produção no mês de janeiro”, destaca o ex-pesquisador da EPAMIG, Murillo de Albuquerque Regina, responsável por desenvolver a ideia no Brasil.
A premiação internacional ocorrida na última semana foi organizada pela revista inglesa Decanter, uma das mais respeitadas publicações sobre vinhos do mundo. Neste ano, a 17ª edição do concurso avaliou 16.518 rótulos.
Entre os premiados do Decanter 2020 estão doze rótulos produzidos em municípios do Sul de Minas e de São Paulo. Desse número, onze foram produzidos a partir da técnica da dupla poda.
Dois vinhos foram premiados com medalhas de prata: Fumé Blanche Sauvignon Blanc, da vinícola Ferreira (92 pontos) e Tempos de Góes Reserva Sauvignon Blanc, da vinícola Góes (90 pontos).
Os medalhistas de bronze foram o Espumante Nature, da Carvalho Branco (89 pontos); Vale da Pedra, da Guaspari (88 pontos); Luiz Porto Cabernet Sauvignon, da Luiz Porto Vinhos Finos (88 pontos); Brandina Assemblage, da Villa Santa Maria (88 pontos); Bárbara Eliodora Sauvignon Blanc (87 pontos); Syrah Speciale, da Casa Verrone (87 pontos); Vale da Pedra, da Guaspari (87 pontos); Colheita Especial Viognier, da Casa Verrone (86 pontos); Vista da Serra Syrah, da Guaspari (86 pontos); Eva Syrah, da Maria Maria (86 pontos).
Expectativas dos produtores para os próximos anos
Essa não é a primeira vez que vinhos do Sudeste brasileiro produzidos a partir da técnica da dupla poda são premiados internacionalmente. Os produtores e empresários da região se dizem gratos aos trabalhos de pesquisa da EPAMIG, responsáveis por impulsionar o setor, e se veem otimistas com relação ao mercado para os próximos anos.
Segundo Dormovil Ferreira, da Vinícola Ferreira, os vinhos de qualidade diferenciada têm muito mercado para ser explorado, independentemente de sua origem. O rótulo premiado não foi produzido a partir da técnica da dupla poda, mas foi elaborado na EPAMIG de Caldas (MG). Ainda de acordo com Dormovil, há motivos para ficar otimista com o mercado brasileiro.
“Ainda existem barreiras e preconceitos contra vinhos nacionais por parte de consumidores e donos de restaurantes. Nossa missão é provar que cada vez mais podemos criar vinhos de qualidade e, o mais importante, aprimorar e aumentar a qualidade de nossos vinhos”, afirma Dormovil Ferreira.
O enólogo Fábio Góes, faz parte da quarta geração de uma família que há 82 anos trabalha com produção de vinhos. A Vinícola Góes já havia recebido uma medalha de recomendação na última edição do Decanter. Dessa vez, a medalha de prata veio para coroar a tradição e impulsionar os planos da empresa.
“Temos uma visão positiva do mercado diante de tantas premiações. A técnica da dupla poda veio pra ficar. Percebo que os consumidores estão cada vez mais à procura de novos estilos de vinhos, o que nos dá uma excelente perspectiva de mercado. Nosso desejo é aumentar a cada ano a produção, bem como fazer novos testes de variedades de uvas com a dupla poda”, destaca Fábio Góes.
Guto Carbonari é sócio da Villa Santa Maria, empresa jovem, mas que já conquistou outro prêmio internacional além da medalha Decanter deste ano. Guto conta que dedicou cinco anos de trabalho para pesquisas de vinificação das uvas plantadas em sua propriedade. Em 2010, a empresa começou a produzir vinhos, ainda em pequenas quantidades. Hoje, a Villa Santa Maria conta com uma fazenda de 85 hectares e 60 mil plantas de sete variedades de uvas diferentes.
“Em termos financeiros, o mercado é promissor. Nossos vinhos têm um valor agregado muito bom, o que nos dá uma “folga”, entre aspas, para assegurar os investimentos que um vinho de alta qualidade precisa ter. Hoje temos um controle atento da nossa produção e isso nos dá um retorno financeiro que permite manter essa qualidade. O investimento tem que ser contínuo”, pontua Guto Carbonari.
O empresário da Luiz Porto Vinhos Finos, Júnior Porto, acredita que a tendência nos próximos anos seja de aumento da demanda nacional por vinhos provenientes da dupla poda. Por esse motivo, Júnior conta que pretende expandir seu parreiral para se tornar mais competitivo dentro do cenário enológico brasileiro.
“A minha visão sobre o mercado de vinhos no Sudeste brasileiro é de um polo que revolucionou a qualidade dos vinhos no país, principalmente no que diz respeito aos vinhos tintos. Temos uma condição climática muito favorável no inverno, o que nos faz ser um ponto de referência no cenário mundial. A premiação mais recente no Decanter é prova disso”, revela Júnior Porto.
O sócio proprietário da Vinícola Bárbara Eliodora, Guilherme Bernardes Filho, recebeu a notícia da premiação no Decanter 2020 com alegria e surpresa. O rótulo premiado faz parte da primeira safra comercial da empresa. Guilherme destaca o trabalho da EPAMIG no processo de vinificação e pontua os desafios que o mercado enfrentará no futuro.
“Temos a questão do custo de produção. Em nossa região o custo é mais alto quando comparado com outras regiões produtoras, tanto no Brasil quanto no mundo. Temos também a questão dos impostos. É preciso sensibilizar os governantes para colocar nossos produtos em condições de igualdade com os vinhos importados. Além disso, temos o desafio de consolidar outras variedades com as quais ainda não estamos conseguindo resultados satisfatórios. Tudo isso é muito importante para que possamos ampliar nosso portfólio”, avalia Guilherme Filho.
A vinícola Maria Maria foi premiada pelo terceiro ano consecutivo no Decanter Awards. Segundo o empresário Eduardo Nogueira Neto, isso mostra consistência no padrão de qualidade dos vinhos produzidos sob o regime de dupla poda.
“O consumidor tem aceitado os vinhos e visto que eles têm qualidade. Acredito que a tendência é que o consumidor brasileiro dê cada vez mais oportunidade para os vinhos nacionais. Com certeza nossos vinhos têm um futuro promissor pela frente”, considera Eduardo Neto.