Revista Rural 265 / agosto 2020 – É correto utilizar anti-inflamatórios no tratamento da mastite, principal doença infecciosa que afeta os gados leiteiros do mundo? Para esclarecer o assunto, a Revista Rural conversou com especialistas da área, que contam como deve ser feita a adoção do medicamento.
“Por se tratar de uma inflamação da glândula mamária, é um processo normal utilizar esse tipo de medicamento”, diz Roulber Silva, gerente técnico de grandes animais da Boehringer Ingelheim. Segundo ele, um ponto primordial para entender a questão fica por conta da doença ser dividida em três graus, cada um tendo seus sintomas específicos. “A ‘confusão’ acontece porque acredita-se que o uso do anti-inflamatório no grau um não vai ter efeito nenhum, mas, existem diversos trabalhos publicados que apontam que determinadas moléculas em grau um e grau dois aumentam a cura bacteriológica em até 16%”.
Alessandro de Sá Guimarães, pesquisador da Embrapa Gado de Leite, segue a mesma linha de Silva, e comenta que o uso de anti-inflamatório de fato depende do tipo de mastite que o animal apresenta. “No caso da clínica, que tem uma inflamação e desconforto grande, esse medicamento tem uma função bastante importante para acelerar o processo de recuperação do animal”, declara. Além disso, ele diz que no Brasil, o produtor tem o costume de utilizar automaticamente antibióticos, porém, sem a identificação do agente patogênico causador da inflamação, o medicamento pode não ser efetivo no rebanho. “Nem sempre deve ser usado. O ideal é o produtor fazer uma coleta da amostra de leite e identificar o patógeno que causa a mastite”. A partir daí, dependendo do grupo, se indica o uso ou não do biótico. “Hoje existe tecnologia para se fazer isso dentro da fazenda e em 24 horas o produtor tem o teste microbiológico para tomar a decisão”, declara.
Silva comenta que há uma crescente nos diagnósticos dentro das fazendas, e dá uma dica para quem faz isso. “Uma vez que a mastite vai ser identificada pelos sintomas, faça o primeiro tratamento com anti-inflamatório, enquanto se leva o leite para a análise bacteriana. Dependendo do tipo constatado aí se define o uso de antibiótico”. Segundo ele, estudos apontam que cerca de 50% dos casos não possuem crescimento de bactéria, o que permite a recuperação do gado apenas com o anti-inflamatório. “É preciso entender que são dois medicamentos sinérgicos, que devem ser utilizados de forma racional, baseado na prescrição de um médico veterinário”, diz.
Rebanho sob vigia
Estima-se que a mastite cause até 15% de perda na produção de leite no País, o que gera 70% dos gastos com a doença. Mas, este não é o único problema ocasionado por ela. O gerente da Boehringer comenta que é preciso pensar em tudo que a enfermidade causa, como, por exemplo, o impacto de fertilidade. “Vacas doentes têm suas taxas de concepção diminuídas. Então, quando o pecuarista utiliza o anti-inflamatório de aplicação única em animais doentes de grau um ou grau dois, aumenta a taxa de concepção, diminuindo o número de inseminações para a vaca emprenhar”, declara. Assim sendo, para ele, falar de mastite não se resume apenas na redução da produção do leite. “Temos que nos atentar além da inflamação em si, principalmente no que se refere a ingestão de matéria seca, longevidade e o bem-estar do rabanho”.
Ainda em relação a qualidade do leite, do ponto de vista de resultado, Guimarães, pesquisador da Embrapa, comenta que é preciso desmistificar que o anti-inflamatório tenha alguma influência. “O que ocasiona problema na qualidade é a doença em si, que traz reflexos negativos na composição do alimento, gerando prejuízos financeiros ao produtor”.
Lidar com a realidade
Quem tem rebanho leiteiro vai ter que lidar com a mastite, não existe pecuarista no mundo que não sofra com essa doença, e Silva reforça que o produtor tem que deixar de ver a enfermidade relacionada apenas ao problema de produção, deixando outros aspectos de lado. “É uma reação em cadeia, onde um ponto de partida pode desaguar em diversos problemas se não for tratado corretamente”.
Para o produtor evitar maiores dores de cabeça, o cuidado com a prevenção se torna tão importante quanto o tipo de medicamento que será utilizado. “Sempre quando falamos de doenças, temos que trabalhar fortemente a prevenção, e no caso da mastite há procedimentos que são feitos na fazenda que pode controlá-la e ajudar a diminuir a incidência”, declara. Dessa maneira, segundo o gerente, o pecuarista vai garantir que o rebanho esteja confortável e saudável, aumentando automaticamente a produção e o rendimento na propriedade.