A Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, por meio do Instituto de Pesca (IP-APTA), realiza pesquisas científicas em diversos rios do Estado visando evitar a redução das populações de espécies de peixes. Os trabalhos promovem o monitoramento da diversidade genética dos animais e, se necessário, a reinserção de indivíduos, o chamado repovoamento. A garantia da diversidade é considerada importante tanto para o funcionamento dos ecossistemas quanto para assegurar a continuidade da pesca.
“Diversidade genética é a quantidade total de variações (mutações) observadas entre os indivíduos de uma população e entre as populações de uma espécie”, conta o pesquisador do IP Fernando Stopato da Fonseca. “Estas mutações colaboram na capacidade das populações em se adaptar a mudanças ambientais ou colonizar um novo ambiente, sendo que ao possuir uma baixa diversidade genética, a população corre o risco de entrar no processo de extinção no local”, diz .
De acordo com Fonseca, o IP tem atuado em várias frentes de trabalho, no âmbito de um Programa de Restauração Genética, onde são analisadas as populações de peixes remanescentes, coletados exemplares e avaliadas as condições ambientais e de ocupação humana do entorno. Para o pesquisador, esta é considerada a forma mais eficiente de realizar a reintrodução ou repovoamento de uma espécie, caso se avalie necessário. “O processo de repovoamento visa reintroduzir uma população de uma dada espécie que foi extinta (ou bastante reduzida) localmente e que ocupava um importante elo na cadeia alimentar”, explica .
O especialista cita o caso do Surubim do Paraíba (Steindachneridion parahybae), um peixe carnívoro que eliminava do rio peixes doentes e controlava a população de forrageiros (peixes que servem de alimento para espécies maiores), aumentando a saúde do ambiente e não deixando populações crescerem demasiadamente. “Partindo desse processo, o Instituto de Pesca analisou as condições do Surubim do Paraíba na Bacia do Rio Paraíba do Sul, onde vários projetos foram realizados em conjunto com a CESP (Cia Energética de São Paulo), ICMBio e UMC (Universidade Mogi das Cruzes)”, conta Fonseca.
Caio Perazza, pesquisador ligado à UMC que atua com Fonseca nos projetos de pesquisa, acrescenta que são muitas as etapas para se realizar o repovoamento. “Um programa de repovoamento consiste, basicamente, em capturar exemplares em ambiente natural, reproduzir o peixe em cativeiro, avaliar geneticamente e devolver ao rio animais oriundos do cativeiro que apresentem diversidade genética maior ou semelhante aos encontrados em ambiente natural”, detalha Perazza. No momento, contextualizam os pesquisadores, a espécie está sendo reproduzida na CESP e reintroduzida na parte paulista do Rio Paraíba do Sul.
Fonseca menciona que o processo de repovoamento busca, sempre que possível, inserir os diversos agentes impactados pela pesca e preocupados com a preservação ambiental. “Quando analisamos as populações de peixes que precisamos fazer a reintrodução, contamos com o apoio de instituições que trabalham no local, ribeirinhos, pescadores e outros atores locais para conseguir o maior número de indivíduos”, contemporiza o pesquisador, referindo-se à importância de se obter a maior variabilidade genética possível.
Os animais capturados são marcados com minúsculos microchips e uma pequena amostra de tecido da nadadeira caudal é retirada para as análises laboratoriais. A partir da obtenção dos espécimes, são aplicadas técnicas de biologia molecular para avaliar a variabilidade e, só então, reproduzir os animais em cativeiro e proceder sua reinserção no ambiente. “É um esforço que será recompensado ao salvarmos a espécie em questão”, celebra o pesquisador.
Ecossistema preservado e pesca assegurada
A existência de uma população geneticamente variada, é uma condição fundamental para que determinada espécie de peixe seja capaz de enfrentar as mudanças e desafios impostos pelo ambiente. “A diversidade genética entre os indivíduos aumenta a capacidade adaptativa das populações de peixes às mudanças no ambiente, ou seja, torna maiores as chances das espécies sobreviverem diante de algum evento drástico (alterações climáticas, poluição, doenças etc)”, explana Fonseca.
O especialista do IP alerta para os riscos para todo o ecossistema em não se fazer o repovoamento em áreas onde algumas populações tenham sido reduzidas ou mesmo eliminadas. “Dependendo do papel da espécie no rio, podemos ter diferentes implicações, como no caso já citado do Surubim do Paraíba, onde perdemos o controle populacional de espécies forrageiras e da disseminação de doenças”, pontua. Já no caso das forrageiras, pormenoriza o pesquisador, sua ausência no habitat pode levar à diminuição de outras populações, num efeito em cadeia. “Caso essa espécie fosse a principal presa de uma espécie piscívora, esta pode entrar em decaimento, ou ainda, passar a consumir mais das outras forrageiras, contribuindo para a eliminação destas e piorando ainda mais o quadro geral – sem contarmos as implicações para os ecossistemas no entorno, como a vida de anfíbios, pássaros e mamíferos”, enfatiza Fonseca. “Devemos devolver ao ecossistema aquático condições para que as espécies de peixe se mantenham ao longo do tempo”, reitera Perazza, da UMC. “Independente de se tratar de impactos causados pela ação humana ou naturais, é essencial cuidar dos recursos genéticos de nossos ambientes aquáticos”, completa.
Manter as populações de peixes estáveis e evitar o desequilíbrio ambiental é, por sua vez, um fator essencial para que a atividade pesqueira possa continuar viável, com boa quantidade e qualidade do pescado. “Do ponto de vista econômico, além de garantir que a população de peixes forrageiros não fique em flutuação e garantir uma pesca equilibrada durante o ano, o repovoamento pode aumentar a longo prazo a oferta de peixes de maior valor comercial para a pesca extrativista e esportiva”, finaliza o pesquisador do IP.