Um dos pilares do agronegócio brasileiro, a cadeia da pecuária de corte movimentou o correspondente a 8,7% do PIB total do país, em 2018, totalizando o montante de R$ 597,22 bilhões. Para os próximos anos, o setor continuará a crescer sustentado por um mercado consumidor de carne bovina cada vez mais crescente, com o aumento considerável da demanda pelo produto, em especial pelos países asiáticos, como China e Hong Kong. Os dois países, só em 2018, comparam o correspondente a 43,6% de todo o montante exportado.
A busca por cortes diferenciados e de denominação de origem abrirão novas oportunidades de agregação de valor ao mercado. No entanto, o maior grau de exigência do consumidor será um gatilho transformador da atividade, bem como a concorrência com outras fontes de proteína, que forçará a cadeia a produzir melhor. O bem-animal será mandatório, desde a cria ao abate.
Os dados são do mais recente estudo da Série “Desafios do Agronegócio Brasileiro”, elaborado por pesquisadores da Embrapa que integram o Centro de Inteligência da Carne Bovina da Embrapa Gado de Corte (Cicarne) e o Sistema Agropensa. Participaram do estudo os pesquisadores Guilherme Malafaia, Fernando Dias, Paulo Biscola e Elísio Contini e o analista Adalberto Araújo.
De acordo com os autores, a inovação digital será uma das duas maiores forças disruptivas para o mercado nas próximas duas décadas e servirá de força catalisadora no processo de transformação da cadeia, injetando gestão e inteligência na atividade. Terá papel central na certificação, rastreabilidade e qualidade do produto carne. A busca por soluções sustentáveis transformará toda a cadeia produtiva, desde a indústria de insumos até a carne na prateleira do supermercado. Tecnologias de ponta, como a biotecnologia moderna aumentarão a eficiência produtiva, com ganhos para os produtores e consumidores finais.
As tendências para a cadeia de carne bovina do país vão exigir melhor gestão do negócio, digitalização e intensificação produtiva por parte dos pecuaristas para que seja alcançado o potencial de incremento de 23% da produção nos próximos oito anos, diz o estudo.
Por outro lado, o impacto social será muito relevante – pois muitos pecuaristas não conseguirão se adaptar e deixarão a atividade. “Vamos ter menos produtores, que serão mais tecnificados e terão maior volume de produção. Quem for pequeno ou se organiza em cooperativas, em associações, em rede, ou não sobreviverá”, afirma o pesquisador e doutor em Economia Elísio Contini. De acordo com o especialista, a previsão é que poderão deixar a atividade quase metade dos 1,3 milhão de pecuaristas hoje em atividade, apesar de promissora projeção de o país se consolidar como líder global nesse mercado.
“Parcela considerável vai ser excluída da atividade e substituída por fazendas corporativas. Até 2040, cerca de 50% dos produtores devem sair do mercado”, afirma o coordenador do Centro de Inteligência da Carne Bovina da Embrapa Gado de Corte (Cicarne), Guilherme Malafaia.
Mais carne em menos área
As projeções elaboradas pelo estudo indicam que os próximos anos serão de muito desenvolvimento e sucesso para os bons gestores. A pecuária brasileira produzirá mais carne em menos área, liberando terras para a agricultura e silvicultura. O setor ocupará espaço no cenário internacional, exportando desde genética a produtos altamente especializados e de elevado valor agregado. “O Brasil terá uma pecuária altamente tecnificada, profissional, competitiva e uma referência global, não só pelo gigantismo, mas também por sua tecnologia, qualidade, segurança e sustentabilidade”, afirmam os autores.
Eles chamam atenção também para os impactos da Covid-19 no mercado e na produção da carne bovina. A pandemia colocará no topo do debate global a preocupação com a sanidade animal, onde devem crescer as exigências e consistência sobre os sistemas de vigilância e controle de doenças que atingem animais e humanos. “Esta pode ser uma grande oportunidade para a cadeia da carne bovina mostrar ao mundo, de forma transparente, como os nossos processos produtivos, tanto no campo como na indústria, são confiáveis”, afirmam.
De acordo com o estudo, a maior transformação será no processo de distribuição, seja de insumos, gado ou da carne. A relevância da sanidade, qualidade e sustentabilidade crescerá via interação digital com o consumidor final. Entretanto, torna-se de fundamental importância a promoção de melhorias no sistema de conectividade no território brasileiro, especialmente, no campo.
“É de fundamental importância a criação e fortalecimento dos diálogos entre stakeholders em rede no setor de carne bovina. A integração e coordenação da cadeia é extremamente necessária e estratégica. É preciso romper a cultura demarcada pela falta de relacionamentos sistêmicos e avançar em modelos colaborativos em rede, já realizado com êxito por países como Austrália, Canadá, China, Estados Unidos, Reino Unido e Uruguai. A Câmara Setorial da Bovinocultura de Corte do Ministério da Agricultura poderia ser um fórum propício para germinar uma ação nesse sentido”, afirma Elísio Contini.
Desafio para o escoamento das exportações
A concentração das exportações de carne bovina nos portos das regiões Sul e Sudeste evidencia os corredores de exportação dos estados brasileiros produtores de carne situados nas regiões Centro-Oeste, Sul e Sudeste. No caso dos frigoríficos de Mato Grosso, por exemplo, as rodovias BR-364 e BR-163 estão entre as principais vias de escoamento da produção do território destinada à exportação, convergindo aos portos de Santos (SP) e Paranaguá (PR). Já a produção do território goiano segue, sobretudo, pela BR-153, BR-364 e a BR-050 etc., em direção ao porto de Santos.
No entanto, o estudo apontou a necessidade de reorientar a matriz de transporte para uma maior integração entre os percursos rodoviário e ferroviário. O transporte rodoviário poderia ser realizado entre os frigoríficos e os pátios de transbordo da ferrovia, por ser o mais flexível, com maior disponibilidade de vias de acesso e rapidez na entrega. Por sua vez, o modal ferroviário seria adequado para o transporte de carga por longas distâncias, desde os pátios da ferrovia até os portos litorâneos. Em relação à logística de exportação da carne bovina, nota-se uma concentração em alguns portos da região Sul e Sudeste.
Para diminuir essa concentração, sugere-se uma maior exportação pelos portos do Nordeste e Norte brasileiro, quando o produto tiver como destino os portos da Europa, do Oriente Médio e da América do Norte.
As projeções para a pecuária brasileira mostram que o setor deve apresentar um significativo crescimento nos próximos anos e a expectativa é que a produção de carne bovina no Brasil continue a crescer na próxima década. Segundo projeções do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA, no período 2018 a 2028 a produção de carne bovina do Brasil deverá crescer 2,1% ao ano. Neste contexto, espera-se atingir 12,15 milhões toneladas produzidas em 2028, com 22,7% de variação em relação a 2018.